Cultura

Edital para gestão da Cinemateca, publicado um dia após incêndio, encolhe orçamento em 18%

Valor previsto no contrato é de R$ 10 milhões anuais, enquanto, em 2020, lei orçamentária destinava R$ 12,2 milhões ao local; na prática, porém, aportes têm sido menores do que o estimado
Bombeiros combatem incêndio na Cinemateca Brasileira Foto: CARLA CARNIEL / REUTERS
Bombeiros combatem incêndio na Cinemateca Brasileira Foto: CARLA CARNIEL / REUTERS

SÃO PAULO - Na manhã desta sexta-feira, horas após um incêndio atingir uma das unidades da Cinemateca Brasileira , em São Paulo, foi publicado no “Diário Oficial da União” um edital para a contratação de uma organização social para gerir o local. O maior acervo do cinema nacional está há quase um ano sob administração direta do governo federal , que promete, desde a retomada das chaves do lugar , em 7 de agosto de 2020, contratar uma nova entidade para cuidar da casa. A informação foi antecipada pela coluna de Lauro Jardim .

O chamamento público prevê um aporte de R$ 10 milhões anuais dos cofres federais para a nova entidade administrar a Cinemateca. O valor é cerca de 18% menor do que o previsto para 2020. Para o ano passado, a previsão orçamentária para a Cinemateca era de R$ 12.266.969. Esse valor já era inferior ao estimado para 2019, de aproximadamente R$ 13 milhões. O edital dá à organização social a ser escolhida o direito de permanecer por cinco anos na posição, de dezembro de 2021 a dezembro de 2026.

Expectativa e realidade

Na prática, porém, o dinheiro que efetivamente tem sido gasto com a Cinemateca é menor do que o orçado. Ao longo de 2019, dos R$ 13 milhões do orçamento, o governo entregou à Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), organização social que até então cuidava do acervo, apenas R$ 7 milhões. A diferença, segundo a Acerp, gerou um rombo no caixa que agora é discutido judicialmente. A dívida cobrada é de R$ 13 milhões, contendo outras despesas não pagas ao longo de 2020, quando a entidade seguiu à frente do local até o início de agosto, mesmo com o contrato já rompido.

Em 2020, dos R$ 12,2 milhões orçados, foram empenhados de fato somente R$ 3.229.000, segundo documento da Secretaria Especial da Cultura de julho de 2021, disponível ao público, contendo as bases previstas para o chamamento público. Esse montante foi usado entre 7 de agosto de 2020, data em que a gestão federal expulsou a Acerp, e 31 de dezembro, informam na apresentação.

Já em 2021, de 1º de janeiro a 23 de junho, o Ministério do Turismo, ao qual a secretaria está ligada, registra, no mesmo documento, ter investido R$ 8.719.000. Sem funcionários contratados para cuidar do acervo em si, as despesas têm se concentrado na manutenção predial e na segurança do local.

Essa situação é apontada há meses por ativistas como o cenário perfeito para uma tragédia . Sem funcionários que acompanhem um acervo sensível e altamente inflamável, as chances de incêndio aumentam em uma cinemateca.

Em outubro passado, na Carta de Gramado, manifesto assinado por cineastas e apresentado no festival do audiovisual na serra gaúcha, o orçamento para 2021 foi classificado de “uma regressão jamais vista”. “Com tais recursos, a Cinemateca Brasileira será reduzida a um mero depósito de filmes, anulando toda a sua importância e excelência como centro de preservação, irradiador de cinema e cultura”, previam no texto.

Condições

Para ter mais recursos para a gestão da Cinemateca, além do aporte de R$ 10 milhões por ano vindos do governo federal, a organização social, segundo o edital publicado nesta sexta-feira, deve tratar de complementar a receita. O chamamento exige a apresentação de um “plano para captação e geração de receitas” que não seja inferior a 40% do aporte.

Ou seja, a OS que desejar concorrer no edital precisa mostrar que trará ao menos R$ 4 milhões com ações complementares, como “guarda, ações de restauro e conservação de acervos privados de terceiros depositados no local”, “locação dos espaços da Cinemateca Brasileira para a realização de eventos de terceiros”, “parcerias com entidades privadas e públicas, com ou sem o uso de incentivo fiscal” e “realização de eventos pela entidade”, descrevem.

Apesar de só ter sido publicado agora, horas após o incêndio, o edital é esperado desde o segundo semestre de 2020. Prometido diversas vezes ao longo do período, o chamamento, segundo a secretaria, teve seu “estudo de publicização” concluído em novembro de 2020. A partir daí, em 23 de dezembro, registram, o estudo tramitou para análise do Ministério da Economia, que deveria avaliar as condições e então liberar a publicação de uma portaria interministerial autorizando o chamamento.

Essa portaria só veio, no entanto, meio ano depois. Em 9 de junho de 2021, há quase dois meses, portanto, o “Diário Oficial da União” trouxe a portaria Interministerial ME/MTur 5852, com a autorização para o edital.