Cultura

Conheça a história de Edgard Telles Filho, o criador do agogô de quatro bocas

Aos 76 anos e apaixonado por samba, Edgard hoje vê seu instrumento viajar pelo mundo
Desde os 17 anos, Edgard monta e vende agogôs. Hoje, sua criação roda o mundo Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Desde os 17 anos, Edgard monta e vende agogôs. Hoje, sua criação roda o mundo Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

RIO — Edgard Telles Filho tinha 16 ou 17 anos quando criou o instrumento que marcou sua vida. Mas ele conta essa história de uma maneira muito mais humilde do que poderia.

— Olha, o agogô foi criado na África . O que eu fiz foi só colocar mais duas bocas nele.

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Aos 76 anos, o bombeiro reformado hoje vê o instrumento que turbinou viajar o mundo. Garante que mais importante que se gabar é demonstrar sua paixão pelo samba, que vem desde novo “e está no DNA”.

— Quando eu era criança, meu pai me levava para a escola de samba e eu ficava ajudando — conta Edgard, filho de um dos fundadores da Imperatriz Leopoldinense. — Na época era o pessoal da própria escola, da harmonia, compositor, diretoria que limpava, fazia de tudo. Não tinha isso de terceirizar serviço. E eu ajudava.

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Uma ala inteira

Nascido e criado no bairro Colégio, na Zona Norte, onde morou até 2016, e hoje em Madureira, Edgard cresceu acompanhando as escolas de samba por causa de seu pai. Entre os 16, 17 anos — ele admite que tem dificuldade com datas —, trabalhava em uma oficina mecânica e começou a desfilar no Império Serrano. Nessa época veio a ideia de criar o instrumento.

— Eu era fascinado pelo barulho desse negócio. Era um barulho tão gostoso, mas só tinham duas bocas, eu achava muito pouco! Eu queria mais — recorda Edgard. — Eu aproveitava o horário do almoço na oficina para tentar montar o agogô de quatro bocas. Foi assim que fiz.

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Edgard Telles filho, criador do agogô de quatro bocas Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Edgard Telles filho, criador do agogô de quatro bocas Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Por um desentendimento com o presidente da Império Serrano à época, acabou deixando a escola e foi para a Portela. Lá, teve oportunidade não só de tocar o instrumento, mas de criar uma ala inteira dedicada a ele.

Depois de implantar a nova ala na Portela, acabou fazendo o mesmo no Império Serrano — Edgard também já desfilou em outras escolas, como Mangueira e Grande Rio. A partir daí, foi uma questão de tempo para ela se tornar tendência nos desfiles das escolas de samba. E, desde essa época, Edgard já vendia o instrumento, que começou a marcar presença em todo o país.

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Baterista e educador musical, Rodrigo Scofield é um dos clientes de Edgard.

— Eu uso o instrumento nas minhas oficinas. Meus alunos se interessaram pelo agogô de quatro bocas, e eu fui atrás do endereço dele, para finalmente conhecê-lo e encomendar mais.

É com essa curiosidade, após ver o instrumento na Sapucaí, que os estrangeiros acabam chegando nele também.

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— Os gringos vão à avenida, ficam olhando e se interessam pelo agogô. Aqui, a gente acha que não, mas tem escola de samba na Alemanha, na França. Os japoneses são danados — diz o bombeiro reformado. — Eles vão perguntando quem é o cara que faz o instrumento e chegam até mim.

Trabalho em família

Há quatro anos vivendo em Madureira, onde segue produzindo os agogôs na garagem de casa, Edgard mudou também a forma de produção. Até pouco tempo, fazia tudo sozinho, mas sente já não ter tanta força. Por isso, é um de seus nove filhos, Edgard Telles Neto que está à frente do trabalho, tomando o ponto do pai.

— Eu dou um auxílio agora. Quem faz quase todo o trabalho é ele. Neste calor, então, não trabalho mais, largo para ele — diz Edgard, rindo e apontando para o filho.

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E, também por causa da idade, Edgard já não desfila mais. As varizes nas pernas não permitem que ele fique em pé por muito tempo, nem caminhe muito. Mas isso não chega a ser um problema para ele.

— Durante o carnaval vou ligar a churrasqueira, sentar e assistir pela televisão mesmo — avisa, com um sorriso no rosto.