Cultura

Conheça Kali Uchis, cantora latina nascida nos EUA que desafia estereótipos da indústria

Filha de colombianos, multi-artista americana se apresenta na próxima edição brasileira do Lollapalooza, em abril
A cantora colombiana Kali Uchis Foto: Rich Polk / Agência O Globo
A cantora colombiana Kali Uchis Foto: Rich Polk / Agência O Globo

RIO — Ao receber o Grammy de melhor álbum de rap, no último dia 26 , pelo inclassificável “IGOR”, Tyler, the Creator aproveitou para reclamar: “Por que quando um cara da minha cor faz algo que as pessoas não conseguem classificar acaba sempre concorrendo como rap ou urban music ? Por que não pode ser pop?” Americana filha de imigrantes colombianos, que sempre transitou entre os dois países, dois idiomas e vários estilos musicais, a cantora Kali Uchis sabia exatamente do que o amigo estava falando.

— O que Tyler disse é aquilo que todo mundo pensava mas tinha medo de dizer — denuncia por telefone a artista, que virá pela primeira vez ao Brasil em 5 de abril, para sua apresentação no festival Lollapalooza, em São Paulo. — Houve um bocado de progresso pelo fim dos estereótipos, mas ainda há muito o que fazer. É a primeira vez que se fala nisso na indústria, dos privilégios que se tem quando se aperta as mãos certas.

Análise: Produtora, compositora e instrumentista, Kali Uchis é uma artista criativa e completa

A artista de 25 anos cresceu entre os Estados Unidos e a Colômbia. Nos início dos anos 1990, seus pais emigraram de Pereira, na zona cafeeira da nação andina, fugindo dos conflitos na zona rural, mas volta e meia retornavam do país de origem. Por fim, estabeleceram-se na cidade de Alexandria, no estado americano de Virginia, onde a jovem começou a desenvolver seu talento musical — na escola, ela tocava piano e saxofone.

Kali saiu do anonimato ao divulgar no SoundCloud e no Youtube músicas que gravou sozinha em casa. Ainda adolescente, chamou a atenção do rapper Snoop Dogg (que a chamou em 2014 para cantar na música “On the edge”).

No ano seguinte, o seu EP de estreia, “Por vida”, listava colaborações de Tyler, the Creator, dos produtores Diplo e Kaytranada e do grupo de novo jazz BadBadNotGood. Em 2017, Kali aparecia como cantora de “She’s my collar” e “Ticker tape”, faixas de “Humanz”, álbum do notório grupo de desenho animado Gorillaz.

Amigos influentes

Já em 2018, ela enfim lançou seu álbum de estreia, “Isolation”, que reuniu um invejável time de colaboradores: o supracitado Tyler, o produtor Steve Lacy, os baixistas Bootsy Collins e Thundercat e Kevin Parker, cabeça do Tame Impala. Conquistou de cara a crítica internacional, que pôs o seu álbum em muitas das listas de melhores de 2018.

— Honestamente, eu não esperava muito de “Isolation”. Não esperava mesmo o sucesso comercial e boa recepção da crítica — minimiza Kali, cujo nome de batismo é Karly-Marina Loaiza. — Tudo que queria no meu primeiro álbum era reunir o máximo de pessoas que eu amava na música. Fiquei impressionada com todos que resolveram participar, isso foi algo que Deus fez. Mas acho que “Isolation” tem menos a ver com as pessoas com quem trabalhei e mais com os dias que eu passei no quarto, com meu computador, combinando influências.

Kali Uchis acredita que o fato de ter crescido em um ambiente multicultural responde por boa parte daquilo que se tornou como artista:

— Sempre gostei de música dos mais diferentes gêneros. Nos Estados Unidos, sendo criada como americana, eu sempre ouvi muito r&b e soul, e toquei em bandas de jazz quando era criança. Mas, sendo latina e indo sempre à Colômbia, ouvi muito a música tradicional de lá... mas todos os meus primos colombianos adoravam Björk!

E, sim, Kali gosta muito de música brasileira.

— As pessoas sabem que a bossa nova teve uma influência sobre mim ( “Body language”, faixa de abertura de “Isolation” é uma inegável bossa ). Eu adoro Astrud Gilberto mas também a música dos bailes funk, do Bonde do Rolê. “Marina Gasolina” era uma das minhas canções favoritas na adolescência. Descobrir música sempre me fez bem, era minha forma de escapar da realidade... Acho que sempre fui uma nerd da música!

Em dezembro, Kali lançou “Solita”, um climático reggaeton cantado em espanhol, a primeira das que devem entrar em seu próximo álbum:

— Nesse novo disco, eu certamente explorarei tantos estilos quanto explorei no primeiro, e irei mais fundo em minhas raízes, com ênfase naquilo que eu ouvia quando adolescente.

Em espanhol

A cantora se diz contente com a popularidade mundial que canções cantadas em espanhol ganharam no pós“Despacito”, megahit lançado pelo portorriquenho Luis Fonsi em 2017.

— O que eu gostaria para a música latina nos próximos anos é que diferentes tipos de música em espanhol começassem a ser aceitos, que se criassem mais categorias para a nossa música — defende. — Que venham os afrolatinos, os indígenas latinos... toda a música latina!

Sobre o show do Lollapalooza, Kali confessa que ele ainda está em preparação:

— Mas definitivamente vai ser algo diferente do que eu fiz antes. Estou aberta a sugestões, quero saber o que os fãs querem ouvir. Eu devo levar ao Brasil uma banda com teclados, baixo e guitarra... só não sei ainda se vou incluir dançarinos.