Cultura

David Diop se torna o primeiro escritor francês a vencer o International Booker Prize

Autor foi premiado por 'Irmão de alma', romance sobre soldados africanos que lutaram pela França na Primeira Guerra Mundial, publicado no Brasil pela Nós
O escritor franco-senegalês David Diop, autor de "Irmão de alma", vencedor do International Booker Prize Foto: Alice Joulot / Reprodução
O escritor franco-senegalês David Diop, autor de "Irmão de alma", vencedor do International Booker Prize Foto: Alice Joulot / Reprodução

O escritor David Diop se tornou, nesta quarta-feira (2), o primeiro francês a ganhar o International Booker Prize, um dos prêmios literários mais prestigiosos do mundo. Anualmente, o International Booker elege o melhor romance traduzido para o inglês e publicado no Reino Unido. Diop venceu com “Irmão de alma”, traduzido por Anna Mocschovakis. Os dois vão dividir o prêmio de £ 50,000 (mais de R$ 360.000). A presidente do júri, a historiadora Lucy Hughes-Hallett, chamou “Irmão de alma” de “extraordinário” e “aterrorizante”.

Publicado no Brasil pela Nós, “Irmão de alma” é um romance de guerra psicológico, narrado por Alfa Ndiaye, um tirailleur , como eram chamados os soldados africanos que defenderam a França contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Seu melhor amigo e companheiro de trincheira, Mademba Diop, acaba morto por um soldado alemão de olhos azuis. Alfa teme ter provocado a morte de seu “mais que irmão” ao zombar dele e duvidar de sua coragem.

Disposto a aplacar a culpa que sente e vingar o amigo, Alfa começa a emboscar soldados alemães para matá-los e lhes cortar uma das mãos com seu facão. Ele leva as mãos decepadas de volta para a trincheira e as guarda como souvenires. Aterrorizados com a mórbida coleção do “soldado chocolate”, os soldados franceses começam a desconfiar que Alfa talvez seja um dëmm , um “devorador de almas”.

Soldados africanos e franceses nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, em 1917 Foto: Pascal Segrette / Dist. RMN-Grand Palais
Soldados africanos e franceses nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, em 1917 Foto: Pascal Segrette / Dist. RMN-Grand Palais

Em entrevista ao GLOBO, no ano passado, Diop contou ter escrito o livro por ser bisneto de um tirailleur que foi atingido por gás mostarda na “Grande Guerra” mas nunca abriu a boca sobre o que lhe acontecera no campo de batalha. Nascido em Paris, em 1966, e criado no Senegal, Diop leu tudo o que pôde sobre os tirailleurs. Percebeu que as representações dos soldados africanos que circulavam na França no início do século XX serviram para legitimar a colonização com a velha desculpa da "missão civilizatória".

— O general Charles Mangin chegou a dizer que os soldados da África Ocidental eram corajosos, mas "crianções" — disse Diop, que participou da programação paralela da Flip — Paradoxalmente, o Exército francês usou a representação da “selvageria africana” como arma de guerra para aterrorizar os alemães. O uniforme dos tirailleurs vinha com um facão. Em “Irmão de alma”, eu quis jogar com esses estereótipos.

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Lançado em 2018, quando a França comemorava o centenário do fim da Primeira Guerra e reconhecia publicamente os serviços prestados pelos tirailleurs , “Irmão de alma” foi finalista do prestigioso Prêmio Goncourt e venceu o Goucourt des Lycéens, cujos jurados são os alunos dos liceus. Até o final do ano passado, o romance já tinha vendido mais de 180 mil cópias.

“Irmão de alma” disputou o Booker Internacional com “La guerre des pauvres” (A guerra dos pobres), do francês Éric Vuillard , “Los peligros de fumar na cama” (Os perigos de fumar na cama), da argentina Mariana Enríquez , “In Memory of Memory” (Em memória da memória), da russa Maria Stepanov, “Cuando dejamos de entender el mundo” (Quando deixamos de entender o mundo), do chileno Benjamín Labatut, e “De ansatte” (Os empregados), da dinamarquesa Olga Ravn.