Cultura

Com Abaporu de volta ao Brasil, Exposição no MASP traz a Tarsila do Amaral 'popular'

Mostra traz 'Abaporu' de volta a São Paulo e propõe leituras políticas da obra da pintora modernista
O quadro, que lembra um pouco o realismo socialista soviético, mostra a preocupação social de Tarsila com os trabalhadores urbanos, representados aqui como uma legião de operários mestiços e tristonhos Foto: Acervo Artístico-Cultura dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo / Divulgação
O quadro, que lembra um pouco o realismo socialista soviético, mostra a preocupação social de Tarsila com os trabalhadores urbanos, representados aqui como uma legião de operários mestiços e tristonhos Foto: Acervo Artístico-Cultura dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo / Divulgação

SÃO PAULO — Em 1924, quando viajou por Minas Gerais acompanhada do poeta suíço Blaise Cendrars (1887-1971) e dos modernistas paulistas, Tarsila do Amaral (1886-1973), “impregnada pelo cubismo”, reconheceu, nas casinhas e igrejas mineiras, as cores de que gostava na infância vivida em fazendas cafeicultoras no interior de São Paulo: “azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco”. “Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para as minhas telas (...) sem medo de cânones convencionais”, recordou Tarsila em um depoimento.

Essas “cores caipiras” aparecem em telas como “Morro da favela” (1924), “Manacá” (1927) “Porto I” (1953), e outras obras incluídas na exposição “Tarsila popular”, que abre às portas ao público nesta sexta-feira (5) no Museu de Arte de São Paulo, o MASP. São 52 pinturas e 40 desenhos produzidos entre 1921 e 1969.

O “Abaporu”, que não aparecia em São Paulo há onze anos, veio emprestado do Museu de Arte Latino-Americana (Malba), de Buenos Aires. “Tarsila popular” é mais um capítulo de “Histórias das mulheres, histórias feministas”, eixo temático que tem guiado a programação do MASP este ano. O museu vêm homenageando mulheres como a pintora Djanira da Motta e Silva (1914-1979), arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) e Tarsila.

A exposição atravessa todas das fases da carreira da pintora – Pau-Brasil, Antropofágica, Social – e investiga como o modernismo de Tarsila formulou um conceito amplo de “popular”, que não se limitava à representação de paisagens tropicais e brasileiros mestiços.

– A ideia do “popular” se expressa na busca por uma “brasilidade” que remonta ao século XIX e à necessidade de se produzir uma arte brasileira, singular, que não fosse uma cópia dos mestres europeus – disse ao GLOBO Fernando Oliva, que divide a curadoria da exposição com Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP. – Na obra de Tarsila, o “popular” se manifesta na representação da religiosidade, de festas de rua, como o Carnaval, de feiras ao ar livre, das cidades que se urbanizam, do folclore e de mitos indígenas.

O “popular” tarsiliano aparece em telas como o “Manacá”, onde as “cores pobres” retratam uma planta usadas pelos indígenas com fins curativos, e “Cuca” (1924) pintada apenas três anos depois de Monteiro Lobato arrancá-la do folclore e lançá-la na literatura.

'Manacá' (1927), tela que mostra uma planta típica da Mata Atlântica usada por indígenas com fins curativos Foto: Sérgio Guerini / Divulgação
'Manacá' (1927), tela que mostra uma planta típica da Mata Atlântica usada por indígenas com fins curativos Foto: Sérgio Guerini / Divulgação

A exposição também propõe leituras da obra de Tarsila que privilegiem discussões políticas, sociais e raciais que acabaram deixadas meio de lado pela crítica modernista. “A negra” (1923), um tela talvez inspirada por uma ex-escravizada que viveu em uma das fazendas da família da pintora, é exaustivamente analisados em quatros textos críticos inclusos do catálogo da exposição.

Uma outra viagem despertou Tarsila para temas sociais. Em 1931, acompanhada do marido, o psiquiatra Osório César, ela visitou a União Soviética. Exibiu seu trabalho em Moscou e vendeu aos comunistas um de suas telas, “Um pescador”, que hoje compõe o acervo do museu Hermitage, em São Petersburgo, e veio a São Paulo para a exposição. Os cinco mil rublos que recebeu pelo quadro a ajudaram a custear a viagem. A pintora enfrentava dificuldades financeiras desde que a crise de 1929 abalou os negócios de sua família.

De volta da URSS, Tarsila pintou quadros como “Operários” e “Segunda classe”, ambos em 1933, nas quais abrasileirou o realismo socialista ao retratar trabalhadores mestiços e tristonhos.

– Tarsila sempre vai produzir a partir do Brasil e do modernismo brasileiro – disse Oliva. – Embora ela tenha, sim, sido influenciada por movimentos artísticos internacionais, ela nunca foi uma mera reprodutora desses estilos, mas os recriava do ponto de vista de uma artista brasileira.

Mesmo antes de ir a Minas ou à Rússia, da fase Pau-Brasil e da Antropofagia, Tarsila já queria abrasileirar as vanguardas. Em uma entrevista ao Correio da Manhã , em 1923, ela confessou se sentir “cada vez mais brasileira” e deu uma pista do que talvez entendesse por “popular”: “Quero ser a pintora da minha terra. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com suas bonecas de mato”.

"TARSILA POPULAR"
ONDE:
Museu de Arte de São Paulo (MASP) – Avenida Paulista, 1578. QUANDO: quarta a domingo, das 10h às 18h; terça, das 10 às 20h. Até 23/6. QUANTO: R$ 40. Grátis às terças.