Artes visuais
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Barracões em ritmo máximo, com a partida dada nos ensaios técnicos e o calendário apertado para as entregas dos desfiles na Marquês de Sapucaí. Ainda assim, os carnavalescos Leandro Vieira, da Imperatriz Leopoldinense, e Gabriel Haddad e Leonardo Bora, da Acadêmicos do Grande Rio, conseguiram um tempo para um encontro no Paço Imperial, no Centro do Rio. A pedido do GLOBO, eles se reuniram para falar de exposições que expandem a arte concebida para a Avenida para dentro dos museus.

Campeão do carnaval carioca no ano passado, Vieira está em cartaz no Paço Imperial com a mostra “Corpo popular”, que abrange a concepção artística de dez desfiles criados por ele, desde a produção dos trabalhadores do barracão até o momento em que os componentes dão vida às fantasias na Sapucaí. Com curadoria de Daniela Name, a exposição também conta com um espaço na Central do Brasil, um trem transformado em galeria, aberto ao público aos sábados até o fim do mês, além de um site lançado no último sábado. Já Haddad e Bora levaram ao MAR o desfile “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”, que conquistou o título de 2022, na exposição “Laroyê, Grande Rio”. Com curadoria de Leonardo Antan, Luise Campos e Thomas Reis, e acompanhamento curatorial da equipe do museu, a mostra une elementos usados na Marquês de Sapucaí, como fantasias, esculturas e partes de alegorias, relacionados a trabalhos inspirados no orixá criado por outros artistas, como Mulambö, André Vargas, Ju Angelino, Cety Soledade e Guilherme Kid.

— É uma loucura total fazer o carnaval e, ao mesmo tempo, organizar exposição, pensar que peça entra, em espaço expositivo — comenta Vieira, que, como seus colegas, resolvia por celular questões do barracão nos intervalos da entrevista. — Mas o que me levou a isso, e acredito que o Bora e o Haddad também, é essa ideia de que o carnaval pode extrapolar a Quarta-Feira de Cinzas e levantar outras possibilidades de apreciação. De apresentarmos à sociedade uma outra maneira de contemplar o desfile, a produção dos trabalhadores das escolas de samba. O fato de o público poder ir às duas mostras antes e depois do carnaval também é muito especial.

'Motriz': Videoinstalação no Paço Imperial traz projeções de componentes sobre matrizes de fantasias e adereços — Foto: Divulgação/Oscar Liberal
'Motriz': Videoinstalação no Paço Imperial traz projeções de componentes sobre matrizes de fantasias e adereços — Foto: Divulgação/Oscar Liberal

Em 2021, Vieira teve uma experiência dentro de um espaço museológico, ao expor no MAM do Rio a sua “Bandeira brasileira”, concebida para o desfile “História para ninar gente grande”, com o qual a Mangueira conquistou seu 20º título, em 2019, além de colaborar com a programação do local durante a exposição “Hélio Oiticica: a dança na minha experiência”. Por sua vez, os carnavalescos da Grande Rio já haviam participado da coletiva “Desvairar 22”, realizada em 2022 no Sesc Pinheiros, em São Paulo, com duas obras, uma delas a instalação “Exunautas”, também parte do desfile campeão da tricolor de Duque de Caxias.

— Na época, a gente mandou uma equipe para São Paulo restaurar a escultura. Depois, seu Zeli Lanoa, que é ferreiro há décadas, disse: “Vi coisas muito parecidas com o que faço, mas nunca tive nada meu exposto num museu.” Aquilo ficou na cabeça, essa ideia de montar uma mostra com o desfile de 2022, e fomos guardando as peças — lembra Haddad. — E, agora, ele pôde ver suas criações no MAR. Então trazer o carnaval para dentro do museu também é destacar os inúmeros saberes destes artistas, que se dedicam o ano todo às escolas de samba.

Parte das alegorias expostas na mostra 'Fala, Majeté! Sete chaves de Exu', que recupera o desfile campeão da Grande Rio de 2022 — Foto: Divulgação/Wagner Rodrigues
Parte das alegorias expostas na mostra 'Fala, Majeté! Sete chaves de Exu', que recupera o desfile campeão da Grande Rio de 2022 — Foto: Divulgação/Wagner Rodrigues

Outra mostra que aborda o carnaval fora da Avenida também pode ser visitada no Rio. O Crab (Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro), na Praça Tiradentes, mantém em cartaz até junho a exposição “Artesania ancestral nos 95 anos de Mangueira”, com curadoria de Célia Domingues.

Para Leonardo Bora, é preciso pensar nestas exposições como uma negociação entre duas instituições, o museu e a escola de samba, para não resvalar em estereótipos ou restringir o potencial da produção que sai dos barracões.

— É um processo sempre delicado para não parecer que esta produção precisa de uma chancela externa para provar que é um material artístico fundamental para se pensar o Rio, o Brasil, para se pensar quem somos nós — pondera Bora. — É importante ocupar estes espaços, não por uma questão de reconhecimento, mas para mostrar o volume dessas narrativas e o quanto de camadas elas guardam.

A histórica tensão entre espaço museológico e carnaval tem um ponto chave, em 1965, quando integrantes da Mangueira são proibidos de entrar no MAM do Rio tocando e cantando com Hélio Oiticica, para a ativação de seus parangolés na coletiva “Opinião 65”, como lembra Vieira. Para o carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense, um desafio para levar a Avenida para dentro das galerias é pensar a própria natureza do desfile:

— É fundamental documentar a produção do carnaval, e que existam locais que favoreçam essa pesquisa. Mas algo mais complexo é pensar como ocupar estes espaços, já que a plenitude dessa manifestação só se dá na Avenida. Tem o risco de reviver algo que só pode acontecer no desfile como obra de museu, além de toda a questão ritual. Sempre é preciso pensar em como não forçar a eternidade a algo que é efêmero.

Costura de várias produções artísticas

Leandro Vieira, Gabriel Haddad e Leonardo Bora veem o desfile como um conjunto, que vem tanto do universo do carnaval como de fora dele, no qual eles contribuem com a visualidade. Coincidentemente, Imperatriz Leopoldinense e Grande Rio vão levar para a Sapucaí enredos inspirados na literatura. A Verde e Branco de Ramos parte de um cordel de Leandro Gomes de Barros sobre o testamento da cigana Esmeralda, enquanto a tricolor de Duque de Caxias se inspira no livro “Meu destino é ser onça”, de Alberto Mussa. Para Haddad, as exposições mostram como os próprios enredos trazem costuras de várias produções artísticas ao longo do trabalho de um ano todo.

— Na exposição do MAR dá para ver bem essa relação do desfile com outros artistas contemporâneos, entendendo também o carnavalesco como um artista contemporâneo que cria a partir de uma proposta, a cada ano — observa Haddad. — São muitas parcerias que alimentam os enredos, tudo vem caminhando junto, a pesquisa escrita e a iconográfica. Vários artistas presentes na mostra influenciaram alas, fantasias, alegorias.

Painel de Guilherme Kid no desfile da Grande Rio de 2022, que está no MAR — Foto: Divulgação/Vitor Mello
Painel de Guilherme Kid no desfile da Grande Rio de 2022, que está no MAR — Foto: Divulgação/Vitor Mello

Bora ressalta a importância de também levar ao museu uma entidade como Exu, muitas vezes associado ao mal fora dos ambientes de religião de matriz africana:

— Exu passou a ser demonizado pelo olhar eurocêntrico, por essa visão dicotômica, que o associou ao demônio. Acho que com o enredo a gente já conseguiu romper essas bolhas, pensando que este universo está mais próximo das comunidades que fazem as escolas de samba. Foi uma mensagem poderosa que tentamos reverberar na mostra.

No Paço: na instalação 'Corpo em desfile', monóculos trazem registros de desfiles icônicos de Leandro Vieira — Foto: Divulgação/Oscar Liberal
No Paço: na instalação 'Corpo em desfile', monóculos trazem registros de desfiles icônicos de Leandro Vieira — Foto: Divulgação/Oscar Liberal

Muitas vezes confrontado com uma crença que ignora o passado na Sapucaí e sugere que a atual geração de carnavalescos faz desfiles mais “políticos”, Vieira lembra que a produção mostrada nas exposições segue uma linhagem de abordagens sociais.

— A escola de samba enquanto organismo político não foi inventada recentemente, isso está na gênese das próprias agremiações. Elas já nascem como uma resposta pós-abolição de reafirmação de valores da cultura negra — pontua. — E por que não colocar, por exemplo, “Kizomba” (1988), da Vila Isabel, nessa mesma linha, de abordagem política? Essas disputas de narrativas existem desde sempre.

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