Cultura

Com Caetano e Snoop Dogg, Anitta representa Honório Gurgel no ousado 'Kisses': te cuida, Beyoncé!

Escritora, produtor e jornalista analisam lançamento com que a cantora carioca ascende a um novo patamar na música pop
Anitta
- Rosa - Foto Carolina Vianna Foto: Carolina Vianna
Anitta - Rosa - Foto Carolina Vianna Foto: Carolina Vianna

Maria Gabriela Saldanha

Qual Anitta você é?

Artista reflete seu tempo no exercício feminino do autoconhecimento

Anittas mandam beijos. Gesto múltiplo de significados, pode ser ato político, provocativo, de puro afeto, despedida, triunfo, chegada — por exemplo, a uma viagem internacional. Fato é que mandar beijos pontua, mais comumente, o diálogo entre mulheres. “Kisses” expõe as muitas dimensões de uma totalidade. É confissão de autoimagem, como beijo sem roupa ao espelho. Qualquer uma entende a cena solitudinária .

Todas estamos ou deveríamos estar em pleno levante feminista, mergulhando em autoconhecimento. Ela não é diferente de nós enquanto tateamos e assumimos as muitas que nos habitam, para nos pensarmos completas. Para nos autorizarmos modos de ser censurados e ocuparmos lugares desejados. O pop, afinal, reflete seu tempo.

Não escaparemos de “qual Anitta você é?”. Inevitável acharmos versões de nós mesmas nos clipes de “Kisses”: no exercício do autocuidado (mamas de todas as cores e tamanhos examinadas em “Atención”); quando descobrimos na mente um brinquedo (“Onda diferente”) ou a fome de viver (“Sin miedo”); vendo-nos às voltas com inseguranças adolescentes (“Get to know me”)... Essa subjetividade expõe um desejo de dizer quem se é, rompendo com o que esperam que seja.

Superando uma Anitta que surfou pautas do momento, seria também um amadurecido beijo de resposta. Pois se nos amolece pela identificação, também o faz por quase perguntar: “De quais de mim você está falando?”. Falar em primeira pessoa dá um xeque-mate em outras línguas. Mastiga nossas críticas como quem come um “podrão” em Honório Gurgel.

Jr Tostoi, produtor

Não é para inocentes, não

Cantora acerta no alvo numa era em que imagem e música não andam separados

Anitta é a maior artista internacional brasileira do momento — e está no caminho certo. Ainda são poucos artistas que abraçam um álbum visual — necessário nos dias de hoje, quando imagem e música não andam separados. A cantora/empresária chamou muitas participações, como manda o figurino desse métier: “ajuda a abrir mais portas”. As produções são impecáveis e dialogam com o que há de novidade no meio no qual ela navega.

Ter Snoop Dogg não é pra qualquer um não, bicho. Escutaremos muito Papatinho, preparem-se… Anitta, Ludmilla e Snoop juntos, super. A onda minimalista sem muita harmonia que se usa muito “lá fora” não só nesse estilo, mas da qual por aqui ainda estamos distantes, é muito bem aproveitada nessas faixas. Beats espertos.

Seria mais interessante se trouxessem Caetano pro universo dela ao invés de fazer uma faixa que se encaixa no clichê que repetem há tempos: Anitta canta muito, todos os estilos e não usa Auto-Tune dããã (software usado pra afinar voz e instrumentos). Mas ter Caetano, como o vídeo mostra (ela superfeliz fotografando a participação), é sempre lindo.

O alvo é o mercado latino, tiro certo. Taí uma das maiores trabalhadoras do momento. Atira pra todos os lados dentro da área dela pra acertar o centro do alvo. Cumbia com trap, funk com brega e música latina, pop esperto egocêntrico pra massa, como manda o figurino. Não é para iniciantes nem inocentes, não. Nada de novidade nesse meio onde se tem muito dindin pra investir (e digo, bem investido). Mas Anitta arrebenta.

Ronald Villardo, jornalista:

‘Nice to meet you, Anitta’

Novo trabalho abre alas para a malandra na corte de superstars de Beyoncé e cia.

O panteão do pop internacional está pronto para Anitta? Estamos prestes a descobrir. O álbum visual “Kisses” é o abre-alas a pedir passagem para a malandra na corte de superstars que tem em Beyoncé uma de suas maiores representantes. Foi a americana que pegou o mundo de surpresa quando lançou o primeiro álbum visual nesses moldes, “Beyoncé”, em 2013.

Anitta segue as pegadas da mestra e exibe em “Kisses” a munição com a qual pretende conquistar o planeta pop. Escalou estrategicamente Giovanni Bianco, diretor de arte brasileiro radicado em Milão, para garantir a unidade necessária aos vídeos para contar sua história (visual) de maneira colorida e coerente.

Bianco, que assina boa parte do artwork de Madonna (capas, editoriais de moda, etc), embrulhou Anitta para o mercado internacional sem perder o DNA de Honório Gurgel. Quem duvida precisa ouvir a primeira música do álbum, quando a popstar pede “Atención”, em letra pontuada por frases como “Pensou que eu não ia rebolar a minha bunda em espanhol? Honório Gurgel, né?”.

O novo megamix de Anitta tem borogodó. Refrães que grudam, batidas que fazem bater os pezinhos e muitas bundas. Tem até um Caetano Veloso para arrematar. Acha que terminou? Não. No horizonte ainda há um single com Madonna a ser lançado a qualquer momento, como parte do novo álbum da loura-mor.

É a hora de o mundo fazer como Snoop Dogg na faixa “Onda diferente” e cumprimentar a neodiva carioca com alto e sonoro “Nice to meet you, Anitta”.