Dia Mundial do Livro: artistas celebram prazer da leitura com textos e homenagens

'Ler é transcender', escreve Gilberto Gil; aumento nos preços de publicações impressas tem impedido formação de novos leitores no Brasil
A estante de livros de uma livraria no Rio de Janeiro Foto: Lucas Tavares / Agência O Globo

"Ler é transcender, é ir além do nosso por vezes cruel mundo imediato", escreveu o cantor Gilberto Gil em sua conta no Twitter, na tarde desta sexta-feira (23/4), em homenagem ao Dia Mundial do Livro. Referência ao dia de nascimento e morte de William Shakespeare , a data tem inspirado hashtags e listas de predileções em redes sociais.

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Leitor voraz, Antonio Fagundes publicou uma citação de Mario Quintana para homenagear a a data. "Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas", diz a mensagem postada pelo ator, que escreveu: "São nas páginas mágicas de um livro que podemos viver tantas histórias, aventuras, emoções, diversões e muitos aprendizados. Tudo sem sair do lugar".

Outra que também lembrou a data foi Thalita Rebouças. A página oficial da "Turma da Mônica", publicação de gibis mantida por Maurício de Sousa , ressaltou igualmente a importância da prática de leitura entre jovens. "Ler mais para ser mais: de letrinha em letrinha, uma história é contada e viajamos na leitura sem sair do lugar".

Aumento nos preços impede formação de novos leitores

Vale lembrar: um documento publicado pela Receita Federal há pouco mais de duas semanas voltou a preocupar o mercado editorial com o aumento da taxação dos livros no país. Baseado em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE, o texto  propõe o fim da isenção fiscal para publicações, com a justificativa de que livros não didáticos são consumidos por famílias com renda superior a 10 salários mínimos . Assim, a imunidade tributária não atenderia às classes mais necessitadas, sendo dispensável.

Grosso modo , a tese do governo federal quer dizer que a leitura, no Brasil, é uma prática restrita apenas às pessoas mais ricas do país. A realidade, no entanto, é outra.

Publicada em 2020, a pesquisa Retratos da Leitura 2019 aponta que 52% dos brasileiros são leitores, 70% deles pertencem às classes C, D e E e 20% leem em bibliotecas. Perguntados sobre o que os impede de ler mais, 5% dos leitores disseram que livros são caros, 4% que não têm dinheiro para comprar livros, e 3% que não há pontos de venda perto de onde eles vivem.

A britânica Bernardine Evaristo, que abriu a Flip virtual em 2020, é autora do premiado "Garota, mulher, outras" (Companhia das Letras) Foto: Reprodução / Divulgação
Segundo Itamar Vieira Junior, o livro, que acompanha 12 mulheres negras no Reino Unido, tem "um projeto estético e de trama transformador" Foto: Reprodução
O escritor americano James Baldwin, cuja ficção e não ficção vem sendo publicada no Brasil pela Companhia das Letras Foto: Reprodução / Divulgaçãp
Para Itamar Vieira Junior, "Notas de um filho nativo", livro de ensaios de James Baldwin é "uma obra-prima" Foto: Reprodução / Divulgação
O psiquiatra e filósofo decolonial Frantz Fanon, autor de "Pele negra, máscaras brancas", livro mais vendido em 2020 pela editora Ubu Foto: Reprodução / Divulgação
"Pele negra, máscaras brancas" foi um dos primeiros livros a se debruçar sobre os efeitos psicológicos do racismo Foto: Reprodução / Divulgação
O escritor gaúcho José Falero, que estreou no romance no final de 2020, com "Os supridores" (Todavia) Foto: Reprodução / Todavia
Com uma narrativa ágil, politizada e divertida, "Os supridores" acompanha dois jovens da periferia que escolhem vender maconha de qualidade para superar a pobreza Foto: Reprodução / Divulgação
O escritor carioca radicano em Porto Alegre Jeferson Tenório, autor de "O avesso da pele" (Companhia das Letras), um dos romances mais elogiados de 2020 Foto: Carlos Macedo / Divulgação
Com uma linguagem simples e lírica, "O avesso da pele" acompanha a tentativa de um filho de reconstituir a vida do pai, marcada pelo racismo Foto: Reprodução / Divulgação
Danez Smith, poeta e performer não binário que participou da Flip virtual em 2020, autor de "Não diga que estamos mortos" (Bazar do Tempo) Foto: David Hong / Divulgação
Os poemas de "Não diga que estamos mortos" refletem sobre o que significa ter um corpo negro ameaçado pela violência e pelo vírus da aids Foto: Reprodução / Divulgação

Idealizador da Festa Literária das Periferias (Flup), o escritor Julio Ludemir apontou, em entrevista recente ao GLOBO , uma significativa alteração no perfil do leitor brasileiro recentemente, algo provocado pela ampliação da classe média e pela entrada de estudantes de menor renda no ensino superior, por meio de programas de financiamento ou de políticas de cotas.

— É um perfil de leitores e leitoras que chegou à academia e que sabe exatamente o que quer ler. São responsáveis por fenômenos como a redescoberta da Carolina Maria de Jesus ou da Djamila Ribeiro — ressalta Ludemir.

Grupos pedem doações de livros

Durante a pandemia do novo coronavírus, iniciativas de moradores de favelas e comunidades em regiões periféricas dos grandes centros urbanos do país têm promovido o acesso à leitura em áreas carentes ou com ausência de equipamentos públicos.

Na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a estudante Raíssa Luana de Oliveira, de 13 anos, segue conseguindo doações para a biblioteca comunitária O Mundo da Lua, que montou, em 2019, na comunidade onde mora.

Raíssa Luana de Oliveira, a Lua, criou uma biblioteca no Tabajaras, que hoje conta com mais de 8 mil livros Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

No total, a ação já recebeu mais de 60 mil livros, que também foram doados para outras iniciativas populares — ela calcula que o acervo atual esteja entre 8 e 9 mil títulos. A frequência das visitas e retirada de livros é, para Lua, como a estudante da 8ª série é conhecida, uma prova do interesse da população de baixa renda pela leitura, ainda que esta demanda não apareça na compra de livros novos.

— Na pandemia muita gente, de várias idades, vem retirando livros. Às vezes levam até dez de uma vez. A realidade não permite que as pessoas comprem um livro de R$ 60, R$ 70. Mas, mesmo assim, elas continuam lendo muito — constata Lua, que está colaborando com bibliotecas populares de outros estados, como Minas e Piauí. — Me ligam direto, querendo saber como montar uma biblioteca, ou como conseguir doações. Está acontecendo no país todo.