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Cultura

Doc sobre Adoniran Barbosa mostra nuances pouco conhecidas do sambista

Em cartaz nos cinemas, 'Adoniran — Meu nome é João Rubinato' também presta um tributo à cidade de origem do artista
Adoniran Barbosa: morto em 1982, o sambista tem pouco de suas memórias apresentadas as novas gerações Foto: Arquivo Pessoal
Adoniran Barbosa: morto em 1982, o sambista tem pouco de suas memórias apresentadas as novas gerações Foto: Arquivo Pessoal

RIO — Em um trecho do documentário "Adoniran — Meu nome é João Rubinato", cinebiografia do sambista Adoniran Barbosa (1910-1982) em cartaz nos cinemas, o pitoresco protagonista dispara: "Agora, precisa saber falar errado. Se não souber falar errado, melhor ficar quieto que ganha mais". Dica de quem compôs em sua trajetória canções como "Trem das onze", "Saudosa maloca" e "Samba do Arnesto", todas elas marcadas pelo bom humor e uma verdadeira desconstrução de qualquer traço formal do Português.

Para o diretor Pedro Serrano, a adoção de um linguajar popular extremo e flertando com a comicidade foi fundamental para montar a persona criada por João Rubinato, que, em 1934, aderiu ao nome Adoniran em homenagem ao melhor amigo, Adoniran Alves, e ao sobrenome Barbosa como tributo ao cantor de samba de breque Luís Barbosa, de quem era fã.

— O tempo que trabalhou na rádio como humorista foi fundamental na pavimentação desta figura engraçada que a gente conhece dos principais sucessos. Mas, no fundo, era a maneira dele fazer crítica social, expor mazelas, desigualdades, especulação imobiliária — comenta Serrano, que teve o primeiro contato com a obra de Adoniran ainda na infância, durante aulas de música na escola.

Paulistano apaixonado pela terra em que nasceu, o diretor foi movido em sua pesquisa pela necessidade de contar a história do sambista que é sinônimo de São Paulo, morto há quase quatro décadas, e cuja memória foi muito pouco apresentada às novas gerações.

Em 2015, então, Pedro Serrano assinou um curta de ficção chamado "Dá licença de contar", breve incursão no universo do repertório do artista. Agora, ele prolonga essa viagem no trem de Adoniran reunindo depoimentos de familiares, roteiros ainda desconhecidos de programas de rádio dos anos 1940 e 1950, além de imagens raras de filmes em que atuou neste período.

Outros destaques na tela são as peças do acervo pessoal de Adoniran e o pitoresco material sobre a música “Figlio Unico”, versão de enorme sucesso do “Trem das Onze” na Itália.

— Pouca gente sabe também, mas no começo da carreira ele tentou se espelhar no samba carioca, mais malandreado e com letras mais rebuscadas. Mas foi na década de 50, quando passou a olhar para a cidade que o abraçou ( Adoniran nasceu em Valinhos, mas se mudou ainda criança para a capital ), que a coisa deslanchou — pondera o diretor, que exalta São Paulo como espécie de coprotagonista de seu documentário.

A cidade, que completa 466 anos neste sábado, também é uma estrela do filme. Crônicas perfeitas sobre as transformações paulistanas ao longo do século passado, as músicas de Adoniran traduzem a estranheza do autor diante das transformações da capital que conheceu ainda provinciana e se tornou uma das maiores metrópoles do mundo. "É muito violento o progresso, muito cimento", desabafa o sambista em uma passagem do doc.

— Apesar das letras bem humoradas e das tiradas sagazes do Adoniran, o João Rubinato era um cara melancólico e atento a seu cotidiano. Falar de Adoniran é falar de São Paulo e de alguma maneira de algo que me pertence. Suas músicas narram o desenvolvimento da e fazem parte da história de todos nós que habitamos essa metrópole — acredita Serrano.