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Cultura

Cinquenta personalidades refletem sobre a vida pós-covid em novo livro

De Fernanda Torres a FHC, autores de 'O mundo pos-pandemia' traçam cenários do que deve vir por aí
Em 'O mundo pos-pandemia', cinquenta personalidades refletem sobre os novos rumos do mundo após a crise sanitária Foto: André Melo / Agência O GLOBO
Em 'O mundo pos-pandemia', cinquenta personalidades refletem sobre os novos rumos do mundo após a crise sanitária Foto: André Melo / Agência O GLOBO

RIO - Como muitos de nós, o escritor e doutor em Direito José Roberto de Castro Neves vem se perguntando o que é permanente e o que é passageiro nesta pandemia. No próximo mês, ele participa de um congresso de advocacia com outros 40 mil inscritos. Tudo on-line, é claro, com público e palestrantes se reunindo sem sair de casa. Seria este um formato que veio para ficar?, questiona ele. E ainda: as pessoas podem vir a perder o interesse em se deslocar para congressos presenciais?

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As incógnitas sobre o futuro são justamente o assunto de “O mundo pós-pandemia”, organizado por Neves. O livro, que acaba de ser lançado e já está entre os mais vendidos ( veja a lista na página ao lado ), traz 50 artigos que refletem sobre os impactos da Covid-19 em diferentes áreas. Do entretenimento à economia, do comportamento à comunicação, nomes como Pedro Bial e Sergio Besserman Vianna, Fernanda Torres e Margareth Dalcolmo, Fernando Gabeira e Marcelo Adnet, Fernando Henrique Cardoso e Luís Roberto Barroso analisam o atual estado das coisas em seu “quintal” e fazem previsões sobre o que vem pela frente. O próprio organizador, aliás, escreve um texto prevendo mudanças significativas em sua profissão: audiências e despachos via videoconferência, menos viagens e menos custos com burocracia.

— É óbvio que ainda há muitas dúvidas sobre o que vai acontecer. O que fizemos é um esforço coletivo para melhorar a conversa, trazer elementos críticos e opiniões de pessoas experientes — diz Neves. — No Brasil, essa conversa é ainda mais importante. Por ser um país tão injusto e desigual, temos uma oportunidade de mudança.

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No livro, cada autor analisa o particular de sua área, mas muitos encontram pontos de conexão no plano geral. Um deles parece atravessar quase todos os segmentos, sejam eles medicina (Margareth Dalcolmo), política (Merval Pereira) ou urbanismo (Miguel Pinto Guimarães): a necessidade de uma abordagem mais humanista, que repense as prioridades. Acima de tudo, a pandemia escancara problemas já existentes. E deveria servir de alerta para outras questões urgentes, como a crise climática e a destruição das espécies, lembra o economista Sergio Besserman Vianna.

— O drama histórico horrível que estamos vivendo pode vir a evidenciar o quão patético é o negacionismo científico — ele diz. — Cegos pelo fetiche do crescimento, estamos negligenciando a crise climática, da mesma forma que negligenciamos todos os modelos matemáticos que previam uma pandemia como esta. A inédita e pesada experiência emocional da crise sanitária funciona como o garoto da fábula “O rei está nu”. Talvez consiga reverter comportamentos e gerar mudanças.

— Agora aprendemos que calamidades acontecem e que não estamos livres de seus efeitos — afirma a escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira, que assina um texto sobre comportamento social. — Nossa única certeza é que a incerteza nos acompanhará.

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Alguns nomes da coletânea não apenas acompanham de perto as transformações de suas profissões, como estão, eles mesmos, buscando se reinventar. É o caso de Marcelo Adnet, que escreve sobre o futuro do humorismo, e está gravando esquetes direto de casa. Ou da chef Roberta Sudbrack, que apresenta um texto sobre nossa relação com os alimentos (“Voltaremos a falar com batatas?”, indaga ela), e vem recorrendo ao delivery para manter seu negócio funcionando. O insight da chef é que o pos-Covid talvez inaugure sistemas sociais e econômicos mais justos e solidários, voltados à sazonalidade dos alimentos e comprometidos com o não desperdício e com a agricultura familiar.

Ainda que os textos se preocupem mais em pensar sobre o que nos trouxe até aqui, muitos arriscam, sim, seus palpites para um novo mundo. O médico Paulo M. Hoff, por exemplo, afirma que discutir estratégias a longo prazo para aumentar a capacidade de hospitais será pauta obrigatória. E defende que, para ter respostas mais rápidas a emergências, o governo brasileiro construa uma reserva estratégica de equipamentos essenciais para saúde, com fábricas estratégicas.

No setor energético, David Zylbersztajn lembra que o petróleo passou a ser vendido a preço negativo e que o mundo segue estupefato com o “ouro negro” sendo derrubado por um vírus. No fim das contas, a recuperação do ar e da água em diversas metrópoles ajuda a tornar evidente o impacto da energia em nosso cotidiano. E, no entretenimento, o idealizador do Rock in Rio, Roberto Medina, faz paralelos com o carnaval de 1919 e o clima de euforia que se seguiu à Gripe Espanhola de 1918, para pensar a próxima edição do evento, que acontece em setembro de 2021.

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A cultura, aliás, é tema de vários artigos. Num deles, o cineasta Bruno Barreto aposta que a frequência das salas de cinema, já em queda antes da pandemia, não voltará ao mesmo nível quando acabar o isolamento. Em contrapartida, projeta que o crescimento das plataformas de streaming irá se manter, criando uma oportunidade para produções brasileiras chegarem mais facilmente a espectadores daqui e do restante do mundo.

O mercado editorial é outro que teve processos já em andamento turbinados pelo vírus, escreve o editor Roberto Feith. As livrarias fecharam, e leitores que ainda não haviam adotado o hábito da compra pela internet abraçaram a ideia, por falta de opção. Parte desses leitoras, prevê ele, já se acostumou com a entrega domiciliar e a adotará como primeira opção mesmo quando as livrarias estiverem funcionando a pleno vapor.

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O esforço coletivo do livro, aliás, acabou gerando ideias para novos projetos. Feith gostou tanto do texto de Pedro Bial sobre a imprensa na pandemia que, até o fim do ano, deve editar um livro do jornalista sobre o assunto. A pauta rende. Em seu artigo, o apresentador do “Conversa com o Bial” vê a imprensa como “a única e obrigatória fonte para tomadas de decisão e padrões de comportamento frente à crise”.

— Tem a expressão em inglês “doce justiça”: foi o que aconteceu com o jornalismo, que vinha sendo tão vilipendiado — observa Bial. — Muita gente que tinha perdido o hábito de assistir ao jornal televisivo voltou a fazê-lo. A imprensa se reafirmou como o lugar onde a sociedade olha para si mesma. Ela recuperou o reconhecimento do protagonismo que sempre teve.

SERVIÇO: O mundo pós-pandemia. Organização: José Roberto de Castro Neves. Editora: Nova Fronteira. Páginas: 416. Preço: R$ 34,99 (e-book) e R$ 49,90 (edição física)