Cultura

'Artista que tem medo de perder contrato publicitário fica limitado', diz Gregorio Duvivier

Ator estreia monólogo que une mitologia grega ao Brasil dos memes e diz que 'no teatro, é possível romper barreira ideológica'
Gregorio Duvivier em cena no monólogo "Sísifo", Foto: Annelize Tozetto / Divulgação
Gregorio Duvivier em cena no monólogo "Sísifo", Foto: Annelize Tozetto / Divulgação

RIO — Um homem que faz transmissão ao vivo do próprio suicídio pelo Instagram, e uma mulher que vende sentidos para a vida das pessoas. Essas situações no estilo “a que ponto chegamos” são duas das 60 cenas curtas que Gregorio Duvivier leva ao palco no monólogo “Sísifo”, escrito por ele, em parceria com Vinicius Calderoni , em cartaz no Teatro Prudential, na Glória.

Inspirado no mito grego do mortal que tem por castigo carregar uma pedra até o topo da montanha para vê-la rolar ladeira abaixo e começar tudo outra vez, o texto conecta a mitologia ao mundo hiperconectado e ao Brasil dos memes. É como se o país atual, em que turbulência política tomou conta das discussões virtuais, estivesse preso num gif  — e Gregorio, de certa forma, também, já que um ciclo de repetições contínuas estruturam a narrativa da peça. A cada início de cena, ele sobe uma rampa sobre o palco e salta dela no fim. Depois, começa tudo de novo.

— Sísifo é o gif fundador da mitologia histórica, com a ideia de eterno retorno - observa Calderoni. — Percebemos como isso dava combustível para falar sobre o momento histórico brasileiro, ao mesmo tempo em que falamos de travessia, sobre um projeto que precisa seguir.

Para Gregorio, o mito de Sísifo é uma boa metáfora para falar do esforço cotidiano de reconstrução de um país e de situações que vão do trabalho aos relacionamentos, passando por assuntos comportamentais atuais, como a invasão dos coachs, por exemplo.

— Hoje tem até "kid's coach", para que seu filho renda mais na escola — surpreende-se.

Fora da bolha

Ir além do assunto política pode fazer com que Gregorio consiga atingir um público, digamos, fora de sua bolha. De uns tempos para cá, a imagem do ator ficou atrelada ao discurso da esquerda e essa postura acaba refletindo numa certa rejeição por parte de uma parcela do público.

— No teatro, é possível romper a barreira ideológica imediata. A emoção fala em lugares em que a razão política não te permite acessar — acredita.  — É um lugar que todo mundo senta para assistir à mesma história, é difícil ver uma plateia dividida. Por isso a gente faz teatro, para unir todo mundo na mesma viagem. De direita ou de esquerda, todos riem no mesmo momento. Ainda tem mais coisa que une do que separa o brasileiro.

A boa recepção na estreia, no Festival de Curitiba, em abril, foi um bom exemplo disso, segundo o ator.

— Curitiba já é fora da bolha, e a recepção foi calorosa. A gente brinca que lá, mesmo tem mil lugares na plateia, a sensação térmica é de 15º. Porque é um silêncio, as pessoas são muito educadas.

Mas Gregorio tem consciência de que muitas portas se fecharam para ele profissionalmente por conta de suas posições políticas. Se diz disposto a pagar o preço por suas opiniões.

- Sei que não faço mais publicidade porque não faz sentido para as marcas se associarem a mim, que indico uma certa rejeição. Normal. Governante é que tem que governar para todos - afirma. - Artista que tem medo de se expor, de perder contrato publicitário e público, fica limitado. Não cria. Não preciso que toda a família tradicional brasileira me ame, que eu faça comercial de margarina. Como disse o Darín ( Ricardo Darín, ator argentino ) numa entrevista, tenho água quente em casa. A pessoa quer o que? Uma ilha? Um helicóptero?

O interesse pela política se revelou logo nas primeiras palavras ditas por Gregorio, aos 3 anos de idade: Brizola - na verdade "Bizóia" -, na ocasião do debate presidencial de 1989, que ele pediu ao pai para assistir.

- Sempre achei fascinante e entendi que afetava as nossas vidas. Vejo a profissão de artista como política e corajosa, nunca achei que fosse glamour e dinheiro. Meu pai toca choro....  Esse mito que artista não deve mexer com política só interessa aos políticos.

DDA e Ritalina

Junto com Maria Ribeiro e Xicó Sá, Gregorio vai lançar um livro de crônicas do "Você é o que você lê", projeto em que o trio viaja pelo Brasil falando de livros e literatura. Numa das crônicas inéditas que será publicada, ele conta sobre sua experiência com ritalina, receitada por um médico por conta de seu DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção).

— A ritalina te deixa megafocado, tipo resultados, é boa para pra bater meta, fazer planilha de excel, dá vontade de fazer concurso público. Mas ela é a morte do cronista — afirma. — Sou um cara  disperso, e crônica é dispersão. Tem uma crônica do ( António ) Lobo Antunes ( escritor português ) em que ele diz ser um homem que não estava lá. Que tinha pena de sua família porque estava presente, mas pensando na crônica que não escrevia, que passou a vida não estando lá.

Algo muito comum em tempos de rostos mergulhados no celular, em que a presença física não significa, necessariamente, estar presente de fato.

— Melhor que ritalina para o meu DDA foi tirar o celular — conta Gregorio, que tem feito esse exercício antes de dormir e ao acordar. — Percebi que estava esquecendo muita coisa, saio do Uber olhando o celular, e nessa, eu já deixei a mochila...

A prática também tem ajudado bastante no seu casamento com Giovanna Nader, consultora de moda sustentável, com quem está casado há três anos, e com a filha do casal, Marieta, de 1 ano.

'Pai de selfie'

— Quando a relação passa a ser um ménage com celulares fica muito piorada. Presença é fundamental e isso vale pra paternidade também — defende. — Vejo, na pracinha, a criança brincando, e o pai no celular. Tem atá a expressão "pai de selfie", o pai que leva a criança para tirar uma selfie e depois entrega.

O set off-line do filme "A vida invisível de Eurídice Gusmão", filme de Karim Aïnouz previsto para estrear em novembro e em que Gregorio interpreta um raro personagem dramático, serviu como ensaio para o desapego do celular. Lá, para manter seu estado de concentração, os atores eram proibidos de usar celular. Enquanto esperavam para gravar as cenas, eles bordavam.

— Levei minhas calças e fiquei fazendo bainha, estou costurando e cerzindo maravilhosamente. Bordei uma coisa para o meu sobrinho e outra para a minha filha — conta.

A experiência da paternidade, aliás, trouxe muitas novidades para a vida de Gregorio.

— Agora, morro de medo de morrer. Penso que tem uma criatura, a coisa que mais amo no planeta, pra quem sou muito necessário — diz. — Também não acho mais a menor graça em viajar sozinho, passei a amar as manhã. Hoje, durmo às 20h e acordo às 5h30, com Marieta. Fico fazendo hora pra padaria abrir.

Serviço

Onde: Teatro Prudential — Rusa do Russell 804, Glória (3554-2934) Quando: Estreia neste sábado. Qui a sáb, às 21h; dom, às 19h. Até 8/9 (não haverá espetáculo em 22/8). Quanto: R$ 35 (qui e sex), R$ 45 (sáb e dom). Classificação: 16 anos.