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Cultura

De entregador de quentinha a padeiro, artistas se viram enquanto aguardam liberação de auxílio emergencial

Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, Lei Aldir Blanc promete R$ 3 bilhões para a cultura
Zé Alex, diretor da Cia de Teatro Enviesada, é também padeiro artesanal Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Zé Alex, diretor da Cia de Teatro Enviesada, é também padeiro artesanal Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO — No início deste ano, o ator e diretor da Companhia Enviezada de teatro, Zé Alex, transformou sua casa, numa vila em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, na panificadora Z Bakery. Inicialmente, a ideia era reforçar a conta bancária no fim do mês, diante de um cenário já pouco alentador no horizonte da cultura. Mas, com a quarentena para combater o avanço do novo coronavírus, foi necessário encarar com ainda mais seriedade o novo negócio.

— Quem trabalha com cultura sempre teve de complementar seus ganhos de alguma forma, mas a pandemia fez com que as alternativas ficassem mais restritas dentro do nosso próprio setor, basicamente amparado por conteúdos virtuais —  disse o artista e padeiro de 43 anos.

Agora, com a aprovação da Lei Aldir Blanc , que promete liberar até R$ 3 bilhões para o setor cultural, trabalhadores da cultura como Zé Alex ganharam uma opção de alívio e socorro para atravessar o momento de crise.

— Se eu tiver direito ao auxílio, claro que vou solicitar. E se tiver direito, mas for negado, faço questão de ser estatística —  diz o diretor da Enviezada, no comando da companhia há uma década.

Lei Aldir Blanc: Entenda como funciona e quem pode ser beneficiado

Homenagem a Aldir

O músico Moacyr Luz comemorou a aprovação da lei e a homenagem feita ao amigo e parceiro Aldir Blanc, morto no início de maio por complicações causadas pela Covid-19. Ele lembrou que Blanc sempre foi atento às causas dos profissionais de cultura, especialmente sobre direitos autorais. Além disso, destacou a necessidade de um olhar mais atento para o setor.

— É difícil fazer as pessoas entenderem a importância da cultura, porque elas não podem ver nem tocá-la. Ninguém veste uma "calça de cultura". É o seu cérebro que usa — disse Luz.

Muitos artistas vêm se virando como podem enquanto o auxílio não chega. O músico João Martins, por exemplo, passou a entregar quentinhas feitas pela esposa.

— A situação segue na mesma, continuamos fazendo quentinha para delivery. Estamos com parceria com restaurantes, um esquema de trocas. Falo deles e ganho produtos. Faço posts patrocinados, foi o que me salvou nestes meses — conta Martins.

Espaços culturais

Aprovada na Câmara e no Senado em tempo recorde (no Senado, teve votação unânime, dia 4 de junho), a lei poderá atender profissionais como o iluminador e diretor de palco Júnior Brasil, que há 14 anos acompanha Bruce Gomlevsky em "Renato Russo  — O musical" e estava em cartaz com a montagem "O canto de Macabéa", no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

— Este recurso é importante não só agora, mas também porque a gente não sabe quando e como vamos poder voltar a trabalhar. A maioria dos contratos é por temporada, você ganha por três meses sabendo que pode passar outro mês parado. Mas ninguém tem fôlego para se programar para uma situação como essa — destaca Júnior. — É um auxílio que chega num momento em que as pessoas estavam muito pra baixo. É difícil não poder fazer aquilo que você sabe e gosta.

Kimani, poeta paulistana de 27 anos, estuda pedir o auxílio. Ela, que foi campeã brasileira de slam (poesia cantada) em 2019, viu os trabalhos minguarem na quarentena.

— Antes eu tinha uma agenda com de 15 a 20 apresentações por mês. Hoje são umas cinco lives ou festivais. E nem todos são pagos.

A lei também vai atender espaços culturais e coletivos, como a Companhia Urbana de Dança, que hoje conta com oito bailarinos, todos oriundos do trabalho que o grupo faz no subúrbio carioca.

— No primeiro mês, banquei do meu bolso. Depois fui negociando com eles, até o momento em que vi que a Lei Aldir Blanc talvez pudesse passar. É isso que o artista quer e merece? Não. Mas foi a boia que nos jogaram — pondera Sonia Destri, diretora do grupo há 15 anos. — Não vejo a lei como ponto de exclamação, muito menos ponto final. Ela deve ser vírgula para o que vem depois.