Cultura

As estrelas da guitarra saúdam Lanny Gordin

Após décadas no ostracismo, lutando com problemas pessoais, o mitológico músico, que brilhou durante a Tropicália, confirma a sua recuperação com um álbum repleto de convidados ilustres

Heróis da guitarra: Luiz Carlini, Roberto Frejat, Gordin, Edgard Scandurra, Sérgio Dias e Pepeu Gomes
Foto: Divulgação/Marcos Hermes
Heróis da guitarra: Luiz Carlini, Roberto Frejat, Gordin, Edgard Scandurra, Sérgio Dias e Pepeu Gomes Foto: Divulgação/Marcos Hermes

Durante muito tempo, Lanny Gordin foi considerado um deus da guitarra no Brasil, o músico fora de série, estrela da Tropicália, responsável por solos inesquecíveis em trabalhos com Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, que brilhou também em gravações com Tim Maia, Elis Regina, Jair Rodrigues, Luiz Melodia e Jards Macalé. Nascido em Xangai, na China, há 61 anos, de pai russo e mãe polonesa, criado em São Paulo, com um nome de sonoridade inglesa, ele parecia ter o mundo em suas mãos. Mas havia um bocado de distorção no ar também. E um dia, tudo explodiu.

— Passei a acreditar que era uma divindade mesmo e um dia, não lembro quando, resolvi queimar as mãos num sacrifício para salvar o mundo — conta ele, por telefone. — Depois, quando tudo passou, vi que estava com um problema maior do que maginava.

O relato do surto, tão arrepiante quanto os seus fraseados no instrumento, descreve um dos inúmeros momentos de escuridão vividos por Gordin, que passou boa parte dos anos 1970 e praticamente toda a década de 80 esquecido, fora de cena, desplugado da realidade, lutando contra os seus próprios fantasmas (a esquizofrenia, agravada pelo uso de LSD). A proverbial volta por cima aconteceu em 2007, quando, recuperado, ele lançou, enfim, seu primeiro disco solo, ironicamente chamado “Duos”. Os bons ventos seguem agora, com um novo álbum, “Lanny´s quartet”, já finalizado e com previsão de lançamento para abril, pelo selo independente Barraventoartes, com a participação de um time estelar de guitarristas — Pepeu Gomes, Sérgio Dias, Edgard Scandurra, Luiz Carlini e Roberto Frejat — todos eles fãs e seguidores do estilo Lanny Gordin de tocar.

— Foi maravilhoso tocar com essa turma e encontrar todo mundo depois para tirar a foto de divulgação. Foram momentos mágicos, fenomenais. Fiquei muito feliz — diz ele.

Diferentemente de “Duos”, um disco de vozes, que teve convidados como Caetano, Gil, Gal, Fernanda Takai, Max de Castro, Arnaldo Antunes e Vanessa da Mata, “Lanny´s quartet” — referência ao grupo que o acompanha, formado por Fernando Moura (teclados), Ricardo Mosca (bateria) e Ronaldo Diamante (baixo) — é um trabalho totalmente instrumental. Com direção artística de Glauber Amaral, o disco traz faixas inéditas e novas versões para músicas como “London, London” (com Pepeu), “Eu preciso aprender a ser só” (com Sérgio Dias), “Pérola negra” e “Back in Bahia” (com Frejat e Carlini).

— O Lanny Gordin foi uma figura fundamental na minha formação como guitarrista — diz Frejat. — Ele é uma referência na história do instrumento no Brasil, um cara com um conhecimento harmônico fora de série. Nessa versão de “Back in Bahia”, eu toco uma slide guitar, que faz um bom contraponto ao som que ele criou para a música.

O convite para Frejat participar do disco de Gordin partiu de Carlini, autor do histórico solo de “Ovelha negra”, de Rita Lee.

— Eu conheço o Lanny desde quando era adolescente. Eu era vizinho do Sérgio Dias e via os dois juntos na varanda da casa, com aquela admiração — conta Carlini. — Eu já tinha tocado no show em comemoração dos 60 anos dele, em 2011, ao lado do Pepeu, e quando soube que ia rolar esse disco, fiquei louco e disse ao Glauber que tinha que participar. Acabai ajudando a formar o time de convidados e chamando o Frejat, que é um grande amigo. Ainda hoje, é impressionante ver o Lanny tocar. Ele tem uma pontaria incrível, sempre atingindo as notas certas.

O disco traz também uma versão para “Burning of the midnight lamp”, de Jimi Hendrix, uma das maiores influências de Gordin, assim como Wes Montgomery, Eric Clapton e Hélio Delmiro.

— Quando eu ouvi o Hendrix tocar pela primeira vez, disse, “nossa, o que é isso?”. Ninguém tocava daquele jeito na época e acho que não toca até hoje. Foi graças a ele que passei a tocar com um pedal chamado fuzz, que se tornou a minha marca registrada. Mas hoje eu toco de uma forma diferente, com menos distorção, em busca de um som mais puro — conta Gordin, que toca com Edgard Scandurra na faixa.

Produtor de Gordin há 12 anos e peça fundamental na sua recuperação, Glauber Amaral lamenta a falta de interesse de algumas gravadoras em distribuir o novo disco, mas celebra o renascimento do amigo.

— Ainda há muito preconceito em torno do Lanny, o que é lamentável, mas é muito bonito ver sua recuperação. Quando falei que tínhamos que ter inéditas no disco, ele dizia: “Mas Glauberzinho, eu não sei mais compor”. Mas bastava colocarmos a guitarra no seus braços, para ele começar a criar riffs incríveis. Ele fala através do instrumento.