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Cultura

Despedida de David Bowie, 'Lazarus' ganha versão brasileira em SP

Felipe Hirsch estreia em São Paulo sua adaptação para o enigmático musical lançado um mês antes da morte do músico
Carla Salle, Bruna Guerin e Jesuíta Barbosa em cena do musical "Lazarus", dirigido por Felipe Hirsch Foto: Flavia Canavarro / Divulgação
Carla Salle, Bruna Guerin e Jesuíta Barbosa em cena do musical "Lazarus", dirigido por Felipe Hirsch Foto: Flavia Canavarro / Divulgação

RIO - O primeiro contato de Felipe Hirsch com David Bowie foi ainda na infância, quando ganhou o LP “Scary Monsters”, de 1980, que trazia músicas como “Ashes to ashes” e “Fashion”.

— Aquilo me conduziu a um outro mundo. O Bowie me levou ao Velvet Undergound, ao Lou Reed , a um universo de música que foi fundamental na minha vida. Eu passei a década de 1980 sendo formado por toda a curiosidade que eu tive em torno da figura do Bowie — conta Felipe, que aos 17 anos viu o astro de perto em São Paulo, na turnê “Sound & Vision”, e que agora dirige a adaptação brasileira de “Lazarus” , musical escrito pelo cantor com o dramaturgo irlandês Enda Walsh, com abertura nesta quinta-feira em São Paulo (ainda não há previsão para o Rio).

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“Lazarus” foi o canto do cisne do músico inglês — a estreia se deu com a sua presença, em dezembro de 2015, em Nova York, cerca de um mês antes de sua morte. Com canções de várias fases de sua carreira (inclusive a que deu título ao musical, incluída em “Blackstar”, álbum-testamento lançado dois dias antes do seu falecimento ), o espetáculo leva Felipe de volta aos temas de “A vida é cheia de som e fúria”, adaptação do livro “Alta fidelidade”, de Nick Hornby, sobre o dono de uma loja de discos, que ele encenou em 2000 com a Sutil Companhia de Teatro.

— Durante 20 anos trabalhamos essa vertente pop com a Sutil, levando para o teatro um público que não era do teatro. Em 2012, a companhia acabou, e eu parti, com os Ultralíricos, para um outro tipo de pesquisa, mais ligado à literatura latino-americana — explica o diretor. — “Lazarus” não é uma revisitação no sentido nostálgico, não é uma vontade de voltar à Sutil, mas uma forma de mostrar de onde se veio, de lidar com um lugar onde estive na vida.

Um só texto, muitas peças

Em seu primeiro musical (“fui convidado a fazer alguns, mas não aceitei por diversos motivos, entre eles o de não saber como fazer um musical”, diz), Felipe comemora o fato de agora participar de uma comunidade mundial de encenadores de “Lazarus” que fizeram “peças completamente diferentes com o mesmo texto”.

— Só mantive a dramaturgia, cheia de signos e labirintos, com personagens que dizem muito e falam pouco. “Lazarus” é um convite a navegar por esse universo que o Bowie propõe e que provoca a quem assiste de formas sensoriais e intelectuais — defende o diretor, ciente do caráter “anticomercial” do espetáculo, que esteve longe de ser uma unanimidade junto à crítica teatral. — Elas falaram bem e mal do “Lazarus”, mas nenhuma delas falou sobre o que é o musical. O Bowie continuou sendo labiríntico, soltando coisas pessoais que o público só vai descobrir com o tempo, e que se tornam objetos de culto.

David Bowie, no clipe da canção "Lazarus" Foto: Reprodução
David Bowie, no clipe da canção "Lazarus" Foto: Reprodução

Para chegar ao elenco de 11 atores encabeçado por Bruna Guerin , Carla Salle e Jesuíta Barbosa , vários testes tiveram que ser feitos.

— Busquei atores que cantam, não cantores que atuam. Houve um estudo forte e racional sobre o texto para que eles soubessem o que estavam cantando. Levamos um mês até ensaiarmos a primeira música — diz Felipe, que entregou a direção musical de “Lazarus” a Maria Beraldo e Mariá Portugal, novos talentos da cena paulistana, a fim de “transcender a música de Bowie”.

Ficção e religião

Com uma cena que brinca com a gravidade terrestre e com reflexos em espelhos (num trabalho dos cenógrafos Daniela Thomas e Felipe Tassara, que procuraram manter “figuras flutuando com leveza”), o diretor mergulha nos temas de “Lazarus”: alcoolismo, migrações e a ligação entre ficção científica e religião, “de algo que trazido de fora da Terra para sofrer da bondade humana”.

A migração, diz ele, tem a ver com o momento atual em que pessoas saem da África para a Europa, do México para os Estados Unidos e da Venezuela para o Brasil. Já a questão do alcoolismo implica dores de alma (“nossos bairros estão lotados de farmácias, a gente está ficando cada vez mais doente”). E a do parte dos alienígenas, essa pode ser bem pessoal:

— Como a de quem se sente um estrangeiro em relação à sua própria juventude.