Coluna
Miguel de Almeida
O jornalista, editor e poeta Miguel de Almeida é colunista do Segundo Caderno do Jornal O Globo Foto: Leila Fugii/Divulgação

Cavalo paraguaio

O ano de 2017 ficará marcado como o ano dos homens (e mulheres) pequenos

RIO — O Natal já passou, o.k., mas trago boas novas.

Jair Bolsonaro é o cavalo paraguaio da próxima eleição.

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Sou uma pessoa experiente, acostumada a distinguir um embuste de um arbusto. Ou a saber separar peruca de cabelo implantado. Não sou lambrosiano, nem corporativo, mas sei olhar uma foto e perceber quando há laquê naquelas ideias.

Ah, se sei.

Vi antes de muitos que o Levy Fidelis não tinha chances. E tingia cabelos. Oh god, também o bigode. Enéas saiu-se com mais coragem, e foi-se sem jamais passar perto do Grecin. Nem na careca. Isso sim é homem.

Antes de mim, a Carmen Mayrink Veiga notou que o Collor tinha o cabelo ensebado. Ela viu longe. Era juba gomalinada, empapada por Gumex de Canapi — aí não tem jeito: ele ficava com pose de cajueiro no inverno.

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Na eleição de 1989, fiquei sem identificar o vencedor até o debate no qual Lula da Silva surgiu sob um terno costurado pelo pai do Groucho Marx.

Explico: o velho Marx (capitão, por favor, não confunda com o velho Karl) ganhou a vida como alfaiate no Bronx nova-iorquino. Criou seus filhos costurando para fora. E sempre se recusou a usar fita métrica para tirar as medidas de seus clientes. Fazia tudo no olho.

Ao caminhar pelas ruas, Groucho e seus irmãos, atônitos e cínicos, distinguiam os clientes do pai: sempre uma das mangas era mais comprida do que a outra, cerca de 15 cm. Ao contrário do que se prega, jamais tinham o mesmo tamanho.

Aí, no debate do segundo turno, quando Collor perguntou sobre um tal aparelho de som, o terno de Lula da Silva mostrou todo o rigor de uma peça cortada pelo velho Marx. Com um requinte: as duas (!) mangas estavam 15 cm maiores e escondiam as mãos. Isso diz tudo.

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Todo pleito necessita de um tipo que nos anime. Na eleição passada, apesar da tragédia anunciada, Dilma fez as honras da casa. Se Lula é espécie de Rolando Lero, Dilma é uma Magda chegando da manicure. Respondia às perguntas como quem acabou de pintar as unhas. E de improviso, sem um marqueteiro baiano no cangote, é imbatível.

Conseguiu superar duas celebridades do riso presidencial: Gaspar Dutra e Costa e Silva. Como seus antecessores, terá suas observações eternizadas pela História. Ah, Iolanda.

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Ciro Gomes também já me encantou. Como diz o Lula, ele pensa e fala a besteira. Isso é uma arte. Geralmente falamos besteira sem pensar. Ele a elabora antes. Não sei se usa ou não algum marqueteiro, ou se é tudo de sua própria lavra, sabe, espontâneo, assim, de rompante, vindo de dentro.

Quando revela seu machismo risca-faca, ombreia com o sexismo do Lula. Mas a intelligentsia feminina não estrila: como ambos se dizem de esquerda, vale engolir o sapo em nome da causa.

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E o nosso Maluf ? Assim como Dilma, vai fazer falta. Sempre um bom ator. Entrou durinho na viatura e, alguns quilômetros depois, saiu trôpego, pedindo colo. A grana dele já estava presa, e o Lula e o Haddad vão lá pedir apoio dele... Seria o caso de Lula visitá-lo na Papuda? Gentileza, né, afinal ele é um ladrão velho.

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Estou de olho em Jair Bolsonaro. Não tinha prestado atenção nele até o pessoal do mercado pipocar notícias de que ele não era aquele... assim... tão troglodita. Quá-quá-quá. Essa turma é bem engraçada: suas operações estruturadas jamais correspondem aos fatos.

Vazaram o diálogo no qual Bolsonaro prometeu resolver a dívida pública chamando para conversar todos os credores.

Veja bem, isso é uma ameaça: o Bolsonaro, se eleito, vai até a sua casa negociar a dívida pública.

Meu Deus, onde ele aprendeu economia? Com a Dilma?

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E agora mais essa: Bolsonaro foi conversar com o presidente de seu futuro partido, o ideológico Patriotas, e brigou lá. E isso porque ele estaria entrando (obrigado, pessoal do telemarketing da Oi) na agremiação. Já pensou se estivesse de saída? Ia ter tiro.

Não foi uma rusga. Nem um destempero. Bolsonaro, segundo relato do interlocutor, queria administrar o dinheiro do fundo partidário destinado ao Patriotas. Como ouviu uma negativa (“só se eu fosse um débil mental”), saiu batendo portas.

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Você já imaginou um debate do Bolsonaro com o Ciro Gomes? Tirem as crianças da sala.

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O ano de 2017 ficará marcado como o ano dos homens (e mulheres) pequenos. Talvez o único a nos dar orgulho, sem se curvar a amigos ou patrocinadores, chama-se Luís Roberto Barroso. Sua observação em direção ao notável Gilmar Mendes lava minha alma: “Há um país que se perdeu pelo caminho, naturalizou as coisas erradas e nós temos de enfrentar isso (...) mas também sem achar que ricos criminosos têm imunidade.”

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O nível educacional brasileiro subiu e a qualidade dos empregos, não. Não é de se admirar. Desde a reestatização do Banco do Brasil por D. Pedro II — a justificativa: o Barão de Mauá emprestava dinheiro a juros baixos... — permanece em pé o projeto de se evitar a modernização econômica do país. Em duas décadas o Japão criou a Sony e a Mitsubishi; a Coreia do Sul, a Samsung e a LG; e nós, o açougue dos Batistas.

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