Cultura

Edi Rock lança disco solo e comemora 30 anos de Racionais MC’s: ‘Queremos ser lembrados como Tim Maia e Jorge Ben’

‘Origens’ mistura o rap de mensagem do paulistano com funk, samba e até sertanejo
O rapper Edi Rock, dos Racionais MC's Foto: Divulgação/Yago Gonçalves
O rapper Edi Rock, dos Racionais MC's Foto: Divulgação/Yago Gonçalves

RIO — Misturar nunca foi um grande desafio para Edivaldo Pereira Alves, o Edi Rock , que leva o gênero das guitarras elétricas no codinome artístico, foi dançarino de breakdance, DJ na equipe de som Bill Black, pagodeiro no grupo Doce Delírio e sambista da escola paulistana Acadêmicos do Tucuruvi antes de se encontrar como rapper e formar os Racionais MC’s , o maior grupo de hip-hop do país, com os amigos KL Jay , Ice Blue e Mano Brown . Por isso, não chega a ser surpresa o caldeirão de ritmos que o músico propõe em “Origens” (Som Livre), o terceiro álbum de sua carreira solo que chegou nesta sexta-feira às plataformas digitais.

Ao longo de 14 faixas, Edi Rock aproxima seu rap de mensagem do funk (em “De onde eu venho”, com MC Pedrinho , de 17 anos), do samba (“Corre neguin, com Xande de Pilares ), do ragga (“Babilon”, com o franco-congolês Pyroman ), do reggae (“Special XIX”, com Alexandre Carlo, do Natiruts ), do blues (“Upperhand”, com o noruguês radicado na Bahia Jan Session ) e até do sertanejo (“Uq cê vai fazer”, com Lauana Prado ). Haikaiss , Rael , Bivolt , Simone Brown , Neew e Hodari completam o time de participações.

— Procuro fazer o que é a MPB, um catado de tudo. Venho da linhagem de DJ, gosto de ver a pista dançar, penso nela. E é também uma influência da minha família, família de quebrada, grande e festeira, onde tocava tudo nas festas — justifica Edi Rock, hoje com 50 anos.

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O disco em si já peita uma linha mais purista e conservadora do rap que condena a fusão com gêneros mais comerciais, como o sertanejo, e também o rótulo de hip-hop dado para grupos como o Haikaiss, com uma pegada explicitamente pop.

— O rap já foi contracultura e hoje é pop. Você tem que ver o som pela qualidade dele, independentemente se tocar muito, se tiver jabá por trás, se for comercial ou não. Tem muita música que toca pra caralho porque é boa. E a música de qualidade tem que ser divulgada — rebate.

As mensagens deixadas em “Origens” também são plurais. A parceria com Xande de Pilares, por exemplo, traz os versos “No morro dos aflitos cai um beija-flor/ Sabedoria que existiu um dia/ Enterraram bem longe pra ninguém encontrar”, que Edi Rock compôs após o assassinato da vereadora Marielle Franco. “Special XIX condena os ataques racistas sofridos pela apresentadora Maju Coutinho, da TV Globo. Há ainda reflexões sobre o cenário político, a origem do povo negro, lembranças da trajetória, luta contra a depressão e canções de amor.

— Para mim, o rap tem que manter a mensagem sempre, mas em “Origens” busco fazer de um jeito que não fique pedante, insistente ou pesado, que a pessoa curta, entenda, reflita e continue vivendo — explica Edi Rock, que se permite “ter mais ousadia” em seus discos solo. — Como eu vou fazer uma mistura com sertanejo nos Racionais? Gravar “Boogie naipe” (disco solo de Mano Brown, com clima de baile black) como Racionais? Não cabe. O grupo é linha de frente, ponta lança, é porrada para derrubar porta.

Os Racionais MC’s estão em turnê comemorativa pelos 30 anos de carreira, lotando grandes casas pelo país — o show chega ao Rio no próximo dia 24, no Km de Vantagens Hall.

Além disso,“Sobrevivendo no inferno”, álbum clássico de 1997, virou livro com letras editadas como poemas, após entrar na bibliografia obrigatória do vestibular da Unicamp. Edi Rock vê, no atual panorama, uma diferente função para as mensagens de denúncia contra repressão policial e violência em geral que marcam a discografia do grupo:

— A gente falava em se defender quando fez aquelas letras. Falávamos pela vida, sobre ser contra se matar na periferia. Crescemos em regiões violentas, onde um matava o outro a troco de nada. Hoje eu falo em retaguarda. Enquanto tem gente por aí com uma bíblia na mão e um fuzil na outra, eu tô com papel e caneta.

E como querem ser vistos daqui a mais 30 anos?

— Como referência para sempre, missão cumprida. Longe de comparação, mas como Tim Maia e Jorge Ben Jor. A gente é do rap, mas do jeito que fazemos, são poucos.