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Cultura

Denúncias de plágio agitam o meio literário: como fica a autoria no século XXI?

Hoje é muito mais fácil praticar — mas também descobrir — as cópias
Arte de Clara Brandão Foto: Editoria de Arte
Arte de Clara Brandão Foto: Editoria de Arte

Acusações de plágio já respingaram em nomes tão diversos como Valesca Popozuda, Led Zeppelin, o ministro do STF Alexandre de Moraes e até o designer da logo do Galeão.

Num mundo globalizado, empresas têm gastado muito para proteger suas marcas.

Na produção literária, porém, a cópia tornou-se tão frequente quanto o uso dos comandos Control-C e Control-V (copiar e colar). Só neste ano, foram revelados casos envolvendo o britânico Ian McEwan, o americano Dan Mallory e a brasileira Cristiane Serruya, best-seller da autopublicação responsabilizada por surrupiar textos de (no mínimo) 34 autores.

Com tanto conteúdo disponível na internet, há quem sustente que usar escritos de outros é homenagem. Para muita gente, porém, é roubo descarado e ponto final. Opiniões à parte, o plágio está tipificado no artigo 184 do Código Penal Brasileiro como crime passível de três meses a 4 anos de detenção. E multa.

Perfil devastador

O plágio (diz-se também plagiarismo ou plagiato) é o ato de assinar ou apresentar uma obra intelectual de qualquer natureza (texto, música, obra pictórica, fotografia, obra audiovisual etc.) contendo partes de uma obra que pertença a outra pessoa sem a permissão do autor.

Mas a arte só começa onde a imitação acaba.

Em 2009, o argentino Pablo Katchadjian incluiu 5.600 palavras no conto “O Aleph”, de Jorge Luis Borges. Criou, assim, “O Aleph engordado”. A viúva de Borges não curtiu a “homenagem” e processou Katchadjian por plágio. Ele só foi inocentado seis anos depois.

— Hoje, o plágio é fácil de praticar, mas muitíssimo mais fácil de localizar — decreta a historiadora e tradutora Denise Bottmann. — E dura pouco essa coisa do “eu sou o autor”, “eu escrevi”. Até porque todo mundo sabe que não se vive de escrever livro, pelo menos não aqui no Brasil.

Denise é conhecida pela excelência de suas versões e pela inclemência com editores que plagiam traduções — modalidade infelizmente comum no mercado. Em 2010, a Landmark entrou com uma ação contra ela e a blogueira Raquel Salaberry, que acusaram a editora de copiar versões de clássicos para o português. No mês passado, as duas venceram a batalha.

Outro caso recente de grande repercussão foi o do americano Dan Mallory, autor do bem-sucedido suspense “A mulher na janela” e uma das mais festejadas atrações da última Bienal do Livro de São Paulo. Ele foi alvo de um perfil devastador publicado pela revista “New Yorker”, que o pinta como um farsante inventor de histórias sobre sua vida. Logo depois, deu no “New York Times”: Mallory acusado de plagiar o romance “Saving April”, da britânica Sarah A. Denzil.

O advogado do escritor, porém, apresentou provas de que ele havia enviado um rascunho com personagens bem desenhados e tramas bem definidas antes de Sarah começar a escrever seu romance.

— A melhor ficção se baseia em trabalhos anteriores em termos de linguagem e senso de lugar — diz Stuart Karle, professor adjunto da Columbia Journalism School, especialista em lei de mídia. — Na ficção, é mais aceito e espera-se estar sujeito a isso.

A internet facilita o plágio e a descoberta dele, como disse Denise Bottmann, mas a prática vem de muito antes, como mostram episódios emblemáticos da produção literária brasileira.

Caso curioso o dos herdeiros do escritor Humberto de Campos, que moveram ação contra a Federação Espírita Brasileira, reivindicando direitos sobre a publicação de obra psicografada por Chico Xavier, de autoria do espírito do “autor”. A ação foi julgada improcedente. Apesar da perícia ter afirmado semelhança de estilos na obra, não se poderia pleitear direito do espírito.

Outro caso famoso é o do romance “A sucessora”, da escritora e tradutora Carolina Nabuco (1890-1981), que teria virado o romance “Rebecca” (1934), adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock .

— Um escândalo — diz o advogado José Thomaz Nabuco, de 82 anos, sobrinho da escritora. — Roubaram a obra dela.

Saindo do armário

Mas a própria definição do plágio tem mudado ao longo da História. William Shakespeare foi acusado de ter plagiado “Romeu e Julieta” de outro autor. Na verdade, havia cinco versões diferentes do drama. Hoje, o caso provavelmente acabaria nos tribunais.

Para a tradutora Ana Resende, falar de empréstimos, influências e supostos plágios literários requer cuidado:

— Era prática comum autores desenvolverem temas de seus pares e reconhecer isso. O tema do guarda-roupa como um portal mágico, central na série de romances sobre Nárnia, de C.S. Lewis, foi retirado de um conto, “The Aunt and Amabel", de Edith Nesbit. E Lewis reconheceu sua dívida com Nesbit, que hoje é pouquíssimo lembrada.

Todo homem nasce original e morre plágio.

Colaborou (com os plágios, inclusive) Emiliano Urbim