Cultura Cacá Diegues

Cacá Diegues: 'Não posso entrar para ABL e mudar de personalidade'

Eleito imortal nesta quinta, cineasta elogiou Conceição Evaristo: 'Merece ser acadêmica'
O Cineasta Cacá Diegues é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
O Cineasta Cacá Diegues é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO - Com 22 votos de um total de 35 (três não votaram por problemas de saúde), o cineasta Cacá Diegues e colunista do GLOBO foi eleito na tarde de quinta-feira, na Academia Brasileira de Letras, para a cadeira 7, que pertencia ao também cineasta Nelson Pereira dos Santos, falecido em abril. Ainda não foi definida a data da posse. Alegando ter sido convencido por amigos e pela família de Nelson a concorrer à vaga, Cacá se disse surpreso pela votação consagradora.

— Não tinha nenhuma suposição do que ia acontecer, tive muito mais votos do que imagianava que ia ter — disse o cineasta, na festa da vitória, no apartamento do amigo e também diretor de cinema Zelito Viana, em Copacabana.

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Diretor de filmes consagrados, como "Bye Bye Brasil" (1980) e "Xica da Silva" (1976), o alagoano Cacá tem 77 anos e era grande amigo de Nelson Pereira dos Santos. Nelson era um de seus incentivadores quando, com outros jovens diretores, ele deu a partida nos anos 1960, no movimento do Cinema Novo.

“A gente sabe que um dia as instituições brasileiras e o IBGE tenderão a coincidir. Essa é uma casa de paz.”

Marco Lucchesi
Presidente da ABL

Cacá Diegues tinha como concorrente mais forte o editor e historiador de arte Pedro Corrêa do Lago, que teve 11 votos. Um dos votos foi em branco, e outro foi para a escritora Conceição Evaristo, que contou, em sua candidatura, com o apoio dos movimentos negro e feminista — quatro entusiastas de Conceição chegaram a ir à porta da ABL para tentar acompanhar a votação.

CONCEIÇÃO PREFERIU NÃO SE PRONUNCIAR

Caso tivesse sido eleita, a mineira de 71 anos seria a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na instituição. Procurada por O GLOBO, Conceição Evaristo preferiu não se procunciar.

— A candidatura da Conceição é legítima, a academia está aberta — afirmou, após a eleição, o presidente da ABL, o poeta e ensaísta Marco Lucchesi. — A gente sabe que um dia as instituições brasileiras e o IBGE tenderão a coincidir. Essa é uma casa de paz.

O acadêmico Domício Proença Filho disse acreditar que a hora de Conceição na ABL chegará:

— Qualificações, ele tem: é professora, escritora. Sou mulato, não há essa falsa ideia de que a Academia iria criar algum empecilho. Nada impede que Conceição volte a concorrer.

Cacá Dieges também teceu loas a sua oponente:

— Não conheci Conceição pessoalmente, mas acho que a obra dela merece todo o respeito. Ela deve tentar outra vez, é uma escritora que merece ser acadêmica.

'O BRASIL SE VÊ NOS FILMES DO CACÁ'

Marco Lucchesi louvou o diálogo entre cinema e literatura que Cacá Diegues promove em seus filmes, fundamentais para uma casa cada vez mais plural como a ABL.

— O Brasil se vê nos filmes do Cacá, que tembém é um grande crítico e ensaísta.

Elogiado por seu amigo e acadêmico Geraldo Carneiro por sua crítica política constante, o cineasta se disse ainda incomodado com a questão de ter que vestir o fardão e garantiu que vai continuar o mesmo, agora que foi eleito para a ABL.

— Eu não posso entrar para Academia e mudar de personalidade. Ela não é um centro político, mas se eu tiver necessidade de me manifestar, vou me menifestar — disse Cacá, admitindo ter tirado bom proveito das visitas aos acadêmicos, um dos rituais da campanha. — Uma das coisas boas é que conheci pessoas que, de outro modo, jamais teria conhecido. Tiver conversas maravilhosas até com quem não ia votar em mim.

Autor de livros como "Vida de cinema: antes, durante e depois do cinema novo" (2014) e "Todo domingo, com os artigos de Cacá Diegues" (2017), com textos publicados em O GLOBO entre 2010 e 2017, o cineasta lança no Brasil, no dia 15 de novembro, o seu mais novo filme: "O grande circo místico", que abriu este mês o 46° Festival de Cinema de Gramado:

— Até novembro, vou trabalhar muito pelo filme. Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de começar a trabalhar pela Academia. Não sei como isso vai ser, talvez tenha que esticar os meus dias.