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Cultura

Emicida lança livro infantil sobre o medo do escuro

'E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas' entra em pré-venda a partir desta segunda-feira. Rapper lista seus medos: o descaso com a natureza, a violência policial e não ver mais sentido na arte que produz
Emicida anuncia o livro infantil 'E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas' Foto: Divulgação/Julia Rodrigues
Emicida anuncia o livro infantil 'E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas' Foto: Divulgação/Julia Rodrigues

SÃO PAULO — Lançado há dois anos , “Amoras”, estreia do cantor e compositor Emicida na literatura infantil, mantém sucesso comercial — o livro, que aborda de um jeito leve a representatividade e a negritude na primeira infância , ocupa hoje a quinta posição entre os mais vendidos da categoria na Amazon. Agora, inspirado pelo véu das madrugadas embalando a pequena Teresa, de dois anos, o letrista paulistano anuncia ao GLOBO que retoma a parceria com o ilustrador Aldo Fabrini para tratar de um problema muito conhecido pelos pequenos e por seus pais: o medo do escuro.

“E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas” chega às livrarias pela Companhia das Letrinhas no dia 5 de outubro, mas já está em pré-venda a partir desta segunda-feira, no site da Laboratório Fantasma , com kit autografado.

Todo o texto saiu da cabeça de Emicida para o papel durante uma noite insone, sem sinal de celular, em um barco ancorado na Ha Long Bay, no Vietnã, onde o artista passou o réveillon com Teresa, a primogênita Estela e Marina, sua mulher. Na história, o Medo é personificado como um “conselheiro exagerado”, não exatamente um vilão, que comemora a chegada da Coragem, a super-heroína que, ao bradar “Calma!”, “lembra que a gente tem fibra, a gente tem alma”.

Representação do medo no livro de Emicida e Aldo Fabrini Foto: Divulgação/Aldo Fabrini
Representação do medo no livro de Emicida e Aldo Fabrini Foto: Divulgação/Aldo Fabrini

— A questão do medo é muito presente na primeira infância — cita Emicida. — Mas o medo pode ter uma utilidade, que é de ser um bom conselheiro, que fala “pode ir, mas vai na moral”. Às vezes, ele exagera, mas o medo não pode ser maior do que sua coragem. Me debrucei nesse livro para que o encontro entre o medo e a coragem dissipasse todos os fantasmas que podem te assombrar. E essa é a metáfora mais divertida do livro: a vida faz sentido no encontro.

O músico, que não se considera “um militante nem um ativista, mas um artista que não abdica da sua condição de cidadão”, foi instigado pela reportagem a responder se sente medo de algumas situações, e como faz para encontrar a coragem para encará-las.

Maior medo

“Seria chegar no final de uma trajetória onde produzimos tantas coisas bonitas e não ver mais sentido nelas. Isso me deixaria desesperado. Porque suportar o sofrimento o ser humano suporta, agora, a ausência de sentido a gente não consegue suportar. A gente tem que ver sentido no que está fazendo.”

A pandemia

“Não medo, mas uma angústia. E não é em primeira pessoa, porque vivo numa situação confortável. Me preocupo em terceira pessoa, porque sei que a maior parte do país e do planeta não atravessa essa situação numa condição como a minha. Nos primeiros meses e até agora, a gente se ocupou muito mais em tentar fazer com que outras pessoas não passem mais dificuldades do que já estão passando, distribuindo cestas básicas, fazendo lives, angariando dinheiro para ações de projetos sociais em que a gente acredita e que estão sendo mais necessários agora do que já eram.”

Violência policial contra negros

“Sim, me dá medo, porque aí é uma situação que pode me alcançar a qualquer momento, todas as pessoas de pele escura estão sujeitas. Uma vez um amigo falou uma coisa de um jeito engraçado, mas que é verdade: a gente só é famoso de perto, no claro, para quem conhece o universo onde a gente é famoso. O que eu faço para encontrar coragem? Eu trouxe duas crianças pro mundo, tenho que fazer elas acreditarem que pode ser melhor. Então tento dissipar construindo uma conscientização a respeito dessa brutalidade que não tem o direito de acontecer e infelizmente continua acontecendo. Repito isso, falo para o mundo e tento fazer com que as pessoas se contagiem com essa reflexão e passem de alguma forma a lutar contra isso.”

O atual governo

“Só me entristece, porque eu não tenho nenhuma expectativa positiva nele. Não acho que desse contexto vá surgir nada que a gente possa aplaudir. Não existe um governo que flutua na inércia. Se ele não produz nada de bom, muitas pessoas vão pagar, e algumas com a sua vida, por essa inércia.”

Entrar para a política

“Eu não gosto nem de pensar nisso, não tenho essa ambição. As pessoas adoram falar esse barato para mim, tem até um amigo meu que já fez a campanha (risos) . Gosto muito do jeito que eu vivo, da liberdade que eu tenho, e de poder participar, colaborar com ideias e que essas ideias se espalhem e influenciem de alguma forma a política, mas eu propriamente dito não tenho essa ambição. Entendo a expectativa que as pessoas têm. Mas a gente também precisa de alguma forma desassociar a ideia de que é só a inteligência que faz as pessoas ocuparem cargos na política, se não a gente não estava no contexto que estamos hoje. Talvez eu tenha cérebro, mas não tenha estômago para isso.”

Ser cancelado

“Já fui cancelado, descancelado, alçado a pessoa mais incrível de todos os tempos, jogado na sarjeta da militância... Eu tô muito tranquilo. Não faz parte da minha visão de mundo essa lógica simplista de que uma pessoa pode ser resumida a uma atitude errada que ela teve. Eu tive uma série de atitudes que hoje não acharia que seria a forma mais correta de lidar. Me distanciar bastante das redes sociais também me fez olhar para isso de fora e ver que é uma bolha, e uma bolha muito chata.”

O descaso com o meio ambiente

“Sim, me dá medo. Estamos num período perigoso. Ainda há tempo de voltar atrás? A gente consegue salvar o Pantanal e a Amazônia se começar agora a fazer isso? Isso devia ser uma discussão que deveria estar parando e pautando tudo. Porque existem pessoas literalmente morrendo nesse momento por causa dessa questão. Algumas coisas não vão ter volta e infelizmente tanto a irresponsabilidade assassina do governo quanto a indiferença também assassina da sociedade potencializam isso. E minha situação no meio disso é angustiante, porque me faz olhar para o ser humano como um todo, por mais bonito que seja o discurso dele, e pensar que a raça humana no planeta opera como se fosse uma praga.”

Serviço

Capa de 'E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas' Foto: Divulgação/Aldo Fabrini
Capa de 'E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas' Foto: Divulgação/Aldo Fabrini

“E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas”

Autor: Emicida e Aldo Fabrini (ilustrações). Editora: Companhia das Letrinhas. Páginas: 36. Preço: R$ 29,90.