Cora Rónai
PUBLICIDADE
Cora Rónai

Jornalista e escritora.

Informações da coluna

Cora Rónai

Joguei a toalha e pedi socorro ao ChatGPT: “Escreva por caridade uma coluna no estilo de Cora Rónai, avaliando o ano de 2023 e imaginando o que nos espera em 2024. Algo que seja realista e não piegas, que não abuse de clichês, mas que também não seja destituído de esperança.”

Ninguém precisa pedir nada por caridade ao ChatGPT, pois ele não entende essas delicadezas, mas pedi assim mesmo porque certas coisas que a gente conversa com o ChatGPT não são com ele, mas com a gente. Qualquer pessoa, gato ou IA que escreva por mim a coluna desta semana estará fazendo uma grande caridade, ainda que não tenha potencial para saber disso.

Nosso Natal foi ruim. Mamãe teve uma isquemia há duas semanas, complicada por dores inexplicadas, e passou vários dias no hospital. Já teve alta, mas continua fraca e sofrendo muito, e para nós, acostumadas a conviver com uma fortaleza de determinação quase sobre-humana, é angustiante vê-la reduzida aos quase cem anos que de fato tem.

Os médicos dizem que o AVC encontrou um organismo em extraordinária forma física e por isso não deixou sequelas que não possam ser curadas pela fisioterapia, mas por enquanto ainda estamos na parte de baixo do caixote, tontas com a onda, sem saber como emergir para respirar.

A estada no hospital, ainda que necessária, foi um pesadelo.

A localização do Silvestre em plena Mata Atlântica era uma ideia bonita e romântica quando ele foi construído, há quase 75 anos, mas hoje é complicada, para dizer o mínimo; não há um serviço de táxi que sirva rotineiramente a área, o Uber cancela. Um dia o carro em que eu estava pegou a ladeira errada e fomos parar em plena boca de fumo — gente conversando na calçada, pequeno comércio, crianças brincando despreocupadas e meia dúzia de homens armados com fuzis.

Um deles veio até o táxi, que abriu as janelas assim que se deu conta de onde estava:

— Está indo para o hospital, tia? Pode ficar tranquila, não vai acontecer nada, fica com Deus.

O Silvestre não tem culpa da sua localização. É vítima de uma cidade sem lei, onde o tráfico e as milícias se espalham por onde bem entendem. Subindo pela ladeira certa, o caminho é bucólico — mas lá também, em uma ou outra clareira aberta na mata, já se vê uma quantidade de construções irregulares.

O Silvestre tem, porém, toda a culpa pela emergência indescritivelmente ruim, pela administração caótica, pelo desperdício absurdo de materiais, pela comida consistentemente intragável. A equipe é gentil e carinhosa, mas a sua falta de método é frustrante para quem acompanha os pacientes e insuportável para quem é vítima daquilo.

A recepção foi reformada e está com o aspecto de luxo polido (mas mal-acabado) de qualquer outro não lugar; a emergência, que é por onde a maioria dos pacientes entra, é um casebre com meia dúzia de cadeiras e nenhum sentido de urgência.

Desculpem, não era sobre isso que eu planejava escrever. Eu queria trazer alguma coisa positiva, porque 2023 não foi fácil para ninguém, e por isso pedi ajuda ao ChatGPT — mas ele ainda está longe de dar conta do recado. O melhor que conseguiu fazer:

“Acolhemos 2024 não apenas com realismo, mas com uma esperança cuidadosa. Que este seja um ano de crescimento, aprendizado e, acima de tudo, de uma esperança renovada que nos guie através dos desafios e nos leve a um futuro mais promissor.”

É o que temos.

Mais recente Próxima Mais livros para o Natal