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Como o cancelamento virou protagonista do 'BBB21' e atinge a vida real

Na casa, discussão gira em torno do comportamento de Lucas e Juliette; aqui fora, de Karol Conká
BBB 21: Juliette, Karol Conká e Lucas Foto: Fábio Rocha / Globo

Se alguém conseguiu passar os últimos tempos sem ouvir falar do termo “cancelamento”, está difícil fugir dele desde a estreia da edição 21 do “Big Brother Brasil”. Em dez dias do reality da TV Globo, o grande personagem é justamente ele, dentro e fora da casa . A lógica nascida nas redes sociais com o objetivo de expor comportamentos considerados condenáveis e, a partir disso, abalar digital e economicamente o alvo, ganhou contornos como nunca na vida real.

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Fenômeno mundial, a cultura do cancelamento começa a aparecer nas redes por volta de 2017, principalmente via Twitter. Entre os que já sentiram e ainda sentem seu peso, estão a escritora J.K. Rowling, o cineasta Woody Allen, a influenciadora Gabriela Pugliesi e o youtuber Carlinhos Maia. Até Anitta teve sua fase.

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Órfãos do cancelamento: como ficam os fãs após a condenação dos ídolos na internet

— O cancelamento virou um fenômeno cultural quando entramos num contexto de muitas narrativas em disputa por causa de identidades múltiplas que formam cada um de nós — explica o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais Pablo Moreno, especializado em estudos de comunicação e identidade. — O que torna a discussão mais complexa são as tensões sociais que determinam quem tem direito ao perdão e à empatia.

Microcosmo

Segundo o Google Trends, buscas pelos termos “cancelamento” e “cultura do cancelamento”, associadas ao programa, cresceram 6.070% na última semana. Sem citar o “BBB”, o aumento das pesquisas pelas expressões foi de 330% em comparação aos sete dias anteriores. Os dados parecem provar que há uma curiosidade sobre o assunto além do reality, uma vez que as atitudes vistas na casa e a reação on-line a elas muito se assemelham à nossa sociabilidade off-line.

— Vivemos no conceito do mundo phygital ( termo em inglês para a junção de físico e digital ). Não existe mais essa diferença. A cultura do cancelamento resvala no mundo real. Todo esse comportamento é reproduzido entre amigos, familiares e profissionais — diz Willian Rocha, professor da ESPM e diretor de conexões da Agência3.

Trocando em miúdos, o Fla-Flu de opiniões formadas sobre tudo e todos, show já comum nas redes, acentua-se cada dia mais na vida real, sendo mimetizado dentro de um programa que é um microcosmo da sociedade e observa o comportamento humano sob a ótica do confinamento. Nesta edição, o reality show reúne 20 participantes, com homens, mulheres, negros e brancos, famosos e anônimos em igual proporcionalidade.

Karol Conká - “Eu topei entrar no BBB 21 porque achei que era um presente do universo. Uma oportunidade para aprender mais sobre mim, mas também aprender mais sobre as pessoas." Foto: Fábio Rocha / Globo
Juliette - “Eu estou acreditando agora e aceitando o que realmente é para mim. Antes eu ficava na dúvida, pensando: “Meu Deus, será?”. Agora estou com uma certeza muito grande no meu coração de que era para ser isso e estou de corpo e alma." Foto: Fábio Rocha / Globo
João Luiz - “Estar no BBB 21 é uma loucura! A minha geração cresceu com o ‘Big Brother’. Desde criança a gente sempre vê o BBB na televisão. Agora eu sou Big Brother." Foto: Fábio Rocha / Globo
Gilberto - “É uma alegria sensacional. É um sonho que eu tenho há muito tempo. Desde pequeno eu acompanho o programa, brincava com os meus bonecos e falava que um dia eu estaria lá." Foto: Fábio Rocha / Globo
Fiuk - “Acho que essa participação no BBB 21 representa a coragem de me aceitar e ir atrás dos meus sonhos, mesmo com todos os meus defeitos. O desconhecido me fez topar o convite, a vontade da transformação, o novo.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Carla Diaz - “Esse é o maior desafio da minha vida. Todo mundo me conhece através dos meus personagens desde os meus dois anos de idade. E eu aceitei esse desafio porque eu quero que as pessoas também conheçam a Carla. Ali serei eu, o tempo todo" Foto: Fábio Rocha / Globo
Camilla de Lucas - “Eu nem consigo descrever o que está passando pela minha cabeça. Eu ia me inscrever para este ano, mas, quando vi, o prazo já tinha encerrado. Logo depois foi quando eu comecei a bombar nas redes sociais, e hoje estou aqui como convidada." Foto: Fábio Rocha / Globo
Caio - “Eu já tinha feito a inscrição por duas vezes – ano passado e este ano. Quando as coisas foram acontecendo, foi uma sensação inexplicável. De tudo que eu já vivi, isso aqui é experiência totalmente nova." Foto: Fábio Rocha / Globo
Arthur - “A sensação de estar no BBB 21 é algo indescritível. É a quarta vez que me inscrevo e agora me vejo muito mais preparado para competir e agregar ao programa" Foto: Fábio Rocha / Globo
Arcrebiano - “Posso me dizer um participante lisonjeado por ter sido escolhido dentre tantos brasileiros que se inscreveram nesta edição. Estar participando já pode ser considerado um baita prêmio!” Foto: Fábio Rocha / Globo
Lumena - “Eu dobrei a sessão de terapia quando soube! Comunicar meu lado artista era algo que eu deixava muito largado debaixo do tapete.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Viih Tube - “Estar no BBB 21 é surreal! Nunca imaginei que essa oportunidade chegaria. Acho que ela só tem a acrescentar na minha vida, na minha carreira, na minha experiência pessoal." Foto: Fábio Rocha / Globo
Thaís - “Eu nem consigo acreditar ainda! Estava contando os dias para entrar na casa. Estou muito feliz e ansiosa. Já tinha me inscrito outra vez e, dessa vez, consegui!” Foto: Fábio Rocha / Globo
Sarah - “É maravilhoso estar no BBB 21, um sonho realizado depois de muitas tentativas. Acho que esta foi a quarta ou quinta vez que eu me inscrevi para participar do programa.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Rodolffo - “Geralmente consigo controlar minhas ansiedades. Por experiência de vida, por já ter passado por muita coisa, por ter vivido muitos 'quase'. Mas eu, com certeza, estou mais ansioso a cada dia que passa e também mais feliz com essa oportunidade.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Projota - "A ficha ainda está caindo. O pré-confinamento já começa a fazer você se colocar nessa posição e entender a situação onde você está. É uma parada muito louca, de verdade." Foto: Fábio Rocha / Globo
Pocah - “Já me sinto vitoriosa. Estou com uma mistura muito grande de sentimentos, muito louca. Choro, sorrio, pulo... Mas acho que isso faz parte do contexto todo, então me sinto também muito corajosa. Minha família me encorajou a topar esse desafio.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Nego Di - “Quando recebi o convite, passou um filme na cabeça. É algo que eu até já pensei, mas não esperava que pudesse acontecer tão depressa." Foto: Fábio Rocha / Globo
Lucas Penteado - “Estou concentrado em não cometer nenhum erro. E vamos nessa! Nunca estive tão próximo.” Foto: Fábio Rocha / Globo
Kerline - "Finalmente deu certo. Me inscrevi no ano passado também, fui até algumas fases, mas não deu certo. Fiquei pensativa sobre o que havia me feito não entrar. Para mim o jogo começou já faz muito tempo." Foto: Fábio Rocha / Globo

— Nesses debates, muitas vezes não há nuances. É uma briga de lado A e lado B — ressalta Karen Mercuri, doutoranda em Linguística Aplicada pela Unicamp com pesquisa na área de Mídia, Discurso, Tecnologia e Sociedade.

Na casa do BBB — que registrou a melhor semana de estreia do programa em São Paulo em sete anos (25 pontos de audiência) e no Rio (26 pontos) desde 2018 —, o ator Lucas e a advogada Juliette foram cancelados pelos participantes por vários comportamentos. Ele, por abordagens inoportunas nas festas e por propor alianças baseadas em gênero e raça; ela, por falar demais, ser considerada falsa e se expressar com deboche, segundo os colegas. Fora de lá, no tribunal das redes sociais, sobrou para a participante que personificou o papel de canceladora, a cantora Karol Conká. Suas participações em festivais pré-gravados foram cortadas , um programa no YouTube apresentado por ela, que ia para a TV, teve data de exibição revista, haters fizeram uma live no Twitter mostrando, em tempo real, sua perda de seguidores. Hoje, a anônima cancelada por Karol tem mais seguidores que a própria no Instagram , por exemplo.

Para o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo Christian Dunker, Karol Conká é mais parecida com seus críticos do que parece. O que mostra a complexidade das relações humanas envolvidas no tema.

— Karol representa nosso espírito voraz de cancelador. Mas ela dá um curto-circuito em nossa imagem, porque preferimos ser os justiceiros e os santos — diz Dunker. — O BBB é uma brincadeira sobre cancelamento. Quem ganha não é melhor que os outros, é quem conseguiu sobreviver aos processos de exclusão grupais. E vemos isso nas escolas, nas empresas. Nesses episódios, ( nossa ideia de ) segregação é neutralizada porque existe outra em curso. Tentamos pensar de forma monovalente, mas no fundo há um entroncamento de questões.

O que muito se discute em relação a essas atitudes julgadoras são os impactos na disposição ao diálogo, na quebra de relações e na destruição de reputações.

— Nossa sociedade tende a querer fazer justiça, muito por descrença nas instituições. Ao mesmo tempo em que condena o ato agressivo, age com agressividade — diz Karen. — Isso sempre existiu, é um pouco do comportamento do ser humano, mas a internet o potencializou.

Porta de saída

Willian Rocha destaca ainda a importância do diálogo no processo democrático da sociedade:

— Estamos na busca por uma sociedade mais democrática e inclusiva, mas não conseguimos quando excluímos uma pessoa da discussão.

Na última terça-feira, aconteceu a primeira eliminação do programa. O público votou pela saída de Kerline, que estava no início de toda a discussão que gerou o cancelamento dentro da casa. E deixou por lá Sarah, que ocupou justamente o espaço de interlocutora entre os opostos. Aguardemos agora as cenas dos próximos capítulo.