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Cultura

Disco ao vivo de Cássia Eller volta ao mercado com todas as músicas do show

'Todo veneno vivo' amplia álbum lançado em 1998 com canções e poema de Cazuza e citação a samba de Noel Rosa extirpada do CD original
Cássia Eller, em julho de 1997, num dos shows de "Veneno antimonotonia" Foto: Zeca Fonseca / Divulgação
Cássia Eller, em julho de 1997, num dos shows de "Veneno antimonotonia" Foto: Zeca Fonseca / Divulgação

RIO - Foi o encontro de três exagerados: Cássia Eller (1962-2001) cantava Cazuza (1958-1990) num disco produzido pelo poeta Waly Salomão (1943-2003). Lançado em 1997, o álbum “Veneno antimonotonia” se desdobrou num show, um dos melhores da carreira da cantora, em que ela extrapolou o repertório inicial com incursões pela música flamenca do espanhol Camarón de la Isla (1950-1992) e por outros departamentos.

Gravado em três noites em dezembro de 97, no Teatro Rival, e editado no ano seguinte, “Veneno vivo” foi o primeiro disco da cantora a revelar sua eletricidade no palco (em 96, ela tinha lançado um ao vivo só de violões). Esta sexta-feira, o álbum volta ao mercado em uma nova versão, remasterizada e ampliada: “Todo veneno vivo” .

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Para um disco cujas músicas não chegaram a  tocar muito (ao contrário de “Malandragem”, canção de Cazuza que abriu para Cássia as portas das rádios em 1994), a cantora montou uma banda potente, que acabou ganhando o público com uma pegada roqueira e invocada na execução do repertório.

— Foi uma fase muito feliz da Cássia, ela tinha uma alegria enorme em tocar e estava curtindo as ideias do Waly Salomão ( que também dirigiu o show ). E foi a primeira vez em que eu toquei com ela, no set acústico dos violões. Éramos amigos desde 1992 e começamos a escutar flamenco juntos — revela Rodrigo Garcia, organizador da reedição de “Veneno vivo”, que há alguns anos tem ajudado a viúva e o filho da cantora a cuidar dos projetos relativos a sua obra.

“Todo veneno vivo” traz em sua completude o repertório montado por Cássia e Waly (diretor do antológico show “Fa-tal”, de Gal Costa), com as canções na ordem em que foram apresentadas nas três noites no Rival. São 24 faixas ao todo, 10 a mais do que as que saíram em “Veneno vivo”. Para a nova capa, Rodrigo escolheu uma foto feita de forma absolutamente informal, no camarim, num dos dias de espetáculo.

Detalhe da capa do álbum "Todo veneno vivo", de Cássia Eller Foto: Reprodução
Detalhe da capa do álbum "Todo veneno vivo", de Cássia Eller Foto: Reprodução

— Essa reedição tem muitas coisas do Cazuza que não saíram na época. Tem takes muito roqueiros de “Menina mimada”, “A orelha de Eurídice” e “Só as mães são felizes”, que também mostram a exuberância de intérprete da Cássia — adianta o organizador. — A ideia foi manter o máximo de falas, de coisas que aconteceram entre uma música e outra. Tem o trecho da poesia no final de “Menina mimada” ( “Querido diário (Tópicos para uma semana utópica)”, de Cazuza ) e conseguimos enfim a liberação para citação de Noel Rosa ( do samba “Coisas nossas” ) que ela faz em “Brasil”. Na época, para o disco, tivemos que usar um efeito para inverter a voz da Cássia, tornando-a incompreensível, para não ter que tirar aquele pedaço da faixa.

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De resto, “Todo veneno vivo” traz, com novo tratamento sonoro, as músicas que se consagraram no disco ao vivo original: as de Cazuza ( “Ponto Fraco”, “Billy Negão”), de Renato Russo (“Geração Coca-Cola”), Lobão (“Vida bandida”), Luiz Melodia (“Farrapo humano”), Rita Lee (“Todas as mulheres do mundo”) e Camarón de La Isla (“Mis penas lloraba yo” e “Soy gitano (Tangos)”, além da hoje clássica (lançada naquele show) “Eu queria ser a Cássia Eller”, de Péricles Cavalcanti.

“Veneno vivo” marcou um momento de trasição para Cássia Eller. Logo depois de lançá-lo, ela fez o show de abertura para Bob Dylan e os Rolling Stones na Praça da Apoteose. E, meses depois, estaria montando o show “Quadrúpede”, acústico, com os violões de Rodrigo Garcia e Walter Villaça, mais a percussão de Lan Lan. Ali, ela cantava canções de Nando Reis , como “O segundo sol”, que estariam em 1999 em “Com você... meu mundo ficaria completo” — álbum que iniciou uma muito bem-sucedida fase em sua carreira.

As novas faixas que entraram em “Todo veneno vivo”

“Preciso dizer que te amo”: A parceria de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto é relida em forma de reggae-blues atmosférico, com participação do cantor e guitarrista Luci.

“1º de julho”: Canção que Renato Russo fez para Cássia quando ela estava grávida de Chicão e que ela gravou no ao vivo dos violões. Volta aqui em versão enfezada com banda.

“Blues da piedade”: Um dos clássicos da primeira fase do Barão Vermelho, a música de Cazuza e Frejat ressurge com guitarras a toda e a voz de Cássia em alta voltagem blueseira.

“Por que a gente é assim?”: Outra do Barão inicial, que ganhou tintas de hard rock e uma citação (“se eu quiser fumar, eu fumo, se eu quiser beber, eu bebo”) do velho samba “Lama”.

“Só as mães são felizes”: Cazuza em carreira solo, que Cássia Eller relê caprichando no blues e na ironia em versos como "nunca viu Allen Ginsberg pagando michê na Lapa".

“A orelha de Eurídice”: Mais um Cazuza solo, esse do disco "Ideologia" (1988), levando a cantora para os lados violentos do punk rock, com mensagem sentimental-apocalíptica.

“Menina mimada”: Outra que vai pelo campo do punk. Primeira faixa do LP "Barão vermelho 2" (1983), cantada com ênfase por Cássia e acrescida de um poema de Cazuza com solo de bateria.

“Mal nenhum”: Parceria de Cazuza e Lobão, em interpretação na qual a cantora reforça todo o desespero da letra e a banda cria um clima sombrio e pesado. Um quase heavy metal.

“Bete balanço”: Sucesso do Barão na trilha do filme de mesmo título, ela renasce num embalo funk diferente do original, com muita malandragem e suingue nos vocais da dona da festa.

“Pro dia nascer feliz” com as incidentais “(I can’t get no) Satisfaction” e “Let’s spend the night together”: Efusiva, Cássia faz um carnaval com as canções de Cazuza e dos Stones.