Cultura Celina

Festival de Berlim acaba com distinção de gênero em prêmios de atuação

A partir de 2021, categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz darão lugar à Melhor Performance Principal
Mudanças em Berlim: festival aboliu distinção de gênero para a escolha das melhores performances em 2021 Foto: John Macdougall
Mudanças em Berlim: festival aboliu distinção de gênero para a escolha das melhores performances em 2021 Foto: John Macdougall

O Festival de Berlim anunciou, nesta segunda-feira (24), algumas novidades para a edição de 2021, prevista para ocorrer entre 11 e 21 de fevereiro. A mais relevante, sem dúvida, é o fim da divisão de gênero para as premiações de performance, antes entregues separadamente entre atores e atrizes.

A partir do ano que vem, o evento vai celebrar as melhores atuações com o Urso de Prata em apenas duas categorias: Melhor Performance Principal e Melhor Performance Coadjuvante. São abolidas, assim, as divisões: Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Atriz Coadjuvante. A forma antiga de premiação era adotada pelo festival desde 1956. Na edição de 2020, os vencedores foram Elio Germano (de "Volevo nascondermi"; "Hidden Away" no título em inglês) e Paula Beer (de "Undine").

Manifesto : atriz da série 'Billions' pede o fim da distinção de gênero em premiações

Presença de plateia

Com a novidade, Berlim se torna o primeiro dentre os grandes festivais, como Cannes e Veneza , a adotar tal política. Além dos dois Ursos de Prata mencionados, o evento premiará seus vencedores com outros cinco: Contribuição Artística, Roteiro, Direção, Prêmio do Júri e Grande Prêmio do Júri. Além, claro, do Urso de Ouro ao melhor filme.

"Não separar os prêmios do campo de atuação de acordo com o gênero abrange um movimento por uma consciência mais sensível em relação ao tema dentro da indústria”, dizem Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, diretores da Berlinale, no comunicado oficial .

O festival também confirmou nesta segunda sua intenção de realizar um evento físico, com presença de plateia. Mas não exibiu maiores detalhes sobre como será a articulação mediante a situação da pandemia em outros países, uma vez que o evento anualmente recebe pessoas do mundo inteiro.

'Casa de antiguidades' : filme com Antonio Pitanga é selecionado para o Festival de Toronto

"Vemos uma característica importante e única dos festivais em sua relação dinâmica com o público. Em tempos de pandemia, ficou ainda mais claro que precisamos de espaços de experiência analógica no âmbito cultural", afirmam Rissenbeek e Chatrian.

Bauer cancelado

Por fim, Berlim decidiu abolir definitivamente o Prêmio Alfred Bauer. Em 2020 , a láurea foi suspensa após a descoberta de que Bauer, um dos fundadores do festival de diretor do evento entre 1951 e 1976, teria sido uma das figuras principais da máquina de propaganda nazista durante o regime de Adofl Hitler.

A partir de 2021, o Prêmio Alfred Bauer, criado em 1986 com o intuito de celebrar produções por suas "conquistas artísticas extraordinárias", será transformado em um Grande Prêmio do Júri, integrando a lista supracitada de sete Ursos de Prata entregues aos melhores.

Nos próximos meses ainda serão divulgados pelo festival sua seleção de filmes participantes e também os nomes dos membros do júri oficial. O evento não faz listas de indicados às categorias, apenas divulga os filmes concorrentes como um todo, assim não será possível saber quais atores e atrizes estão no páreo.

Sem divisão

Em 2017, a MTV americana chamou a atenção ao adotar uma premiação sem gênero no seu MTV Movie and TV Awards. Naquele ano, as primeiras vencedoras nesses moldes foram as atrizes Emma Watson, pelo filme "A bela e a fera", e Millie Bobby Brown, pela série "Stranger Things". Anos antes, em 2006 e 2007, a MTV já havia retirado a separação de gênero em sua premiação de cinema, mas o formato foi retomado depois.

Ao receber o troféu, Watson disse que um prêmio "que não separa os indicados com base em seu sexo diz algo sobre como percebemos a experiência humana". "A iniciativa da MTV de criar um prêmio sem gênero para atuação significará algo diferente para todos, mas para mim indica que atuar tem a ver com a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa, e isso não precisa ser separado em duas categorias diferentes", declarou ainda a britânica.

Na festa daquele ano, a apresentação do prêmio coube a Asia Kate Dillon, estrela não-binária da série "Billions". "Esta noite celebramos retratos da experiência humana, porque a única distinção que devemos fazer quando se trata de prêmios é para o desempenho notável", definiu em seu discurso.

Um junho de 2020, Dillon voltou ao assunto ao enviar uma carta ao SAG-AFTRA, sindicato dos atores de cinema e televisão dos Estados Unidos, pedindo a extinção das definições de gênero nas categorias de premiação. A mensagem foi motivada por um convite para integrar um comitê do sindicato.

"Eu ficaria emocionadx em integrar o comitê, a partir do momento em que vocês alinharem suas categorias de atuação com uma neutralidade de gênero. Tal movimento do SAG seria um sinônimo não apenas de apoio a mim, como a todxs membros não-binários", escreveu. Em prêmios como o Critics' Choice Awards Dillon concorreu na categoria de melhor ator coadjuvante por "Billions", um tratamento que não considera justo porque ignora o gênero não-binário.

No Emmy sua indicação também fica como "ator". A Academy Television, entidade que organiza o prêmio, diz que cada indicado é livre para se classificar como "ator" ou "atriz", sem imposição ou limitação do júri.

Efeito colateral?

Apesar de elogios à iniciativa da MTV, na época do prêmio a Emma Watson e Millie Bobby Brown, a colunista de cultura do jornal "The Guardian" Hannah Jane Parkinson foi uma das vozes feministas que mostraram preocupação com a mudança. Para ela a ideia é "admirável", mas "as mulheres ainda não estão em uma posição forte o suficiente na indústria do entretenimento para se beneficiar disso".

"Eu concordaria que é uma droga para as mulheres ficarmos isoladas, mas a verdade é que, se esses prêmios e categorias exclusivamente femininos não existissem, por muito tempo as mulheres simplesmente não teriam ganho nada. Então pode ser uma boa nivelarmos o campo do jogo um pouco mais antes que categorias neutras de gênero se tornem a norma", publicou.

Na sua argumentação, Parkinson destaca que categorias de prestígio como melhor direção já não fazem separação de gênero em grandes prêmios, como o Oscar, e o resultado é que, em toda a sua história, a Academia só deu esse reconhecimento a uma mulher uma única vez, para Kathryn Bigelow por "Guerra ao terror", em 2009.

Já no mundo da música, a maior premiação, o Grammy, não faz distinção de gênero em suas categorias desde 2011.