RIO - Nascido há 29 anos numa família de classe média alta em Port Harcourt, na Nigéria, Damini Ebunoluwa Ogolu pode se tornar o primeiro astro internacional da nova música africana. Sob o nome artístico de Burna Boy, o rapper acaba de lançar um disco (“Twice as tall”) pela gigante Warner e entrou na famosa playlist do ex-presidente Barack Obama. Para o jornal inglês “The Guardian”, trata-se do “álbum que posiciona a música africana no século XXI ao usar sons contemporâneos em melodias e ritmos tradicionais”.
Burna Boy despontou ao lado do maior nome do rap mundial, o canadense Drake, ao participar da mixtape “More Life”, em 2017. No ano passado, cantou no festival californiano Coachella e participou do disco “The Lion King: The Gift” , da cantora americana Beyoncé. Ele é a ponta de lança de uma cena rica. Também da Nigéria, WizKid surgiu para o mundo em 2016, cantando com Drake em “One dance”, primeira faixa a passar do 1 bilhão de execuções no Spotify. E vem conquistando espaço desde então ao lado de artistas como Tekno, Yemi Alade, Mr Eazi e Tiwa Savage. Todos estiveram em “The Gift”, o disco que Beyoncé chamou de “carta de amor” ao continente, com nomes também do Mali, Gana, Camarões e África do Sul.
“Os americanos e outros povos estão prestando mais atenção ( à Nigéria ) agora”, explicou à BBC o nigeriano Kareem Mobolaji, diretor de marketing digital que passou pela Universal Music. “Artistas como WizKid mostram que participações em hits podem aumentar vendas e execuções em toda a África e, na verdade, em todo o mundo”.
Com seu enorme poder de mobilização, Beyoncé voltou ao continente no álbum visual “Black is king” , que acaba de lançar. E chamou a atenção em escala planetária para a emergência da música pop feita hoje na África.
São artistas que têm em comum o hábil uso das linguagens do hip hop e das variações do pop eletrônico. E é isso que salta aos olhos (e ouvidos) também no elenco reunido pelo selo ugandense Nyege Nyege Tapes, com sons que despontam do underground de Uganda, Quênia, Nigéria e Mali. Combinadas com musicalidades ancestrais africanas, essas criações trazem um passado vivo e apontam para um futuro de muita originalidade.
— Esses artistas criam novos usos e técnicas para softwares de beats, inventando verdadeiras gambiarras digitais que representam uma outra forma de escrita sonora — diz o pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco GG Albuquerque, estudioso da nova música africana, para quem a inovação no continente se deve “à abordagem muito criativa da tecnologia em um contexto de desigualdade socioeconômica”. — Em vez de ser mera derivação de modelos mundiais (a propalada “modernidade” da música eletrônica ou a “tradição” africana), eles levam esses modelos ao limite e os recriam, dando luz a um corpo estranho mesmo nos campos dos quais ele supostamente descende.
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Voltando à Nigéria... Burna Boy se aliou a produtores de renome do hip hop, como Diddy (ex-Puff Daddy) e Timbaland, e fez em seu novo disco o que chama de “afro-fusion”: uma mistura do afrobeat nigeriano com rap e dancehall. “Infelizmente, os negros nos EUA foram privados do seu autoconhecimento ( africano )”, disse ele, ao “Guardian”, lembrando que, quando gravou com os rappers americanos YG e Future, sentiu-se como se estivesse “levando os irmãos de volta para casa”.
Em “casa”, surgem no streaming estrelas regionais com grande potencial de ganhar o mundo, como o rapper Kelvyn Boy (de Gana, com um milhão de seguidores no Instagram) e o DJ Lag, da África do Sul, que popularizou o gqom, ritmo criado na cidade de Durban.
Num outro lado da mesma questão, está o selo Nyege Nyege Tapes, fundado em 2015 na cidade ugandense de Kampala, a partir de um festival organizado um ano antes pelo belga Derek Debru e o grego Arlen Dilsizian. Eles se imbuíram da missão de revelar para o mundo a surpreendente música underground da África. Nos últimos meses conseguiram ganhar a atenção da imprensa mundial com o estranhíssimo duo queniano de heavy metal eletrônico Duma e a batucada gótica do Nihiloxica, grupo formado em Kampala por produtores ingleses de música eletrônica e percussionistas locais.
— Durante muito tempo, a África ficou encaixotada na ideia de world music, mas isso foi mudando — conta Derek Debru. — Hoje, por causa da globalização e da internet, a circulação de influências é maior e encoraja jovens produtores a fazer as coisas do jeito que querem, sabendo que há público global para eles
Para ouvir
Nigéria
Burna Boy (“Odogwu”, “Wonderful” e “On the low”)
WizKid (“Joro”, “Smile”)
Mr Eazi (“Supernova”)
África do Sul
DJ Lag (“Ice drop” e “Anywhere we go”)
Moonchild Sanelly (“Bashiri”)
Uganda
Nihiloxica (“Kadodi”, “Endongo” e “Supuki”)
Quênia
Duma (“Lionsblood”)
Tanzânia
Bamba Pana (“Agaba Kibati”, “Biti three”)
Mali
DJ Diaki (“But Show DD1 Mix”)
Gana
Kelvyn Boy (“ODO”)