Exclusivo para Assinantes
Cultura

Charles Cosac: 'Quero fazer livros até morrer'

Atual diretor do Museu Nacional, em Brasília, editor ressuscitou a Cosac Naify para homenagear artista plástico Tunga
O editor Charles Cosac, atual diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, em Brasília Foto: Andreas Rost
O editor Charles Cosac, atual diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, em Brasília Foto: Andreas Rost

SÃO PAULO – Charles Cosac quer fazer livros até o fim da vida. Aos 55 anos (“quase 56”), o atual diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, em Brasília, acaba de publicar um livro pela Cosac Naify (a pronúncia correta é Cosac Nêify), editora que ele fundou em 1997 e fechou em novembro de 2015. O livro que ressuscitou, ainda que excepcionalmente, o selo Cosac Naify, famoso por suas edições luxuosas de clássicos russos, livros de arte, ciências humanas e literatura latino-americana, é “Tunga”. O título passa em revista a obra do artista plástico, morto em 2016, aos 64 anos.

– Vou editar até morrer. Ainda que em Brasília minha vida seja diferente e eu tenha menos tempo, nada me impede de fazer um livro por ano. Editar é um prazer, não faz mal a ninguém e não dá lucro nenhum. É uma atividade boa para a terceira idade – ri, Cosac, que conversou por telefone com O GLOBO. – O primeiro livro que fiz era do Tunga. Ritualisticamente, o último também precisa ser.

O lançamento será no sábado, dia 8 de fevereiro, na Livraria da Travessa de Ipanema, com bate papo com Catherine Lampert, Paulo Sergio Duarte e Fernando Sant'Anna, a partir das 19h.

Toque e estoque: Autores da Cosac Naify lutam para não terem seus livros destruídos

Tunga estreou o catálogo da Cosac Naify, em dezembro de 1997, com “Barroco de lírios”, livro que antecipou os projetos gráficos arrojados que se tornariam uma das marcas da editora. Composto por dez tipos diferentes de papel, o livro trazia mais de 200 ilustrações. Uma delas, quando desdobrada, chegava a um metro de comprimento.

Organizado pela crítica de arte britânica Catherine Lampert e dividido em duas partes, “Tunga”, o livro, reúne reproduções dos desenhos e fotografias das esculturas, instalações e performances criadas pelo artista durante quase cinco décadas. A primeira parte do livro traz textos assinados por Lampert e por Guy Brett, outro crítico britânico, e um poema ditado pelo próprio Tunga, “Musa, a cola poética”. A segunda parte é um glossário (“um léxico”, diz Cosac”) da obra do artista. “Tunga” contou com R$ 150 mil captados via Lei de Incentivo à Cultura, a Rouanet. Dos 1600 títulos lançados pela Cosac Naify, nove receberam recursos graças à Lei Rouanet.

Como foi o fim: Cosac Naify decide fechar as portas e pega mercado editorial de surpresa

Elementos da instalação "Experiência de Fina Física Sutil" (1996), do artista plástico Tunga Foto: Lucia Helena Zaremba / Divulgação
Elementos da instalação "Experiência de Fina Física Sutil" (1996), do artista plástico Tunga Foto: Lucia Helena Zaremba / Divulgação

Cosac conta que tinha 42 anos quando começou a trabalhar no livro e que, enquanto pôde, Tunga participou da edição. Pernambuco radicado no Rio de Janeiro, Tunga passou os últimos meses de vida no apartamento de seu editor, em São Paulo, para onde se mudou para tratar de um câncer de pulmão.

– Tunga queria um livro com formato de almanaque, que pudesse ler lido na cama – diz Cosac. – O projeto gráfico não é o que o ele teria querido. Essa é a sexta versão. Os livros dele eram mais luxuosos, com encartes, mas procuramos fazer um livro acessível, entre o almanaque e o livro de arte.

'Vaivém": Rede de dormir vira tema de mostra com Tunga, Hélio Oiticica e Ernesto Neto

Depois da morte de Tunga, Cosac esperou alguns meses para retomar o projeto. Todos os mais de 80 performers que aparecem nas fotografias incluídas no livro, tiradas o arquivo do artista, precisaram liberar o uso de imagem. Deu trabalho, porque alguns deles, diz Cosac, vivem no exterior ou, “mais exóticos”, não usam e-mail ou WhatsApp e precisaram ser contatados por carta.

Capa do livro "Tunga", publicado pela editora Cosac Naify Foto: Reprodução
Capa do livro "Tunga", publicado pela editora Cosac Naify Foto: Reprodução

Cosac chegou a propor a publicação de “Tunga” à Companhia das Letras, mas a editora recusou.

– Eu falei com o Luiz (Schwarcz, presidente do Grupo Companhia das Letras) , que me recebeu muito bem, mas estávamos em um momento caótico, quando as livrarias estavam fechando e a Saraiva e a Cultura pedindo recuperação judicial.

Mercado editorial: Após crise de Saraiva e Cultura, livros têm retomada

'Modus vivendi sui generis'

Cosac confessa que não acompanhou a crise do mercado editorial – ele prefere se manter alheio às notícias.

– Quando tinha a editora, eu acompanhava, mas não tenho porque acompanhar agora. Na verdade, escolhi um modus vivendi meio sui generis: não vejo ou leio jornal, não sei de nada. Só fiquei sabendo daquela questão do Irã (assassinato do general iraniano Qassem Soleimani a mando de Donald Trump) sete dias depois. O mundo segue por um caminho tão triste que a única forma que encontro para continuar a viver e trabalhar é a alienação – explica. – Acho que o mercado está melhorando, porque vejo livrarias de rua nascendo. Acho a Amazon espetacular. Compro livros regularmente e leio todos os dias.

Uma fase: Charles Cosac na Biblioteca Mario de Andrade em SP

Cosac nunca se afastou dos livros. Entre janeiro de 2017 e janeiro de 2019, ele dirigiu a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Nesse meio tempo, também editou dois livros de arte: um deles dedicado à obra do fotógrafo Mauro Restiffe e publicado pela Cobogó; o outro, que apresenta o trabalho do artista plástico Henrique Oliveira, saiu pela Sesi-SP Editora.

O próximo projeto de Cosac é “Supremo Gervásio Baptista”, livro a ser publicado pela editora do Supremo Tribunal Federal (STF). Baptista, que morreu no ano passado, aos 95, passou quase 15 anos como fotógrafo do STF. O presidente do corte, ministro Dias Toffoli, é autor de um dos textos incluídos no livro.

Em Brasília: Museu Nacional precisa ter "uma linha, um discurso, uma voz", diz Charles Cosac

Em Brasília desde o início do ano passado, Cosac tem planos para o Museu Nacional, como inaugurar um café e arrendar os auditórios para reforçar o orçamento. Ele comemora a frequência do público no museu, que varia entre 500 e mil visitantes por dia e chega a 2 mil nos fins de semana. Embora queria continuar fazendo livros, dispensa ressuscitar de vez sua editora.

– Mas eu morro de saudades dela. Lançando o livro do Tunga, muitas recordações vieram à minha cabeça. É inevitável, foram 20 anos fechado em uma sala fazendo livros. Foi um pedaço bom da minha vida. Não dá para esquecer.

“Tunga”
Organização: Catherine Lampert. Editora: Cosac Naify. Páginas: 372. Preço: R$ 200.