Cultura
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Julio Maria
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Julio Maria

Por — Rio de Janeiro

Como sabem meus amigos e conhecidos, vivi quase toda a minha infância em Maceió, no Estado de Alagoas. Quando meu pai se mudou para o Rio de Janeiro, trouxe com ele os quatro filhos, em diferentes idades. Eu, por exemplo, tinha apenas pouco mais de 6 anos.

Minha mãe não se acostumou logo à cidade, não conseguiu se integrar ao Rio, que considerava violento e apressado demais. Nós então passávamos todas as férias de fim de ano em Maceió, do Natal ao carnaval. O único inconveniente disso é que nenhum dos quatro irmãos podia se dar ao luxo de uma reprovação, de ter que fazer uma segunda época no rigoroso Colégio Santo Inácio, onde estudávamos.

O Rio de Janeiro era onde eu tinha que estudar e depois trabalhar; Maceió, onde descansava e descobria a vida. O primeiro beijo, em uma de minhas primeiras namoradas, eu dei no lusco-fusco de um fim de tarde, no coreto da Avenida da Paz. Assim como ficava numa pelada na praia em frente, até a Lua surgir no céu e o menino dono da bola ir embora com ela para só reaparecer no dia seguinte. Todos os meus filmes têm sido essa constante dialética entre o corpo e a alma das duas cidades, não posso me considerar o resultado de qualquer uma das duas. Sou fruto dessa bagunça cultural, dessa falta de caráter preciso.

Em Maceió ou no Rio, sempre gostei de futebol. Nunca fui um craque, como meus amigos decisivos Marco Aurélio Moreira Leite ou Ruy Solberg, para os quais não tinha conversa. Mas, como meu pai não se sentia nem um pouco atraído por ele, acabei não conhecendo logo os estádios cariocas. Eu já era adolescente quando fui pela primeira vez ao Maracanã, levado por um tio alagoano que se hospedara lá em casa. Estreei naquele Fluminense e Grêmio, mas nunca deixei de acompanhar o Botafogo, o time local pelo qual sempre torci.

Já estava no Rio quando fomos campeões em 1948 e, embora morasse relativamente perto de General Severiano, meu pai se recusava a me levar aos jogos, sempre com uma desculpa esfarrapada. Comemorei a vitória sem ter visto um só “match” do meu time, fui campeão sem ter tido o prazer de ver uma só jogada daquele ataque maravilhoso em que brilhavam jogadores como Pirillo, Otávio ou Geninho. E um dos beques era o ainda muito jovem Nilton Santos.

Só fui ser pessoalmente campeão no Maracanã em 1957, nas vésperas de prestar meu vestibular para a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC. Vi em campo a tradução para a invenção de Pier Paolo Pasolini, o “futebol de poesia” jogado por Garrincha. Além da perfeição e do rigor da “prosa” exata de Nilton Santos. Ganhamos do Fluminense de 6 a 2 e, no finzinho do jogo, a torcida adversária aplaudia a performance extraordinária de nosso gênio, o Mané.

Já estávamos indo aos jogos por nossa própria conta, quando vimos, no mesmo Maraca lotado, a “estrela solitária” brilhar de novo. Dessa vez, depois do jogo e da vitória saímos do estádio atrás de Didi, agora atuando em nosso time, que ia depositar sua camisa e sua chuteira milagrosa no altar de uma capela de Nossa Senhora que Carlito Rocha havia feito construir em General Severiano. No caminho, cantávamos músicas de carnaval compostas para aquele ano.

Didi cumpriu seu dever religioso e os diretores do clube então deram acesso social aos torcedores que o seguiam. Pude então ver, deslumbrado e orgulhoso, sentado numa mesa do salão alvinegro, a bebericar alguma coisa comemorativa, o poeta Augusto Frederico Schmidt, e nosso treinador, o já consagrado João Saldanha. Me deu vontade de chorar de alegria, sem exagero nem escândalo, apenas como se estivesse precisando completar o sentimento que me acompanhava desde que deixara Maceió, aos 6 anos de idade.

Segundo contam, o papa João Paulo II, ardente torcedor do Liverpool Football Club, várias vezes campeão da Liga dos Campeões Europeus, dizia que “de todas as coisas sem importância, o futebol é a mais importante”. Eu sei que é.

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