Cultura

Carmen Miranda fez o kitsch deixar de ser cafona ou vulgar

RIO - Nascida em 9 de fevereiro de 1909 em Marco de Canaveses, Portugal, Maria do Carmo Miranda da Cunha veio com menos de um ano de idade para o Brasil com a família imigrante. Assim, brasileira foi: a primeira artista nacional, como bem lembra a figurinista Emilia Duncan, a criar uma persona através do estilo. Especialmente em seus 15 anos de carreira em Hollywood, entre 1939 e 1954, quando sua caracterização de baiana ganhou o mundo.

- Naquela época da Segunda Guerra Mundial havia uma austeridade muito grande, e Carmen quebrou isso. Suas cores, seu jeito de mexer com as mãos, os balangandãs, heranças das descendentes de africanas com as quais ela teve contato no Brasil, representavam o lúdico, um escapismo que fez o maior sucesso - avalia Emilia.

Não que Carmen não conhecesse, antes de morar nos EUA, a importância da moda na criação de uma imagem. Jovenzinha, trabalhou numa chapelaria na Rua do Ouvidor, onde pôde exercitar o trabalho com as mãos, avaliar adereços, lidar com flores, paetês, cores. Seu senso fashion pioneiro começou aí.

- Além de saber costurar e ter um olhar incrível para maquiagem e acessórios, ela era baixinha e inventou o salto plataforma, levando-os a Hollywood. Depois, o Salvatore Ferragamo celebrizou e patenteou o gênero, mas foi tudo idéia dela - diz César Balbi, diretor do Museu Carmen Miranda, no Flamengo, que possui mais de 3.500 peças do acervo pessoal da cantora e prepara várias homenagens entre os dias 9 e 15 (a programação completa no site www.cultura.rj.gov.br ). Sobrinha lembra conselhos da tia

Helena Solberg, diretora do documentário "Banana is my business", acha que foi a cantora quem fez o kitsch deixar de ser cafona ou vulgar.

- Ela era audaciosa e, ao mesmo tempo, conhecia moda. Carmen soube celebrizar o fake como ninguém. E só gente elegante consegue fazer isso.

Tanto que usava e abusava de bijuterias. Em cena, nada de jóias. Segundo Christian Hallot, porta-voz da H. Stern, ela foi uma das primeiras a misturar metais, cores, usar um monte de pulseira nos braços, sem aparentemente nada ter a ver com nada, abusando das tonalidades e de estampas de frutas e de onça.

- Hoje, a ordem é misturar, graças ao que ela fez - explica Christian, que ajudou na concepção de uma coleção inspirada na artista nos 50 anos de sua morte, em 2005, e que até hoje vende bem.

Uma amostra de como Carmen está entre nós. Comprova isso Luiz Saldanha, jet setter português, produtor de moda, dono do badalado restaurante Cometa, no Porto, e que já trabalhou com os fotógrafos David La Chapellle e Mario Testino. De férias no Rio, ele conta que deu recentemente a idéia para Christian Loubotin fazer uma linha de sapatos inspirada na cantora.

- E ele prometeu fazer, virou fã dela como eu - conta Luiz, que fez questão de ser apresentado a Carmen Guimarães, sobrinha da artista, durante sua temporada carioca.

Carminha Miranda, nome que passou a adotar, é mínima e tem dentes lindos como os da tia. Usa, durante nosso encontro no Museu Carmen Miranda, um longo colar herdado da tia. E lembra, com carinho, do tempo em que ela e a mãe Cecilia, irmã de Carmen e hoje com 96 anos, viveram com a estrela em sua mansão de Beverly Hills, entre 1946 e 1947.

- Ela me levava para o estúdio. Na época, filmava "Copacabana". Achei o Groucho Marx (companheiro de Carmen em cena) muito engraçado. Foi uma das melhores épocas da minha vida - relembra Carminha, que descreve a tia como a pessoa mais generosa que conheceu. - Financeiramente, ela tomou conta de toda a família.

Carminha, 72 anos, recorda alguns ensinamentos de Carmen:

- Estar sempre bronzeada e com o mínimo possível de marca de maiô (ela tomava banho de sol diariamente apenas com um paninho cobrindo as partes íntimas), esconder o pescoço com um lenço quando ele começar a enrugar, e abusar dos cabelos, quando eles forem bonitos. O cabelo dela era lindo.

Luciano Canale, da Santa Ephigênia, diz que quem nasce sob o signo de Carmen não passa despercebido pela existência.

- Vide a Carmen de Bizet, a Carmen Mayrink Veiga, a minha bordadeira, Carmen Orlandi, por quem sou completamente apaixonado. Ela tem um bocão, ri muito alto e nunca reclama da quantidade de trabalho - brinca Luciano.

Carmen Mayrink Veiga se diz honrada com a homenagem do estilista:

- Adoro o meu nome, mais ainda por ser o mesmo de Carmen Miranda. Sua criatividade em usar a moda mudou a percepção do Brasil lá fora.

O maquiador Fernando Torquato acha que alegria e felicidade trazem beleza e, "no palco, ela mostrava isso com maestria". Apesar de, na vida pessoal, como lembra Fernando, a Pequena Notável ter sido uma "estrela solitária, que sucumbiu ao sistema hollywoodiano da época".

E Camila Pitanga, nossa garota da capa, o que ela admira em Carmen Miranda?

- Ela levou as cores e a brasilidade para o mundo, virou uma coqueluche na época. A controvérsia em torno de sua vida pessoal ficou menor ao longo dos anos. Hoje, o que lembramos é da força de sua imagem. Carmen metia o pé no acelerador e ia, não é? Não tinha para ninguém.

Leia matéria na íntegra no Caderno Ela no Globo Digital, somente para assinantes