Cultura

Ele esperava pelo ‘bom dia’, diz Milton Jung sobre Cony

Apresentador do Jornal da CBN destacou a habilidade que o jornalista e escritor tinha para relacionar temas complexos a situações comuns
RG EXCLUSIVO Rio de Janeiro (RJ) 29/02/2016 Perfil de Carlos Heitor Cony - Em homenagem aos 90 anos de Carlos Heitor Cony, a equipe do Globo visita o escritor que fala sobre sua paixao por pintura e charutos cubanos. Foto Ana Branco / Agencia O Globo Foto: Ana Branco / Agência O Globo
RG EXCLUSIVO Rio de Janeiro (RJ) 29/02/2016 Perfil de Carlos Heitor Cony - Em homenagem aos 90 anos de Carlos Heitor Cony, a equipe do Globo visita o escritor que fala sobre sua paixao por pintura e charutos cubanos. Foto Ana Branco / Agencia O Globo Foto: Ana Branco / Agência O Globo

SÃO PAULO - "Ele sempre dizia que a expectativa dele era pelo bom dia". Assim o jornalista Milton Jung , apresentador da rádio CBN , resumiu o prazer de Carlos Heitor Cony , que faleceu neste sábado aos 91 anos, em participar do quadro “Liberdade de Expressão”, veiculado às sextas-feiras, dentro do jornal da CBN 1ª edição. Com pitadas de deboche, referências históricas e citações bíblicas, Cony falou sobre temas do cotidiano aos ouvintes da emissora nos últimos 16 anos, ao lado do colega Artur Xexéo e do âncora da CBN, que se "intrometia na conversa". Mesmo com a saúde fragilizada, Cony participou do quadro até 22 de dezembro, quatro dias antes de ser internado.

— Dentro das converas que tínhamos, pegávamos um tema, a conversa seguia e eu me intrometia (risos). Ele (Cony) sempre dizia, quando o produtor da rádio ligava para ele entrar no ar, que a expectativa diária dele era pelo bom dia. Aquilo mantinha ele vivo, falar sobre um tema do cotidiano, mesmo quando não estava bem de saúde. Ele gostava de trabalhar — afirmou Jung.

O apresentador da CBN ressaltou que Cony nunca era previsível e que a surpresa ao ouvir do colega uma referência histórica sobre algum tema corriqueiro era a mesma que também despertava o interesse do ouvinte do outro lado do dial.

— O produtor ligava pra ele e perguntava ou sugeria o tema. Do outro lado, nós ficávamos esperando o que o Cony ia aprontar. Ele falava da vida cotidiana, mas sempre encontrava uma maneira de citar uma passagem da história do Brasil, uma referência da história mundial, uma citação bíblica. Era sempre surpreendente — recordou.

O jornalista destacou a habilidade de Cony, que flertava com a ironia e o deboche para tratar dos problemas do país.

— Você esperava uma opinião progressista e vinha uma conservadora. Espera o conservador e surgia o progressista. Ele era sempre provocativo. Me lembro de quando o tema do quadro foi o crime organizado no Rio e ele usou o exemplo do apontador do jogo do bicho que ficava perto da casa dele para ilustrar o problema. Ficávamos ouvindo aquilo, ele pegava a bola e não devolvia — resumiu Jung, sobre a capacidade de Cony de relacionar temas complexos a situações comuns.

Segundo Jung, Cony era avesso a homenagens e costumava dizer, quando ouvia "Parabéns Pra Você" em seus aniversários, que não gostava da parte em que desejavam a ele "muitos anos de vida".

— Ele falava que, com a idade, a gente vai se destruíndo, fica doente e que não desejava isso pra ninguém — disse, recordando o humor ácido do amigo.

Questionado sobre as homenagens póstumas a Cony, o apresentador da rádio CBN concluiu:

— Não tem como ignorar uma figura dessa estatura.

PODER DE OBSERVAÇÃO

Colunista da rádio CBN, o jornalista Juca Kfouri definiu Cony como sujeito com "grande poder de observação", capaz de "fazer graça com coisas corriqueiras e ao mesmo tempo ser severo em relação ao comportamento, àquilo que ele considerava que você tivesse fugindo das regras da boa educação".

Em entrevista à Globonews na tarde deste sábado, ele lembrou um de episódio ocorrido logo após a final da Copa do Mundo da França, em 1998, ocasião em que o Brasil perdeu para os anfitriões. Juca se prepavava para deixar o estádio antes da entrega da taça, quando foi interrompido por Cony:

"Juca, saiba perder, fique até o fim", teria lhe dito o cronista.

— Eu disse a ele que tinha um programa de TV para fazer ao vivo do outro lado do Paris. Que se não corresse naquela hora, não conseguiria fazer. Aí ele consentiu, gravemente - contou Juca.

Para o jornalista, Cony ficará para a posteridade:

— Cony era da Academia Brasileira de Letras (ABL). Dizem que são imortais os membros da academia. Não sei se eles são, de fato. Mas eu sei que a partir de agora, o Cony é. O cony fica na sua maravilhosa obra, de livros e romances absolutamente imperdíveis.