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Cultura

Em best-seller adolescente, jovem negro detido injustamente escreve cartas para Martin Luther King

'Estudei a vida do Dr. King e a mensagem dele foi abrandada ao longo dos anos. Ele teria, sim, apoiado o Black Lives Matter', diz Nic Stone, autora de 'Cartas para Martin’, que foi número 1 do New York Times
Livro de estreia de Nic Stone, 'Cartas para Martin' foi publicado no Brasil pela Intrínseca Foto: Divulgação
Livro de estreia de Nic Stone, 'Cartas para Martin' foi publicado no Brasil pela Intrínseca Foto: Divulgação

RIO — Nic Stone cresceu sendo a única aluna negra da turma. Já tinha 27 anos quando leu, pela primeira vez, um livro onde um personagem de sua cor não morria durante a narrativa. Nos últimos anos, assistiu repetidas vezes a noticiários sobre jovens que, mesmo desarmados, foram mortos em abordagens policiais sob a desculpa de terem “aparência suspeita”. Tudo isso a motivou a escrever o best-seller juvenil “Cartas para Martin”, em que narra os dilemas de um adolescente negro e suas “correspondências” com Martin Luther King Jr .

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Publicada no Brasil pela Intrínseca, a obra gira em torno de Justyce McAllister, jovem de classe média que é agredido por um policial branco e, em seguida, detido injustamente. A partir do episódio, o rapaz passa a escrever cartas para o ativista, em que reflete sobre questões raciais e angústias próprias de sua idade, e se pergunta: em seu lugar, o que Martin Luther King faria?

— Estudei a vida e as filosofias do Dr. King e sinto que a mensagem dele foi “abrandada” ao longo dos anos. Por exemplo, ao contrário do que muita gente diz, ele teria, sim, apoiado o movimento Black Lives Matter , que faz exatamente o tipo de protesto não-violento que ele defendia — afirma a escritora, que participa nesta quarta-feira de um evento sobre branquitude , promovido pelo Instituto Ibirapitanga.

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Um dos episódios que motivaram o surgimento da organização antirracista também serviu de inspiração para o livro, publicado nos Estados Unidos em 2017. Cinco anos antes, Nic foi sacudida pela morte de Jordan Davis , adolescente de 17 anos que foi assassinado por um homem branco por causa do volume da música que ouvia em seu próprio carro. Mãe de dois meninos, de oito e quatro anos de idade, Nic sentia falta de obras literárias voltadas aos mais novos que discutissem por que casos como o de Davis ainda são comuns.

— Eu queria explorar a razão de as pessoas olharem para um menino negro e decidirem que ele é uma ameaça, antes de vê-lo como uma pessoa — critica a escritora — Crianças e jovens não só devem ter acesso à informação, mas também a fontes que os ajudarão a entender melhor o que está acontecendo no mundo. Muitas vezes, não damos a eles essa oportunidade.

Continuação aborda encarceramento juvenil

A leveza na abordagem de temas tão densos levou "Cartas para Martin" ao topo da lista de best-sellers do New York Times. A história acaba de ganhar uma continuação: “Dear Justyce”, que também será lançada no Brasil pela Intrínseca, mas ainda sem data confirmada. Na nova obra, Nic traz o ponto de vista de Quan, adolescente que cumpre pena em um centro de detenção juvenil após se envolver com gangues.

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— Passei um tempo visitando esses locais e ouvindo os relatos desses jovens encarcerados. A maioria vem de famílias não tão sólidas, onde eles não têm nenhum suporte. São histórias tão importantes quanto a de Justyce — afirma.

Nesta quarta-feira, a escritora participa do seminário “Branquitude: racismo e antirracismo”, onde falará sobre o papel da comunicação na luta contra a desigualdade racial. O evento será transmitido pelo YouTube do Instituto Ibirapitanga, a partir das 16 horas.

— A anti-negritude é um problema mundial, e digo isso como alguém que morou fora. Vivi em Israel por 3 anos e lá temos as mesmas questões. Os negros suam para arrumar bons empregos, são frequentemente menosprezados… Precisamos discutir o colorismo, porque ele é a regra disso tudo. A cor da pele da pessoa ainda é o que determina como as outras olham e pensam sobre ela — conclui.