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Pintor Gonçalo Ivo prepara a publicação de poemas inéditos do pai, Lêdo Ivo

Livro tem previsão de lançamento para março de 2019, com caixa e aquarelas para edição de luxo
Gonçalo Ivo em seu ateliê em Teresópolis, entre as caixas pintadas para a edição de colecionador de 'Relâmpago' Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Gonçalo Ivo em seu ateliê em Teresópolis, entre as caixas pintadas para a edição de colecionador de 'Relâmpago' Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RIO — Em dezembro de 2012, o imortal Lêdo Ivo aproveitava uma viagem de trem para Sevilha, na Espanha, para falar com o filho, o pintor Gonçalo Ivo, sobre uma série de poemas inéditos que pensava publicar. O título provisório, “Um navio ancorado na laguna”, intrigou Gonçalo, uma vez que seus livros anteriores, como “Plenilúnio” (2004) e “Réquiem” (2008), tinham títulos mais sintéticos. O poeta aquiesceu e lembrou de “Relâmpago”, palavra presente em um dos novos poemas. Dois dias depois, o ocupante da cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras sofreu um infarto e morreu, aos 88 anos, deixando ao filho a incumbência de publicar os últimos poemas.

Na volta ao Brasil, Gonçalo encontrou entre as coisas do pai um envelope timbrado da ABL com o título provisório grafado a caneta, com os 13 poemas inéditos, manuscritos ou datilografados e corrigidos a mão. Seis anos depois, o pintor finaliza em seu ateliê próximo a Teresópolis, na Região Serrana do Rio, uma edição limitada de oito caixas de madeira, em técnicas como óleo, têmpera e aplicação de folhas de ouro, que acompanharão uma edição do livro e fac-símiles dos originais.

Adquiridas por colecionadores (os valores não foram revelados), as obras viabilizaram a edição de “Relâmpago” no Brasil, prevista para março de 2019, pela editora Contracapa — na Espanha, a obra foi lançada em 2015, com tradução de Martín López-Vega. Para acompanhar os poemas na versão que chega às livrarias, Gonçalo pintou 48 aquarelas, que serão reproduzidas quase na escala original.

— Como falamos sobre os poemas, quando achei os originais já sabia o que era. Talvez, se não tivéssemos conversado, demoraria mais para encontrá-los — imagina o pintor de 60 anos. — Fiquei surpreso ao ver que os poemas estavam assinados e numerados, uma coisa que ele nunca havia feito. Talvez isso já evidenciasse uma negociação com o futuro.

Original de Lêdo Ivo, com as correções do autor: poema integra o livro póstumo Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Original de Lêdo Ivo, com as correções do autor: poema integra o livro póstumo Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

Ao desenvolver as imagens para a obra, Gonçalo novamente se deparou com o desafio da criação diante da perda: o pintor também assinou as ilustrações de “Réquiem”, um longo poema escrito pelo pai após a morte de sua mulher, Maria Lêda, em 2004.

— O Lêdo brincava, em referência ao “Réquiem”: “Vê se não vai levar outros dois anos para terminar as ilustrações”. Na época, foi um processo difícil, estava muito impactado pela perda da minha mãe, demorei para finalizar — recorda Gonçalo. — Desta vez foi mais rápido. Entrei no mundo daqueles poemas, que falam de astros, raios, elementos que o acompanhavam desde a infância em Maceió. Não tem nada figurativo, mas ao mesmo tempo fica uma marca telúrica.

Entre Paris, Madri e Rio

Na Serra, Gonçalo trabalha literalmente cercado não apenas da obra do pai, mas de milhares de livros da biblioteca herdada e de seu próprio acervo. Na propriedade, o pintor construiu três ateliês, um deles com um pé direito de dez metros, calculado a partir das dimensões das telas da série “Lamento”, exibida em 2012, na galeria Anita Schwartz. O espaço de trabalho é dividido com estantes repletas de livros, obras de arte de sua autoria e de amigos, além de um quarto que o pintor usa quando não quer interromper o ritmo de trabalho — em geral, ele acorda entre 3h e 4h da manhã para pintar.

A imersão multiplica o número de obras espalhadas no espaço: no momento, além das caixas de “Relâmpago”, o pintor trabalha em obras para um livro de arte da UQ! Editions, editora editora do jornalista e curador Leonel Kaz e da designer Lucia Bertazzo.

Aquarela 'O segredo', criada para o livro Foto: Jaime Acioli/Divulgação
Aquarela 'O segredo', criada para o livro Foto: Jaime Acioli/Divulgação

— Estamos em pleno processo, fizemos alguns encontros mas essas publicações levam tempo , nunca menos de dois anos. Pode ser que saia entre o final do ano que vem e 2020 — comenta Kaz. — A princípio, a tiragem deverá ser de 40 unidades,acompanhadas de uma têmpera e um objeto. A ideia é que cada livro seja realmente único.

Residindo em Paris desde o fim dos anos 1990, Gonçalo passou a dividir as temporadas no Brasil com períodos na Espanha, onde mantém, há cinco anos, uma apartamento com ateliê em Madri. Quando está no Brasil o pintor permanece na Serra, descendo ao Rio de forma cada vez mais esporádica. Gonçalo acredita que a reclusão ajude a explicar o hiato de mostras na cidade — desde “Lamento” ele não voltou às galerias cariocas e, em instituições, sua última individual foi em 2008, no Museu Nacional de Belas Artes:

— Prefiro receber os amigos, não vou a eventos, vernissages só de artistas realmente próximos. Claro que gostaria de trazer ao Rio uma individual como a que tive ano passado em Curitiba (“A pele da pintura”, no Museu Oscar Niemeyer). Mas não tenho mais idade para bater na porta de ninguém, melhor ficar em casa trabalhando. Costumo dizer que sou um animal pictórico, vivo a pintura intensamente.