Cultura

Chico César faz musical inspirado em Clarice: 'É uma pena que ela não esteja aqui para dizer o que achou'

Para o compositor, a autora de 'A hora da estrela' estimula a coragem em seus leitores
Chico César: composições para o musical “A hora da estrela ou o canto de Macabéa” Foto: Marcos Hermes / Agência O GLOBO
Chico César: composições para o musical “A hora da estrela ou o canto de Macabéa” Foto: Marcos Hermes / Agência O GLOBO

Autor das 32 canções inéditas da trilha de “A hora da estrela ou o canto de Macabéa”, Chico César acumulou um repertório eclético para o espetáculo. Nas músicas inspiradas na obra-prima de Clarice Lispector, cujo centenário é celebrado este ano, o paraibano juntou  xote, maracatu, samba e rock. Na entrevista abaixo, ele explica o processo de criação para o musical, em cartaz no palco do Teatro I do CCBB.

Como foi o processo de trabalho com Clarice Lispector, sua mais nova parceira musical?

É uma pena que ela não possa estar aqui para dizer o que acha da adaptação e dessa ousadia que é transformar a ideia, a criação dela, em música, em canção. Nossa abordagem funcionou para a gente, para o espetáculo. Não sei se funcionaria na percepção da Clarice. Mas nós tivemos coragem, e coragem é algo que a Clarice nos estimula a ter, ela nos desafia como leitores e como criadores.

Praticamente todas as canções têm letras tiradas do texto original. Os versos que você criou buscaram algum tipo de aproximação com o estilo da autora?

Há três canções que têm Clarice apenas como ideia, são minhas, mas são muito de Clarice. Em “Vermelho esperança” ( disponível nas plataformas de streaming, como um single ) eu não faria nunca aquela letra se não tivesse lido o texto de Clarice e não fosse convidado para trabalhar na peça. Nas demais músicas usei o texto original, às vezes recorrendo a ajustes, inversões de ordem, para criar dramaticidade. Esse e outros musicais abrem uma janela para compositores. E esse é o desafio: compor uma música que acabe ganhando vida fora do teatro.

Os integrantes do projeto ficaram admirados com a suposta facilidade com que você criou as canções. Foi “fácil”?

Não foi fácil. O texto de Clarice Lispector é muito denso, às vezes é árido, descarnado de adjetivação, não tem uma sonoridade que imediatamente remeta a música. Tem ritmo muito próprio. O que eu tentei fazer, primeiro, foi mergulhar no modo como Clarice aborda esses personagens. Eles vêm do Nordeste, eles andam pelo Rio. Fui buscando a musicalidade que está em todos os lugares, mas não é óbvia, como nada nela é óbvio. Manter essa sutileza original, mas trazendo para a música, esse foi o desafio.

A trilha tem xote, maracatu, samba, rock... O que levou a essa variedade de gêneros?

Temos os personagens, nordestinos, eles trazem no DNA deles a informação do maracatu, do xote, do boi. Mas o drama acontece em uma metrópole brasileira, o Rio de Janeiro. É um centro onde se desenvolveu a modinha, o samba, a música urbana, num cenário de mangue, de cabaré. A cidade é um personagem, ela fala. Também é importante trazer para um espetáculo que acontece hoje manifestações contemporâneas, como rock. Pensei ainda na Laila como primeira intérprete dessas canções, ela é uma das artistas mais completas hoje. Você criar para uma artista com essa potência é muito estimulante.

Onde: Teatro I do CCBB – Rua Primeiro de Março 66 (3808-2020). Quando: Qui e sex, às 20h, sáb e dom, às 19h. Até 10/5. Quanto : R$ 30. Classificação : 16 anos.