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Cultura fake news

‘Crescem as mentiras e as formas de combatê-las’, diz linguista Steven Pinker

Em ‘O novo iluminismo’, professor de Harvard usa dados para provar que o mundo não está tão ruim assim
O linguista e professor de Harvard Steven Pinker Foto: Jean-Christian Bourcart / Getty Images
O linguista e professor de Harvard Steven Pinker Foto: Jean-Christian Bourcart / Getty Images

RIO — Em tempos de Donald Trump, Brexit, crise migratória, fake news , guerra na Síria e escalada do extremismo pelo mundo, um clima de medo e pessimismo paira no ar. Mas o cientista cognitivo e linguista Steven Pinker tem outra opinião sobre o estado atual da Humanidade.

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Depois de apontar a diminuição histórica dos índices globais de violência em “Os anjos bons da nossa natureza” (2011), o autor agora busca provar, com dados, números e estatísticas, que não há motivo para pânico. Esse é o mote do recém-lançado “O novo iluminismo”.

Você baseia seu otimismo em fatos. Mas hoje os fatos parecem não fazer sentido...

“Em 2004, Bush foi reeleito baseado numa guerra que começou a partir de premissas falsas. Então, mentiras e fake news não são novidades.”

Steven Pinker
Linguista

É um erro ver algo de ruim que acontece agora e deduzir que o mundo está pior. Em 2004, Bush foi reeleito baseado numa guerra que começou a partir de premissas falsas. Então, mentiras e fake news não são novidades. O novo fator agora é que, com as redes sociais, fica ainda mais fácil disseminar informações mentirosas.

Estávamos preparados para isso?

Não, pelo menos para a maneira avassaladora que elas propagaram certos discursos. Nas redes sociais, reina a anarquia, todo mundo pode dizer o que quiser. Elas precisarão mudar para que sejam mais confiáveis. Por sorte, enquanto crescem os rumores e teorias de conspiração, as ferramentas para combatê-las, como o Snopes (serviço de fact-checking) , também ficam mais sofisticadas.

A imprensa pode ajudar nesse controle?

A imprensa é ainda melhor do que a alternativa, que são as redes sociais. Mas há limitações inerentes à profissão nas quais o jornalismo deveria prestar atenção, como seu poder de formar opinião. Quando se mostra um desastre, por exemplo, deve-se também apontar com dados o quão raro ou comum aquele evento é, para colocar em perspectiva o acontecimento. Quando os jornais se tornaram a principal fonte de informação no século XIX, havia o jornalismo marrom. Uma cobertura de notícias desconectada da realidade, e custou bastante para que esses veículos passassem a priorizar fontes confiáveis, a se dedicar a fatos e abandonar escândalos.

“Quero prevenir as pessoas do pensamento falho de que nossas instituições estão tão carcomidas por dentro que devemos apenas destruir tudo e recomeçar do zero. Talvez, combater o cinismo seja uma de minhas principais mensagens.”

Steve Pinker
Linguista

Mas ainda há os tabloides...

Sim, é verdade. Isso vai ter que passar pela educação, para combater o analfabetismo cognitivo. As crianças devem aprender desde cedo o que são fake news .

Após estudar a violência, por que escrever este novo livro?

No anterior, eu descobri que havia outras áreas do bem-estar da Humanidade que também haviam melhorado. Houve aumento da expectativa de vida no planeta inteiro, até mesmo nas regiões mais pobres, como na África Subsaariana. A pobreza global também caiu muito nas últimas três décadas. Eu soube, então, que havia uma história para ser contada.

E por que essas melhorias não são mais propagadas?

Como a mente humana tem limitações cognitivas, há realidades que não conseguimos assumir até que analisemos os números. E tudo está tão distorcido pelas imagens, narrativas e falsos alarmes que esse processo torna-se crucial para entender os aspectos da vida humana. Também tive outra motivação, que foi o aumento do populismo autoritário, com a ascensão de Donald Trump. E essa narrativa era movida por informações falsas, de que o país e o mundo estariam em declínio. Não estão.

Por que muitas pessoas veem otimismo como ingenuidade?

Esquecemos rapidamente a nossa História. O Brasil, por exemplo, viu um progresso enorme. Saiu de uma ditadura, fortaleceu sua democracia. Ainda há muitos problemas, é claro, mas a melhora foi visível.

A empatia está em falta atualmente?

É um sentimento que pode florescer através do bom jornalismo e do ato de se contar histórias. Mas nós podemos sentir a dor do outro apenas até certo ponto. Por isso, temos que propagar a noção e entender que todas as vidas são igualmente importantes. A empatia precisa ser um compromisso para que alcancemos mais igualdade entre a Humanidade.

E o que piorou no mundo de hoje, por exemplo?

Capa de 'O novo iluminismo', livro de Steven Pinker Foto: Divulgação
Capa de 'O novo iluminismo', livro de Steven Pinker Foto: Divulgação

Há problemas que estão maiores, como a mudança climática e a guerra da Síria. Mas o bom das informações bem coletadas é que elas nos conectam com a realidade. Muitos me disseram que o livro mudou sua visão sobre o mundo, que terminaram a leitura menos cínicos. Espero que as pessoas reflitam, que vejam que os desdobramentos políticos são preocupantes, mas quero que elas tenham argumentos para ver a importância da democracia e dos órgãos de colaboração internacional. Precisamos lutar por essas conquistas. Quero prevenir as pessoas do pensamento falho de que nossas instituições estão tão carcomidas por dentro que devemos apenas destruir tudo e recomeçar do zero. Talvez, combater o cinismo seja uma de minhas principais mensagens.

“O novo Iluminismo”

Autor: Steven Pinker. Tradução: Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 688. Preço: R$ 84, 90.