Exclusivo para Assinantes
Cultura

Cientistas explicam como as novas tecnologias vêm alterando nosso cérebro

Pavilhão no Rio 2C vai apresentar descobertas da chamada neuroplasticidade
Afinal, como fica o cérebro de quem passa o dia ingerindo informações curtas em ritmo frenético? Foto: Editoria de arte O Globo
Afinal, como fica o cérebro de quem passa o dia ingerindo informações curtas em ritmo frenético? Foto: Editoria de arte O Globo

RIO — As pernas de uma maratonista se fortalecem ao correr quilômetros. O pulmão de um mergulhador se acostuma à pressão subaquática. Os dedos de um violonista criam calos de tanto fazer acordes. Seguindo a mesma lógica: como fica o cérebro de quem passa o dia ingerindo informações curtas em ritmo frenético?

A falta de foco, a ânsia por estímulos visuais e a memória fraca de que tantos se queixam hoje já são efeitos da vida moderna em nosso neurônios. A boa notícia: se nosso cérebro é moldado por esses hábitos, pode tirar proveito deles e até se readaptar a uma rotina mais analógica. Não é feitiçaria: é neuroplasticidade.

Essas e outras descobertas estarão em destaque no pavilhão BrainSpace, novidade da Rio Creative Conference ( Rio2C ), evento que ocorre entre terça-feira (23) e domingo (28) na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Mas o que neurociência tem a ver com indústria criativa? Quem explica é Rafael Lazarini, criador e CEO do Rio2C:

— O cérebro é a engrenagem por trás de todos os produtos da nossa criatividade. A riqueza do futuro estará em nossas mentes e precisamos cuidar dela. O BrainSpace proporcionará ao público um mergulho nesse universo fantástico de sinapses e neurônios.

Neurônios sociais

Vale ressaltar que já faz um tempo que estamos “fazendo nossa cabeça”. Há 2,8 milhões de anos, quando o primeiro Homo habilis lascou uma pedra e usou-a para caçar melhor, já estava modificando seu cérebro de 600 centímetros cúbicos (metade do volume do seu, leitor Homo sapiens ). Ao longo dos séculos, todas as ferramentas que acrescentamos ao nosso cotidiano (espadas, mapas, relógios) foram produzindo sinapses.

— Conforme novas tecnologias são inseridas, novas conexões entre os neurônios vão sendo criadas — diz a neurocientista e pesquisadora da UFRJ Julie Weingartner. — Mesmo uma pessoa mais velha, como meu avô, pode aprender a mexer em um computador.

Sempre que experimentamos algo novo, nosso cérebro sofre mudanças sutis em sua estrutura. Aliás, enquanto você lê esse texto, algo na sua cabeça provavelmente está se modificando: isso é a tal neuroplasticidade. Ela pode ser duradoura ou temporária, variando com a idade (quanto mais nova a pessoa, mais rápida) e a quantidade de horas dedicadas a uma atividade.

Ronald Fischer , pesquisador da Universidade de Victoria, no Canadá, afirma que nossos hábitos e a cultura em que estamos inseridos moldam o funcionamento do nosso cérebro.

— Se você precisa trafegar por uma grande rede de ruas, as partes do seu cérebro que codificam informações espaciais são mais desenvolvidas. O taxista tem sistemas de memória espacial muito mais fortes. — afirma Fischer. — Esses aumentos são temporários, uma vez que um taxista pare de trabalhar, essas estruturas cerebrais tornam-se menos conectadas.

Hoje, uma profusão de telas de celulares, computadores, tablets e TVs competem pela nossa cabeça. Ao mesmo tempo, guardar números de telefones, horários de compromissos ou nomes de ruas não são mais um grilo na cuca — basta um clique no smartphone.

O uso de redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram, também é capaz de provocar alterações neuroplásticas. Recentemente, um estudo do Centro de Mapeamento do Cérebro da Universidade da Califórnia (UCLA) descobriu que, ao usar as mídias sociais, o cérebro de um adolescente teve uma resposta ao “curtir” semelhante à de quando ele viu imagens de entes queridos ou ganhou dinheiro.

Outros hábitos contemporâneos, como excesso de exposição às telas, podem gerar efeitos nocivos. É o que afirma Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

— O uso excessivo pode prejudicar o hipocampo, que é responsável pela memória. Tem estudos mostrando que ficar mais de 2 horas passivamente diante de uma tela já seria ruim. Esse hábito pode gerar uma diminuição de volume dessas regiões cerebrais e ativar o mesmo sistema de dependência que o vício em substancias químicas — diz Ribeiro.

Novas conexões

Extensões tecnológicas também alteram nossa percepção da realidade. Segundo alguns especialistas, no bom sentido:

— O smartphone e a internet ampliaram nossos sistemas nervosos: hoje eles dão “a volta ao mundo” — empolga-se Alan Macy, diretor de pesquisa e Desenvolvimento da BIOPAC Systems.

Através dessas ferramentas e aplicativos, áreas cerebrais podem ser estimuladas com mais intensidade — como o raciocínio lógico, através de jogos. Segundo a pesquisadora Julie Weingartner, o uso de smartphone também pode aumentar a atividade cerebral.

— Todo o nosso corpo está representado no cérebro de forma anatômica. Há pesquisas que indicam que o uso do “touch” em smartphones aumenta a representação sensorial do dedão. Consequentemente, vai aumentar a agilidade dessa tarefa, pois esse hábito se reflete em nível cerebral.

Stevens Rehen , diretor de pesquisa do Instituto D’Or e curador do BrainSpace do Rio2C, mira o futuro:

— O celular já é parte do nosso cérebro. O Google já é uma extensão da memória. As consequências disso ainda não são claras. Talvez isso nos permita ter uma capacidade associativa maior, dar voos mais altos.

Para o bem ou para o mal, o fato é que o cérebro possuiu a capacidade de reverter hábitos ruins ou aprender outros mais sadios. Por mais que ele se acostume com guloseimas, sempre há tempo para fazer uma “reeducação alimentar” e deixá-lo em sua melhor forma.