SÃO PAULO — Preocupado que seu sobrinho Théo, de 4 anos, perdesse muito tempo hipnotizado pelas telas , principalmente depois que as aulas foram suspensas, no início da pandemia de Covid-19, o empresário paulistano Rodrigo Cocitta resolveu dar um presente ao menino: uma assinatura do A Taba, um clube do livro que, todo mês, envia títulos criteriosamente selecionados a pequenos leitores .
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— Tenho observado que as crianças hoje só sabem mexer no tablet, nos celulares dos adultos. Meu papel como tio é trazê-lo mais para o lado offline e proporcionar uma atividade que envolva a família e sem distrações tecnológicas — conta Cocitta.
Théo gostou do presente: fica todo animado quando percebe que chegou um pacote novo pelo correio e sempre pede aos adultos que leiam com ele. Outros pais, tios e avós tiveram a mesma ideia que Cocitta e, nos últimos meses de quarentena, recorreram à assinatura de livros infantis para entreter crianças sem aulas, afastá-las das telas e estimular a leitura em família. Os clubes de leitura, que já há algum tempo vem conquistando pequenos clientes e seus pais ao apostar em curadoria atenta, comemoram o aumento do número de associados e também do faturamento.
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Denise Guilherme, fundadora do A Taba, se surpreendeu com o crescimento do clube dos últimos meses. Ela prefere não falar em números, mas a procura pelo serviço aumentou expressivamente e houve dias em que a venda de novas assinaturas quadruplicou e bateu recorde. Os melhores meses foram maio, junho e julho. A previsão é que, em 2020, o faturamento seja o dobro do que foi no ano passado. Denise também festeja o sucesso virtual do A Taba: tanto o número de seguidores nas redes sociais quanto a audiência das lives (conversas obre leitura, encontros com autores) e a visibilidade do conteúdo disponibilizado no site tiveram um crescimento impressionante.
— Na quarentena, os pais começaram a procurar atividades para fazer com as crianças: é só ver a euforia com as lives de contação de histórias. Os clubes de assinatura também se mostraram uma boa alternativa, porque mobilizam também os adultos que leem junto com a criança — diz Denise. — O melhor presente que podemos dar às crianças são as palavras.
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CEO e fundador da Leiturinha, o maior clube de assinaturas de livros infantis do Brasil, Guilherme Martins imaginou que a pandemia talvez prejudicasse os negócios e que as incertezas econômicas provocariam nas famílias “uma aversão ao consumo”. Para a sorte dele, não foi o que ocorreu. Desde março, a Leiturinha cresceu 15%. As vendas na loja virtual, que permite a compra de livros avulsos, sem a necessidade de assinar o serviço, dobraram. Para dar conta da demanda, foram contratados quase 50 novos funcionários em plena pandemia.
![Seleção de títulos enviados aos assinantes do Leiturinha, serviço de curadoria de livros infantis Foto: Divulgação](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/24685642-31a-03c/FT1086A/todos.jpg)
— Nos primeiros 15 dias de quarentena, registramos queda, mas depois, a coisa inverteu. O fluxo no site aumentou muito e investimos em conteúdo que ajudasse as famílias a distrair as crianças durante a quarentena. Lançamos uma nova versão no nosso aplicativo, que agora permite que a criança vote se gostou ou não dos livros que enviamos — explica Martins. — Em abril e maio, com o comércio fechado, passamos a vender muito mais. Apesar da explosão do e-commerce na pandemia, comprar livro infantil pela internet é difícil sem a curadoria que nós oferecemos.
Renata Nakano também prefere não falar em números, mas conta que, nos últimos meses, a carteira de assinantes do Clube Quindim teve um aumento “bacana”.
— Com o fechamento do comércio, mães e pais que gostavam de ir às livrarias com os filhos passaram a procurar o nosso serviço e gostaram, porque enviamos livros que não se encontra em qualquer loja, de editoras independentes e até de coletivos de autores — diz Renata, que é diretora geral do Clube Quindim.
![Renata Nakano, diretora geral do Clube Quindim, com títulos enviados aos assinantes do serviço de curadoria de literatura infantil Foto: Rodrigo Frazão / Divulgação](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/24685641-c29-ccd/FT1086A/Renata-Nakano-Clube-Quindim_Foto-de-Rodrigo-Frazao.jpg)
Uma dessas mães foi a pedagoga paulista Débora Diniz. Acostuma a levar a filha Vitória, de 3 anos, a livrarias e também ao apresentações teatrais para crianças, ela recorreu ao Clube Quindim durante a quarentena para que a menina não perdesse o o gosto pelos livros.
— Ela adora — diz Débora. — Lemos juntas toda noite. Eu faço as vozes dos personagens e nós divertimos e damos boas risadas. Ela ainda não sabe ler, mas já sabe que a palavra no começo da frase geralmente é o nome do personagem (risos) .
No Clube Quindim, os livros são escolhidos por gente que entende de literatura infantil, como Ana Maria Machado e Ziraldo. Nos últimos meses, os assinantes receberam máscaras e títulos como “Tenho medo”, de Ivar Da Coll, e “Mamãe tem medo”, de Beatrice Masini, para ajudá-los a se proteger e a enfrentar os desafios trazidos pela pandemia , como o temor, a solidão e ansiedade dos pais. Um dos livros de que Vitória mais gostou também fala sobre medo: “Bruxa, Bruxa, venha a minha festa”, de Arden Druce e Pat Ludlow. Ela já sabe quase o livro inteiro de cor.