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Cultura

Confira 50 ideias, personagens e obras fundamentais para a Tropicália

Um índice para mergulhar no movimento que marcou a cultura brasileira no século XX
Caetano Veloso no Festival da Record de 1967 Foto: Wilson Santos / Arquivo/
Caetano Veloso no Festival da Record de 1967 Foto: Wilson Santos / Arquivo/

RIO - São 50 anos contados em 50 instantâneos da jornada tropicalista. De seus influenciadores a seus grandes personagens, de suas canções icônicas aos filmes, peças, livros e obras de arte visual que traduziram o movimento. As polêmicas, a repressão, as curiosidades. Aquilo que o olhar tropicalista capturou e deglutiu e devolveu — seguindo os mandamentos antropofágicos de Oswald de Andrade. Aquilo que foi alimentado pela produção tropicalista. As cenas fundamentais, os cenários nos quais elas se desenvolveram. Suas origens e seus fins. Como anunciou Tom Zé em “Parque industrial”, é somente folhear e usar.

1: Banquete antropofágico

Oswald de Andrade e seu “Manifesto antropófago” (1928) inspiraram e fundamentaram a Tropicália. O texto propunha a descolonização artística, cultural e intelectual brasileira. A ideia era canibalizar dados nativos ancestrais e dados estrangeiros, a fim de gerar algo original.

2: Manifesto Música Nova

Parte das ideias que pautaram o movimento já andava pelas cabeças de seus futuros colaboradores bem antes. Em 1963, maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela assinaram um texto que propunha uma música clássica com “compromisso total com o mundo contemporâneo”.

3: ‘Nós, por exemplo’

O espetáculo realizado em 1964 em Salvador reuniu pela primeira vez no palco Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé. Dali, surgiu outro, “Nova bossa velha, velha bossa nova”, com o mesmo grupo. Já em São Paulo, eles voltariam a se juntar sob a direção de Augusto Boal em “Arena canta Bahia”.

Gil mostra a canção 'Domingo no parque', em 1967 Foto: Wilson Santos / Arquivo
Gil mostra a canção 'Domingo no parque', em 1967 Foto: Wilson Santos / Arquivo

4: Eu vi o Brasil, ele começava em Recife

Em 1967, Gil passou um mês na capital pernambucana, onde se aproximou de tradições musicais como cirandas e conheceu a Banda de Pífanos de Caruaru. A experiência foi um dos estopins para que ele articulasse seu mergulho no Brasil, um dos pilares da Tropicália.

5: ‘Eu organizo o movimento’

Gil convocou, em 1967, uma assembleia de artistas para discutir novo caminhos para a música brasileira, um embrião da Tropicália. Os convidados incluíam Chico Buarque, Edu Lobo, Sérgio Ricardo e Paulinho da Viola, que não se identificaram com as propostas.

6: Uma noite em 67

Com um olhar cinematográfico e pop sobre o Brasil, “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, e “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, apresentaram no Festival da Record de 1967 as propostas estéticas do que viria a ser chamado de Tropicália. A vencedora da noite, porém, foi a canção “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam.

7: Nasce o nome

Hélio Oiticica elabora o conceito em 1966 a partir de Oswald, e em 1967 expõe o penetrável "Tropicália” na mostra “Nova Objetividade Brasileira”. A instalação evoca a vida urbana e das favelas, e cria uma imagem brasileira de vanguarda. Hélio diz que a “tropicalidade” vai “além de papagaios e bananeiras”. É “não estar condicionado por estruturas determinadas”.

8: ‘Vocês não estão entendendo nada’

No Festival Internacional da Canção de 1968, enquanto apresentava “É proibido proibir”, Caetano foi ostensivamente vaiado. Fez então o famoso discurso em que confrontou o público: “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”. O festival, exibido pela Globo, foi vencido por “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque.

9: ‘Panis et circensis’

Em 1968, o movimento ganhou seu álbum-manifesto, “Tropicália ou panis et circensis”. Com arranjos de Rogério Duprat, o disco marcava os interesses dos tropicalistas em canções inéditas e leituras para clássicos populares como “Coração materno”, de Vicente Celestino.

10: Jovem Guarda

Vista como algo “menor” pela elite intelectual, a música produzida por Roberto, Erasmo, Wanderléa & cia. chamou a atenção dos tropicalistas por unir a sonoridade moderna do pop internacional com o gosto popular brasileiro.

11: ‘São Paulo, meu amor’

A canção de Tom Zé que descrevia a cidade como “oito milhões de habitantes (...) que se agridem cortesmente” — e sintetizava o olhar do baiano sobre a vida urbana do país — foi a grande vencedora do Festival da Record de 1968.

12: Boate Sucata

A casa, na Lagoa, Zona Sul do Rio, recebeu uma temporada tropicalista em 1968, anunciando-a como “espetáculo violento”. No palco, Mutantes, Gil e Caetano, em canções suas ou leituras de músicas como o “Hino nacional”, despertavam reações de aclamação e gritos de “bicha”.

13: ‘Divino Maravilhoso’

Entre outubro e dezembro de 1968, o programa foi ao ar na TV Tupi, sob comando de Gil, Caetano e Gal e com convidados como Jards Macalé e Beat Boys. Caetano cantando “Boas festas” com uma arma na cabeça, em pleno Brasil do AI-5, levou o regime militar a suspender a atração.

14: ‘Só Carolina não viu’

Chico Buarque, que era mais um cultor da tradição do que um iconoclasta, foi visto por alguns como adversário estético da Tropicália — Caetano chegou a fazer uma leitura tropicalista-irônica de “Carolina”. Já Tom Zé disse que o respeitava muito, “pois ele é nosso avô”.

15: ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’

Com o clássico de 1967, os Beatles — que já interessavam aos tropicalistas pelo filtro ingênuo da Jovem Guarda — passaram a dialogar diretamente com seus interesses sonoros.

Roberto Carlos Foto: Arquivo
Roberto Carlos Foto: Arquivo

16: ‘Aquela canção do Roberto’

Maria Bethânia foi quem chamou a atenção de Caetano para a música de Roberto Carlos e colegas da Jovem Guarda. E foi ela também quem encomendou a tropicalista “Baby” ao irmão — uma canção que terminasse com uma camisa onde se podia ler “I love you”.

17: ‘Geleia geral’

Retrato fragmentado do Brasil visto pelo olhar tropicalista, a canção foi uma das que Torquato Neto escreveu para o movimento — ele é um dos personagens da capa do álbum-manifesto “Tropicália ou panis et circensis”. São também do poeta do Piauí “Marginália 2” e “Mamãe coragem”, entre outras.

18: O maestro que definiu uma sonoridade

As ideias de Rogério Duprat definiram a sonoridade dos tropicalistas — são dele os arranjos do álbum-manifesto e de outros do movimento como “Gilberto Gil”, “Os Mutantes” e seu “A banda tropicalista do Duprat”, todos de 1968.

19: ‘Eu sou o menino dela’

Artista único que se aproximava tanto da Jovem Guarda quanto do Beco das Garrafas, Jorge Ben também atraiu os tropicalistas, com sua síntese pop e profunda do Brasil. Foi convidado para o programa “Divino, maravilhoso” e gravado pelos Mutantes (“Minha menina”) e outros.

20: ‘É preciso estar atento e forte’

Presença de primeira hora do movimento, também retratada na capa de “Tropicália...”, Gal Costa eternizou “Baby” e “Divino maravilhoso” e foi a voz do ideal e da estética tropicalista quando Gil e Caetano estiveram exilados.

21: Guitarra tropicalista

Com timbre e estilo marcados em discos de Gal, Gil, Caetano, Rita Lee e Macalé, o cultuado guitarrista Lanny Gordin é o instrumentista mais identificado com o movimento.

22: ‘Há um morcego na porta principal’

Autodeclarado “pré-tropicalista e pós-tropicalista”, Jards Macalé era próximo do núcleo do movimento, com o qual conviveu e colaborou — parceiro de Torquato e Capinan, trabalhou com Gal (”Le-gal”) e Caetano (“Transa”).

23: Melhor do que o silêncio só João

A transformação promovida por João Gilberto na música impactou toda uma geração. Nos tropicalistas, bateu como desafio a que se desse o passo seguinte. “Chega de saudade, a realidade/ É que aprendemos com João/ Pra sempre a ser desafinados”, cantou Caetano na época.

24: Vicente Celestino

Gravar “Coração materno” foi uma declaração de como os tropicalistas queriam confundir a fronteira entre bom e mau gosto. O cantor deixaria outra marca no movimento: morreu logo após o ensaio (que lhe desagradou) de um programa de TV tropicalista no qual era convidado.

25: Mutações e ideias tropicalistas

Formados por Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista, os Mutantes foram a mais perfeita tradução dos ideais tropicalistas, unindo excelência musical, irreverência, vocação experimental e conhecimento profundo do cenário da música pop internacional de então.

Lindoneia, de Rubens Gerchman Foto: Divulgação
Lindoneia, de Rubens Gerchman Foto: Divulgação

26: ‘Linda, feia, Lindoneia desaparecida’

Musa da bossa nova e uma das primeiras artistas de classe média a atentar para o “samba do morro”, Nara Leão emprestou sua elegância e inteligência também à Tropicália. Cantou “Lindoneia”, de Gil e Caetano, inspirada na obra do pintor Rubens Gerchman. Nara também está na capa de “Tropicália...”.

27: ‘Já não somos como na chegada’

Parceiro de Gil (“Miserere nobis”, “Soy loco por ti America”) e Caetano (“Clarice”), o baiano Capinam aparece na capa de “Tropicália...” em retrato que Gil segura — foto tirada no dia de sua formatura.

28: Pensão tropical

O Solar da Fossa, em Botafogo, Zona Sul do Rio, foi abrigo de poetas, compositores, jornalistas e artistas. Epicentro da contracultura, acolheu Rogério Duarte, Caetano, Bethânia, Torquato Neto, Gal, Paulinho da Viola, Paulo Coelho, José Wilker, Tim Maia e outros.

29: ‘Seja marginal, seja herói’

Oiticica pôs espectador e obra em contato, com seus parangolés, bólides e penetráveis. Em 1968, escreveu o texto “Tropicália” e, junto a Rogério Duarte, faz a mostra “Apocalipopótese”. Em seguida, homenageou o bandido Cara de Cavalo com o slogan “Seja marginal, seja herói”, usado no show tropicalista da Boate Sucata.

30: A imagem do movimento

O conceito e o visual da Tropicália tiveram forte influência de Rogério Duarte. Ele fez capas de discos de Caetano e Gil, além de cartazes de filmes de Glauber Rocha, entre outros. Em 2003, publicou o livro de memórias e antologia “Tropicaos”.

31: Interações com a arte de Lygia Clark

Egressa da vanguarda concretista, Lygia Clark também rompeu com a contemplação distanciada e propôs uma arte táctil e participativa, de performances e objetos relacionais. O espectador virou peça-chave de trabalhos moldáveis pelo corpo e intelecto do participante. “If you hold a stone”, de Caetano, é tributo à sua arte.

32: Tropicalismo impresso

Em fevereiro de 1968, Nelson Motta publicou pela primeira vez o termo “tropicalismo” no jornal “Última hora”. “A cruzada tropicalista” não era artigo sério, e sim uma curtição meio nonsense. “Amontoado de clichês” ou “ode ao exótico”? Não agradou ao movimento, mas aguçou curiosidades.

33: ‘Panaméricas de Áfricas utópicas’

O livro “Panamérica”, publicado em 1967 por José Agrippino de Paula, foi fundamental para a Tropicália. Com uma poética irreverente, que canibaliza e subverte a cultura pop americana, a obra reflete sobre consumo, metrópoles e tecnologias. É citada em “Sampa”, de Caetano.

34: ‘Olhos grandes sobre mim’

A mídia, a publicidade e a indústria fonográfica, sedentas por slogans, replicaram a ideia tropicalista. Em vez de lutar contra a apropriação, Caetano diz: “Se é essa palavra que ficou, então vamos andar com ela”.

35: O que é que a baiana tem?

A tropicalidade internacionalista e pop de Carmen Miranda e sua síntese da brasilidade kitsch e vitoriosa eram uma representação visual de muitos anseios do movimento. Caetano a cita nos versos de “Tropicália”.

36: Antes de tudo, o kaos

Predecessor da Tropicália, Jorge Mautner une conhecimento popular e erudito como poucos. Criador do movimento Kaos e da “Trilogia do Kaos”, cantor, compositor e livre pensador, dirigiu “O demiurgo”, que revelou Caetano e Gil no exílio londrino.

37: ‘O rei da vela’

No mesmo ano, estreou a montagem do Teatro Oficina para peça escrita por Oswald de Andrade em 1933. Dirigida por José Celso Martinez Corrêa, com cenário de Helio Eichbauer, ela fez História no teatro. Em meio à ditadura, era a insurreição contra opressões políticas e convenções estéticas que enquadravam as encenações do país. Caetano viu e saiu maravilhado.

38: O contraponto teatral

Diretor do Arena, Augusto Boal também assistiu a “O rei da vela” e decretou: “Oswald está morto”. Boal, que havia criado “Arena canta Bahia” com os fundadores da Tropicália, torna-se um dos principais questionadores do movimento. Via a Tropicália como algo importado, “que pretende ser tudo e não é nada”.

39: ‘Mas eis que vem a roda-viva’

Escrita por Chico Buarque e dirigida por Zé Celso, a peça “Roda viva” estreou no Rio em 1968 com cenas de beleza e violência. Em São Paulo, sofreu ataques do Comando de Caça aos Comunistas, que invadiu o teatro, destruiu cenários, bateu e prendeu artistas.

Cena do filme 'Terra em transe' Foto: Divulgação
Cena do filme 'Terra em transe' Foto: Divulgação

40: ‘Uma câmera na mão e uma ideia...’

Propulsor do tropicalismo no cinema com “Terra em transe” (1967), Glauber Rocha reconhecia sua vinculação ao movimento. Para ele, a antropofagia e o tropicalismo provocaram “uma atitude diante da cultura colonial que não é uma rejeição”, mas sua deglutição e transformação numa nova estética.

41: Telas em transe

Uma nova estética cinematográfica surgiu com a Tropicália. Rogério Sganzerla e seu cinema “fora da lei” canibalizaram influências diversas em “O bandido da luz vermelha” (1968). Ele, Glauber, Julio Bressane, Ivan Cardoso, Joaquim Pedro, Neville D'Almeida e Walter Lima Jr. uniram-se num cinema revolucionário, instável como o país.

42: Os poetas concretos

Em seu “Plano-piloto para a poesia concreta”, Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos afirmaram que a poesia concreta toma conhecimento do “espaço gráfico como agente estrutural”. O manifesto citava o poeta russo Vladimir Maiakóvski: “Sem forma revolucionária não há arte revolucionária”.

43: Geleia censurada

Em 13 de dezembro de 1968, o AI-5 é decretado. Antes, a canção “Geleia geral” havia sido censurada, e Caetano e Gil foram ameaçados por “macularem” o “Hino Nacional” na Boate Sucata. Depois do AI-5 veio o escândalo em “Divino maravilhoso”, e a repressão apertou.

44: Prisões logo após o AI-5

Quatorze dias depois, Caetano e Gil foram detidos em São Paulo. Trazidos ao Rio, viraram o ano presos. Soltos na Quarta-feira de Cinzas, viajaram a Salvador, onde foram presos outra vez.

45: O exílio na Europa

Após deixarem a prisão, Caetano e Gil gravam novos LPs e apresentam juntos um show de despedida, na Bahia, o “Barra 69”. Caetano lamenta em “Marinheiro só”, Gil acena com “Aquele abraço” e ambos partem para o exílio. Vão a Lisboa e Paris, mas se fixam em Londres, até 1972.

46: O ‘fim’ do movimento

Com o exílio de seus líderes, a Tropicália deixa de ser movimento, mas se fortifica como referência para atos e estéticas contraculturais que irão florescer no Brasil urbano dos anos 1970.

47: A volta ao Brasil

Caetano chega em 11 de janeiro de 1972. Não era mais o tropicalista engajado: “Não quero assumir nenhum tipo de liderança. Quero só cantar minhas músicas”. Dias depois, Gil desembarca com Sandra, o filho Pedro e três guitarras elétricas: “Vi tudo, vivi tudo, o sonho acabou”, diz ele, que volta com “Back in Bahia” e se lança no “Expresso 2222”, enquanto Caetano voa livre no LP “Araçá azul”.

48: O homem dos bastidores

Empresário atento ao showbiz internacional, Guilherme Araújo foi fundamental para o movimento. Atraiu visibilidade para os tropicalistas, sugeriu mudanças do figurino, rebatizou Maria da Graça como Gal Costa, deu a Caetano a ideia de compor “É proibido proibir”, entre outras coisas.

49: ‘Sobre a cabeça os aviões’

Trechos da carta de Pero Vaz de Caminha ditos de improviso na gravação serviram de introdução para “Tropicália”, a canção que, batizada como o movimento propunha a redescoberta do Brasil, num painel onde cabiam a bossa e a palhoça, Iracema e Ipanema.

50: ’Balançando a pança’

Ícone maior da TV dos anos 1960, com a “Discoteca do Chacrinha” e “A Hora da Buzina”, Abelardo Barbosa virou “fenômeno de liberdade cênica e de popularidade”, definiu Caetano. Seu jargão “alegria, alegria” foi utilizado na famosa canção tropicalista. Gil ainda saudou o velho guerreiro em “Aquele abraço”.