Cultura

'Ascensão populista e aumento do nível do mar estão conectados', diz filho de Carl Sagan

Dorion Sagan vem ao Rio para evento que busca aproximar ciência e saberes tradicionais
O divulgador científico Dorion Sagan, filho do astrômono Carl Sagan Foto: K Kendal
O divulgador científico Dorion Sagan, filho do astrômono Carl Sagan Foto: K Kendal

SÃO PAULO – Dorion Sagan é filho de dois dos mais destacados cientistas do século XX. O pai, o astrônomo Carl Sagan (1934-1996), distribuía ciência fina às massas, por meio de livros, como “Pálido ponto azul”, ou séries de televisão, como “Cosmos”, exibida em 1980. A mãe, a bióloga Lynn Margulis (1938-2011), preferia os microrganismos às estrelas. Dorion enveredou pelo mesmo caminho dos pais e publicou vários livros de divulgação científica, alguns escritos junto com a mãe.

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Na próxima quarta-feira (13), ele participa do ciclo de estudos “Selvagem”, promovido pela Dantes Editora entre os dias 12 e 15 de novembro no Teatro do Jardim Botânico. O objetivo dos debates, mediados pelo pensador indígena Ailton Krenak, é discutir as correspondências possíveis entre os saberes científicos, indígenas, artísticos e acadêmicos.

Nesta entrevista por e-mail ao GLOBO, Dorion sugeriu conexões entre a ascensão dos populistas anticiência e o aumento do nível do mar. Também recordou o legado científico da mãe, que nunca desfrutou da mesma popularidade que o pai.

Como defender a ciência em tempos de obscurantismo?

Infelizmente, a ciência foi tão politizada que argumentos de autoridade não bastam. Marie Curie, única mulher a ganhar dois prêmios Nobel — e a única pessoa a ganhar dois de ciência (Física e Química), disse: “Nada na vida é para ser temido, mas para ser entendido”. Esta é a verdadeira postura científica: buscar compreender, estar aberto a novas evidências, a reinterpretações convincentes de antigas evidências e a rever nossas certezas.

Os novos governos populistas estão preparados para enfrentar os desafios trazidos pelas mudanças climáticas?

O populismo negacionista não está preparado para lidar com os desafios ambientais. Nem o mercado. Nem os governos neoliberais. A resposta a esses desafios deve ser democrática, não vinda de supostas autoridades. Uma coisa me parece clara: a ascensão populista e o aumento do nível do mar estão conectados. Estamos no meio de uma batalha por recursos na qual os mais ricos tentam consolidar seu poder a todo custo, de maneiras míopes e destrutivas.

O ciclo de debates “Selvagem” vai debater as possíveis correspondências entre os conhecimentos científicos, indígenas, artísticos e acadêmicos. Como integrá-los?

Vladimir Nabokov (escritor russo) , que também estudava borboletas, defendia combinar a precisão da arte e beleza da ciência. Quanto mais disciplinas e especializações surgem na academia, mais as culturas tradicionais elaboram suas críticas à ciência ocidental. É tempo de novas sínteses, o que talvez atraia mais os artistas do que os cientistas. O trabalho interdisciplinar é interessante para entender como um campo de conhecimento pode alargar e encantar o outro.

O avanço científico nos afastou de saberes ancestrais. Os conhecimentos tradicionais oferecem respostas aos dilemas atuais?

É uma questão ampla. Vou dar um exemplo de conhecimento da tradição ocidental: uma das inscrições do Templo de Apolo, na Grécia Antiga, dizia: “Nada em excesso”. Essa advertência se aplica diretamente ao zeitgeist capitalista que tenta extrair lucro de todas as fontes de energia apesar da poluição, das remoções populacionais e das guerras. Advertências parecidas vêm da sabedoria ecológica dos povos indígenas das Américas. No Brasil, os indígenas estão liderando as ações de proteção à Amazônia ao custo de suas próprias vidas. Às vezes, a melhor ciência e os conhecimentos indígenas mais persuasivos podem convergir. No entanto, assim como a ciência não é infalível e não deve ser seguida cegamente, não devemos romantizar nenhum sistema de crenças.

Seu pai, Carl Sagan, foi um dos mais importantes divulgadores científicos do século XX. Como honrar o legado dele em tempos de negacionismo científico?

Não quero entrar em detalhes. O legado do meu pai é ambíguo. Ele é tipo um santo laico. As principais mensagens da ciência devem ser o pensamento autônomo, estar aberto a evidências e mudar de opinião, o que é muito difícil para autoridades midiáticas que falam em nome da ciência. Elas têm dificuldade em assumir erros para não arranhar seu prestígio. Uma história: a grande preocupação do meu pai nos anos 1990 era o inverno nuclear — o resfriamento do planeta causado pela poeira de explosões nucleares que impediriam a chegada de raios solares. Mas um olhar mais atento — e evidências históricas, como a bomba de Hiroshima — sugere que a poluição nuclear causaria o oposto: o aumento da temperatura. Não podemos usar o nome de alguém que fale em nome da ciência — seja Carl Sagan ou Richard Dawkins — como desculpa para não pensar com rigor.

Você é filho de dois dos mais importantes cientistas do século XX. Mas sua mãe, a bióloga Lynn Margulis, é menos conhecida do que seu pai, ainda que o trabalho dela tenha influenciado muito a ciência evolucionária. Qual o principal legado de sua mãe?

Minha mãe é pouco lembrada porque era mulher. Se fosse homem, teria ganhado os dois prêmios Nobel que merecia. Um por seu trabalho sobre simbiose nuclear na evolução das células nucleadas e o outro por seu trabalho conjunto com James Lovelock sobre a Hipótese Gaia, que sustenta que a vida na Terra é planetária e regula a temperatura média global, a composição química da atmosfera e outras variáveis ambientais. Gaia, penso eu, é a descoberta mais importante trazida pelas pesquisas da Nasa sobre vida extraterrestre.

Os novos governos populistas estão preparados para enfrentar os desafios trazidos pelas mudanças climáticas?

O populismo negacionista não está preparado para lidar com os desafios ambientais. Nem o mercado. Nem os governos neoliberais. A resposta a esses desafios deve ser democrática, não vinda de supostas autoridades. Uma coisa me parece clara: a ascensão populista e o aumento do nível do mar estão conectados. Estamos no meio de uma batalha por recursos na qual os mais ricos tentam consolidar seu poder a todo custo, de maneiras míopes e destrutivas.