Cultura

Criador da mais tradicional oficina de escrita do país lança livro com ensinamentos

Curso de Luiz Antonio de Assis Brasil formou talentos como Daniel Galera e Luisa Geisler
Luiz Antonio de Assis Brasil: premiado escritor gaúcho comanda oficina de escrita há 34 anos Foto: Raul Krebs / Divulgação
Luiz Antonio de Assis Brasil: premiado escritor gaúcho comanda oficina de escrita há 34 anos Foto: Raul Krebs / Divulgação

RIO — Criador da mais tradicional — e longeva — oficina de escrita literária do país, Luiz Antonio de Assis Brasil não é visto como um “formador” de talentos por seus alunos. É verdade que, ao longo de seus 34 anos de existência ininterrupta, alguns dos principais escritores da atualidade frequentaram o seu curso. De Michel Laub a Luisa Geisler, passando por Daniel Galera e Letícia Wierzchowski, a lista impõe respeito e acumula prêmios.

O que esses nomes encontraram por lá, no entanto, não foi exatamente um tutor. Ele próprio um autor importante, com mais de 20 obras publicadas, Assis atua em seu curso como um mediador, oferecendo ferramentas para que seus alunos pensem e descubram os caminhos de sua própria escrita.

Essa é, aliás, a proposta do novo livro do professor e romancista gaúcho. Aos 74 anos, ele lança “Escrever ficção”, uma obra que reproduz alguns dos conteúdos de suas aulas e auxilia quem deseja escrever textos de ficção. Mais do que um manual ou um conjunto de regras, porém, trata-se de um “percurso de reflexões” sobre a escrita.

— O livro representa minha experiência: são meus conceitos acerca dos fenômenos da composição literária — diz Assis. — Quem quiser refletir, encontrará muito material, e cito como exemplo minha proposta da predominância do personagem sobre a história, ou da organização sistêmica do romance. O bom leitor, porém, entenderá a ideia de manual a partir do conhecimento e reflexão acerca desses temas. Tudo isso conduz à ideia de um manual em que o leitor é conduzido não pela imposição de modelos, mas, sim, pela sua capacidade de associação e dedução.

“Escrever ficção” está repleto de vivências e insights acumulados nesses últimos anos: as dificuldades encontradas pelos escritores no segundo capítulo de seus romances, o tédio em que a narrativa pode cair ao chegar à sua metade, o momento mais adequado de inserir um flashback... Traz também conselhos que os alunos de Assis se acostumaram a ouvir, como “Leve em conta que o final da história nem sempre está no último parágrafo” e “O leitor necessita saber quem está contando a história”. Ou ainda: “Se você deseja que as pessoas se abandonem à leitura — ao invés de a abandonarem —, apresente o conflito no início”.

Escritor premiado

O livro também reflete a uma rica trajetória como ficcionista, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional por “O pintor de retratos” (2001), do Jabuti por “A margem imóvel do rio” (2003) e do Portugal Telecom (atual Oceanos) por “A margem imóvel do rio” (2004).

Se hoje o conceito de oficina literária se popularizou, com cursos espalhados por todo o país (muitos inspirados no de Assis), o cenário era muito diferente quando o autor iniciou seu projeto, no Programa de Pós-Graduação da PUC do Rio Grande do Sul (onde funciona até hoje). Até então, uma das poucas experiências expressivas neste sentido havia sido desenvolvida por Cyro dos Anjos, nos anos 1960 e 1970. Pioneiro nos 1980, Assis usou seu instinto para criar uma pedagogia própria, unindo sua vivência de professor e escritor.

“Sofri oposições, claro. Não da minha universidade, mas dos próprios escritores. É compreensível: qualquer ideia nova é perturbadora, e a primeira reação é negá-la”

Luiz Antonio de Assis Brasil
Escritor

Uma das críticas que se costuma fazer a oficinas de forma geral é que elas uniformizam o estilo de seus alunos. Uma afirmativa que, para Assis, “não encontra qualquer base teórica ou empírica”.

— Tomem alguns de meus ex-alunos e comparem-nos entre si. Não é preciso ser um teórico ou crítico para perceber que cada qual possui sua própria e inconfundível estética textual — diz o professor, que entre 2011 e 2014 atuou como Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul.

Ambiente crítico

Autor de “Barba ensopada de sangue”, um dos mais badalados romances dos últimos anos, Daniel Galera concorda que Assis não “prega” uma determinada maneira de escrever. O maior valor da oficina, acredita Galera, é proporcionar um ambiente de crítica e autocrítica, em que o texto dos alunos é submetido a avaliação.

— Ter participado de seminários semanais ao longo de um ano inteiro, criticando e sendo criticado com base nos contos que produzia, foi o que mais gostei — lembra. — Observando a história de sua oficina, vemos que dezenas de autores que passaram por ela foram bem-sucedidos à sua maneira, e me parece que isso diz tudo que precisa ser dito.

A duração encorpada do curso (aulas semanais de 3h30m de duração, ao longo de dois semestres) motivou a escritora Luiza Mussnich a viajar toda semana, do Rio a Porto Alegre, só para assistir as aulas de Assis.

— Existem muitos cursos de escrita criativa, mas o trabalho dele é diferente dos demais — diz Luiza — Leitora de literatura contemporânea, tive curiosidade de ver a trajetória dos autores que eu andava lendo e gostava muito, como Michel Laub e Carol Bensimon. O Assis era o denominador comum.

“Escrever ficção”

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 400. Preço: R$ 79,90

Capa de "Escrever ficção" Foto: Reprodução / Internet
Capa de "Escrever ficção" Foto: Reprodução / Internet