Artes visuais
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Por — Rio de Janeiro

Abaixo da icônica escada caracol de concreto do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, João Modé une mais de cem espécies de plantas, como espadas-de-são-jorge, pinheiros e cactos. Do interior do museu projetado por Affonso Eduardo Reidy em 1953, a instalação “Land” faz com que o público perca de vista os limites entre o edifício e o Parque do Flamengo, criado por Roberto Burle Marx (1909-1994) na mesma época.

Modé é um dos seis artistas contemporâneos convidados para a exposição “Lugar de estar: o legado de Burle Marx”, que o MAM abriu ontem. Sua obra ecoa o pensamento do paisagista e artista visual homenageado, para quem a natureza tem de incluir o elemento humano — não por acaso, desenhos de pessoas aparecem em quase todos os projetos apresentados na mostra assinada por Pablo Lafuente e Beatriz Lemos, respectivamente diretor artístico e curadora-chefe do MAM, e Isabela Ono, diretora-executiva do Instituto Burle Marx.

Em 2024, quando se completam 115 anos de nascimento e 30 de morte do artista e paisagista, seu pensamento é constantemente recuperado diante da emergência climática e de catástrofes ambientais, temas para os quais ele já alertava. A exposição no MAM reúne farto material documental e 22 projetos, selecionados entre outros dois mil criados por ele e seus colaboradores.

Junto a projetos realizados e outros jamais executados, como o do Parque Moça Bonita (que seria criado em Bangu e é mostrado pela primeira vez na exposição), a seleção traz obras de outros seis artistas contemporâneos. Propondo um diálogo com questões levantadas por Burle Marx, foram selecionadas ou comissionadas obras de Rosana Paulino, Yacunã Tuxá, Luiz Zerbini, Maria Laet, Mario Lopes e o já citado João Modé.

— A exposição traz um recorte no nosso acervo com trechos de entrevistas dele nos anos 1930 e 1940, que já traziam esse lado do ativista ambiental. Na época, ele estava em Recife e começou a levar para os jardins da cidade cactos e outras espécies do sertão, e houve uma grita contra isso. As pessoas diziam que aquilo era mato. Queriam as rosas e espécies europeias — destaca Isabela Ono, diretora-executiva do Instituto Burle Marx. — O que ele aprendeu na natureza e levou para os centros urbanos demorou décadas para ser assimilado. Hoje entende-se que havia, por trás dos projetos, um compromisso ético e estético.

Futuro sustentável

Partindo do Parque do Flamengo, os projetos de Burle Marx selecionados para a exposição incluem espaços criados em outros estados, como São Paulo, Bahia e Paraíba, até chegar em Caracas, na Venezuela, onde o Parque Del Este se mantém desde 1961. “Lugar de estar”, cujo título foi retirado da legenda que o paisagista utilizava para apontar as áreas de convivência em seus projetos, se conecta às mostras realizadas no ano passado no local, para celebrar os 75 anos do museu.

— Neste momento de revisão histórica, quisemos destacar a obra de pessoas que fazem parte do legado do museu — explica Beatriz Lemos, justificando a escolha de Burle Marx para abrir o ano. — Ver como há décadas ele já falava da emergência climática que nossos corpos sentem agora nos ajuda a pensar em questões do paisagismo articulado com a sociedade, quem tem direito a áreas verdes na cidade e por que alguns projetos prosperam e outros, não.

Pablo Lafuente explica que o convite aos artistas que integram a mostra não partiu especificamente de uma relação com o trabalho de Burle Marx, mas de questões que sua visão entre cidade e natureza levanta. Um exemplo são os sete vídeos concebidos pelo artista e coreógrafo paulistano Mario Lopes que mostram performances de dança em espaços do Rio criados pelo paisagista, como o Largo da Carioca e o calçadão de Copacabana.

— Muitas vezes você passa todos os dias por esses locais sem sequer saber que foram desenvolvidos por Burle Marx. A exposição também destaca a forma como os projetos mudam ao serem apropriados pela população. Talvez o Reidy jamais pudesse imaginar que hoje os pilotis do MAM fossem usados para aulas de forró, nem o Burle Marx pensasse em tantos usos para os jardins — comenta Lafuente.

Percurso integrado

Também está refletida a sinuosidade dos projetos do paisagista. Para a mostra, o arquiteto Tiago Guimarães criou estruturas curvas em madeira que atravessam os mil metros quadrados de área expositiva, servindo de banco e vitrine para os estudos, croquis, desenhos, fotos e recortes de jornal selecionados no acervo do Instituto.

— Já sabíamos que a exposição teria também assentos, como os que existem no Parque do Flamengo, para que as pessoas se sentem durante a caminhada — ressalta Guimarães. — No projeto original do Burle Marx, existiam áreas de lazer com planos em diferentes alturas e volumes, o que acabou sugerindo estas formas que integram as três funções, e que permitem uma continuidade ao longo do percurso.

Concentrada no segundo andar do MAM, a mostra abre justamente com “Land”, instalado no foyer do museu, convidando o público a subir para a mostra ou, se preferir, adentrar pela minifloresta criada por João Modé. Dias antes da abertura, o artista movimentava plantas e despejava em suas raízes o conteúdo das dezenas de sacos de terra utilizados na obra.

— A instalação não tem a coerência técnica de um projeto paisagístico, aqui estou colocando lado a lado plantas de espécies e biomas diferentes, que não estariam juntas na natureza — detalha Modé. — A ideia é reproduzir um pouco da nossa experiência nas grandes cidades, de tantas pessoas de origens e histórias diferentes tendo de se adaptar no mesmo espaço para sobreviver.

Reconhecido pela Unesco

Destacado na exposição, o legado de Burle Marx tem em seu sítio, em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, o exemplo vivo de suas experiências botânicas. Local onde o paisagista e artista visual viveu seus últimos 20 anos, a propriedade ainda mantém um laboratório, em viveiros e jardins, com cerca de 3.500 espécies de plantas tropicais e subtropicais.

Doada em 1985 ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a propriedade de mais de 400 mil m² foi reconhecida em 2021 como Patrimônio Mundial da Unesco, tornando-se o 23º lugar brasileiro a receber este título.

— O reconhecimento da Unesco ajudou a divulgar o sítio e a aumentar a visitação. Atualmente operamos quase na nossa capacidade máxima do público, com média de 140 pessoas por dia. A gente também notou um aumento de visitantes do Rio. Antes era uma demanda de pessoas que vinham do exterior, que já lidavam com jardim ou com arte — observa Claudia Storino, diretora do sítio.

A obra do artista e paisagista vem sendo revista em exposições recentes, como “O tempo completa”, montada na Casa Roberto Marinho em 2021, e “Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx”, que ocupou o Centro Cultural Fiesp entre 2022 e 2023.

Agora, o Instituto planeja lançar uma publicação que revê sua trajetória e abrir para o público a coleção de obras e projetos em seu site.

— Queremos abrir no site a primeira parte de nosso banco de dados, para tornar esse conjunto acessível a todo o público, permitindo mais pesquisas — adianta Isabela. — Durante a exposição, além dos debates que serão promovidos, também vamos lançar um mapa georreferenciado com mais de cem projetos públicos do Burle Marx, para que as pessoas possam conhecer a história de cada um deles e planejar sua visita.

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