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Cultura

Biografado, Fagner confessa: 'Tem desafetos meus que eu nem lembrava mais'

No ano em que completa 70 anos, astro da MPB conta suas histórias no livro 'Quem me levará sou eu', de Regina Echeverria, que sai em abril
O cantor Fagner, na adolescência, em foto reproduzida em sua biografia, "Quem me levará sou eu", que sai em abril Foto: Acervo Raimundo Fagner / Divulgação
O cantor Fagner, na adolescência, em foto reproduzida em sua biografia, "Quem me levará sou eu", que sai em abril Foto: Acervo Raimundo Fagner / Divulgação

RIO - Tanto quanto músicas de sucesso em sua voz — “Canteiros”, “Revelação”, “Deslizes”, “Borbulhas de amor”... —, muitos são os amigos do cearense Raimundo Fagner, um dos artistas de maior popularidade da música brasileira. E eles estão lá, nas páginas de “Quem me levará sou eu”, biografia autorizada, escrita pela jornalista Regina Echeverria (autora de “Furacão Elis”), que já está em pré-venda nas livrarias on-line e chega às físicas no começo de abril, a tempo das comemorações pelos 70 anos do cantor (em 13 de outubro).

Mas, junto com os amigos, estão também os desafetos que Fagner — conhecido por seu temperamento difícil, pavio curto mesmo — conquistou ao longo de uma prodigiosa carreira de quase 50 anos.

— A Regina ia entrevistar a pessoa, que dizia: “Fagner era incendiário, agora é bombeiro”. Tem pessoas que foram desafetos lá atrás que eu, inclusive, nem lembrava mais, mas que eu fiz questão de botar na pauta — assegura o cantor, que acompanhou todo o processo do livro. — Tivemos dificuldade de contar episódios dramáticos de que as pessoas não se lembram mais por causa da idade. Ou simplesmente não querem lembrar.

Além das notórias batalhas verbais com Caetano Veloso e com executivos das gravadoras pelas quais passou, Fagner fala no livro da cena de pugilato (que por pouco não terminou em tesouradas) protagonizada nos anos 1970 com Belchior (1946-2017), seu conterrâneo, parceiro (em “Mucuripe”, gravada por Roberto Carlos) e colega com quem dividia apartamento no Rio. Segundo o cantor, o novo relato é a tentativa de reparar uma história que “havia sido contada errada por Ednardo ( cantor )”, mas agora está amparada em testemunho da cantora Amelinha.

— Minha história com Belchior poderia ter acontecido de outra forma, com mais músicas. Ele foi um cara muito importante na minha carreira, sem ele eu não teria vindo para o Rio, eu era garoto e ele passou confiança para a minha família. Mas foi cheia de episódios negativos a minha vida com o Belchior — lamenta Fagner.

Detalhe da capa do livro "Raimundo Fagner - Quem me levará sou eu", de Regina Echeverria Foto: Reprodução
Detalhe da capa do livro "Raimundo Fagner - Quem me levará sou eu", de Regina Echeverria Foto: Reprodução

Para ser produzido, “Quem me levará sou eu” teve recursos captados por meio da Lei Rouanet. O que, de certa forma, vai contra posturas políticas de Fagner (“Quem me segura é o povo, nunca achei que devesse recorrer a lei de incentivo”, disse ele ao GLOBO em 2013 ).

— Quando olhei, a cena já estava feita, não tive muito o que fazer. Mas não gostei e reclamei — explica o artista.

No livro, Regina lembra que Fagner “apoiou a luta contra a ditadura militar e o movimento Diretas Já, por eleições livres”.

— Eu sempre admirei no Fagner essa coragem de assumir o que pensava. É tão difícil ter no Brasil gente que fala! Nisso, ele é bem parecido com a Elis. Ele brigou muito com a imprensa — observa a biógrafa, lembrando que a crítica musical costumava pegar no pé do cantor por seu timbre de voz metálico, gritante.

Em 2018, ele não se absteve de se declarar entusiasta da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência.

— Entusiastas, todos nós éramos para que surgisse algo que estancasse um pouco essa sangria vermelha. Eu acho que ele está indo bem. Essas histórias paralelas, de filho, isso não depende dele. Acho que o Bolsonaro tem escolhido pessoas que estão fazendo diferente do que vinha sendo feito, e era essa a expectativa. Ele está tocando como prometeu, como falou quer ia tocar, e alguma coisa que não dá certo no meio, de entrar alguém e sair alguém, me parece natural.

A “sangria vermelha” foi o motivo de um afastamento que dói até hoje para Fagner: o de Chico Buarque.

— Nós gravamos muito e jogamos futebol por 20 anos. Viajamos muito, tínhamos o mesmo carro e a mesma guitarra, éramos colados. Mas, depois de uma entrevista que eu dei às páginas amarelas da “Veja”, nos encontramos num estúdio e ele me ignorou. Eu lamento até hoje — acusa. — Não é o envolvimento dele com o PT que vai tirar o meu encanto. Continuo absolutamente fã do Chico, louco por ele, respeitando sua importância e com saudade.

Em “Quem me levará sou eu” (o título vem de canção de Dominguinhos e Manduka com a qual o cantor participou de um festival em 1979), o músico pela primeira vez abre o jogo sobre Bruno, o filho biológico (único) que só soube que Fagner era seu pai em 2006, quando já tinha 32 anos. Fruto de um breve caso, o rapaz cresceu achando que o cantor era só um amigo da família, até que um exame de DNA confirmou aquilo de que os mais próximos já desconfiavam. Desde então, o cantor vem curtindo o papel de avô dos dois filhos de Bruno

— Foi libertador — admite Fagner. — Eu vivia um vazio muito grande. Estou naquela idade em que a gente sai perdendo todo mundo. Mas a vida agora é outra coisa, renasci. O Bruno é extraordinário.

Fagner, em 1985, com Chico Buarque, Edu Lobo e Marco Nanini no programa de TV "O corsário do rei" - Foto Rede Globo / Divulgação Foto: Rede Globo / Divulgação
Fagner, em 1985, com Chico Buarque, Edu Lobo e Marco Nanini no programa de TV "O corsário do rei" - Foto Rede Globo / Divulgação Foto: Rede Globo / Divulgação

Fagner define “Quem me levará sou eu” como “uma história de superação”, recheada de momentos difíceis (como o do primeiro LP “Manera fru fru manera”, de 1973, que não aconteceu, apesar de seu talento ser incensado por estrelas como Elis Regina), mas também de glórias — com seu prestígio de grande vendedor de discos, no fim dos anos 1970, conseguiu para levar para muitos conterrâneos para a gravadora CBS (que passou a ser conhecida nas internas como Cearenses Bem-Sucedidos). Lá, Fagner brigou para gravar seu disco mais ambicioso, “Traduzir-se” (1981), em que fez duetos com astros latinos como os espanhóis Joan Manuel Serrat e Camarón de la Isla e a argentina Mercedes Sosa. É um dos seus LPs que ele gostaria de ver relançados este ano.

— A Sony ( que hoje detém o catálogo da CBS ) me deve muito, além de ter sido um artista que gravou muito e produziu muito lá, eu trouxe muitos artistas. A ligação com os espanhóis continuou depois que eu saí. Depois, vieram os Paralamas do Sucesso ( cantando em espanhol ), a porta foi aberta na marra. Eles estão com um projeto de relançar os meus discos, mas eu estou tendo muita dificuldade de conversar com o pessoal da direção da gravadora — reclama o cantor, que planeja lançar, pela Sony, seu disco de inéditas dos 70 anos. — Tenho um repertório com alguns parceiros, como o Renato Teixeira, Moacyr Luz, Fausto Nilo, Clodo, Zeca Baleiro... As pessoas cobram muito de mim, tem quatro anos que eu não lanço disco.

Serviço

“Raimundo Fagner: quem me levará sou eu”

Autora: Regina Echeverria. Editora: Agir. Páginas: 440. Preço: R$ 69,90.