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Por Mauro Villar*


Mauro Villar, lexicógrafo do Dicionário Houaiss Leo Martins — Foto:
Mauro Villar, lexicógrafo do Dicionário Houaiss Leo Martins — Foto:

Sou atualmente a única pessoa que inclui novas palavras no banco de dados do “Grande Dicionário Houaiss”, lançado originalmente em 2001. É uma forma de manter a eficiência (do glossário) e evitar erros. Só no último ano incluí por volta de 3,5 mil palavras. Diariamente, antes de dormir, leio jornais, revistas, livros, vocabulários técnicos em busca de novidades para incluir no nosso banco de dados. Sou autor desse dicionário com o Antônio Houaiss (1915-1999), então, essa responsabilidade tem que ser minha. Temos pesquisadores voluntários de outras áreas como medicina, biologia, física e matemática que me ajudam a verificar se os novos verbetes que escrevo estão com o significado correto. Não são pessoas que trabalham diariamente comigo, mas atuam como colaboradores especializados. Eles fazem esse trabalho porque querem ajudar o dicionário. Também há um redator lexicográfico, igualmente trabalhando por amizade, que me ajuda a conferir se não há erros textuais. Como estou ficando muito velho, meu nível de atenção tem caído, portanto, leio o trecho que vou publicar pelo menos duas vezes e envio para ele.

No Houaiss, registramos a palavra, sua etimologia, e uma datação — que é a primeira vez que o termo aparece publicado. Depois, é preciso saber qual caminho a palavra cursou no período em que ela existe, de onde ela veio, e o que quer dizer.

Garimpo trabalhoso

Tudo é trabalhoso. Há uma quantidade enorme de palavras (em uso) e é preciso fazer determinados raciocínios para saber qual merece ser registrada. Para o trabalho ao longo da pandemia, trouxe um grande número de livros que estavam na sede do Instituto Antônio Houaiss para casa. Minha biblioteca tem 4.000 livros, sendo 350 deles dicionários em português, inglês, francês, alemão, espanhol — para consultar as palavras que são empréstimos de outras línguas. A internet é formidável, mas não tem tudo. Há coisas que só consigo ver nas obras de referência.

O Antônio (Houaiss) foi um norte para minha vida. Ele era meu tio postiço, marido da minha tia. Queria ter uma vida como a dele, que viajou muito e conheceu o mundo. Quando ele voltou a morar no Brasil, após anos trabalhando como diplomata no exterior, eu estava próximo aos 25 anos. Ia diariamente a seu apartamento no bairro de Laranjeiras, no Rio, ouvir a tradução que ele preparava do livro “Ulisses” (de James Joyce). Era uma casa aberta, em que apareciam muitos intelectuais de grande influência como (o poeta) João Cabral de Melo Neto e (o jornalista) Otto Maria Carpeaux.

Antônio me fez o convite para trabalhar no projeto de um novo dicionário da língua portuguesa anos depois, em 1985. Nessa época, eu estava morando em Lisboa, em Portugal, para onde me mudei ao receber um convite para trabalhar na editora Reader’s Digest, como editor-executivo. Havia, em quantidade, diversas coisas no país que eu gostava. Estive em inúmeras exposições, concertos — dos mais diversos, de música contemporânea a medieval —, vivia na cinemateca, onde vi fantásticos festivais. Era muito fácil visitar França, Inglaterra, Espanha, era tudo o que eu queria. Era formidável.

Nessa época meus pais já tinham bastante idade e eu, filho único, já estava há muito tempo fora. E, então, o Antônio recebeu o financiamento para o dicionário e me fez o convite. Iniciamos o trabalho por volta de 1985, mas em 1992 (com a crise financeira deflagrada no governo do então presidente Fernando Collor) as empresas que nos pagavam precisaram parar, voltamos apenas em 1997.

Nessa época, Antônio já estava doente. Junto a nós, no desenvolvimento do projeto, estava Francisco de Mello Franco (engenheiro, morto em 2015), agora estou eu, só. Não lembro exatamente o que acometeu a saúde de Antônio, sei que ele passou por problemas no estômago e foi piorando (ele morreu em 1999, aos 83 anos, antes da publicação do dicionário, em 2001).

Obra descomunal

A segunda etapa do processo de produção do “Grande Houaiss” foi uma maluquice, era uma obra descomunal, para ser finalizada em três anos. Nos meses finais, ficamos sem dinheiro e vendemos mesas, cadeiras e computadores. Todos, mesmo assim, entendiam a importância do que estávamos fazendo.

O Houaiss existe hoje porque estou trabalhando diariamente. Não sei dizer o futuro que o dicionário tomará quando eu decidir me aposentar. Há diversas pessoas capazes, não muitas, para fazer esse trabalho, as últimas que treinamos foi ainda nos anos 2000, mas não estamos preparando ninguém neste momento para me suceder. Sei, porém, que é impossível publicar um dicionário desse tamanho em papel (são por volta de 240.000 palavras cadastradas), por enquanto, vamos vivendo com projetos digitais — como serviços de assinatura on-line—, e serviços corporativos para prefeituras, grupos de advogados, médicos, coisas assim. Nossa base de dados é muito rica de informação, ela interessa a outros dicionários internacionais e universidades que utilizam, pagando, nosso Houaiss Corporativo. O dinheiro vem dessas coisas. Há também alguns glossários mais simplificados, escolares, mínis, que por vezes lançamos. Mesmo assim, a parte financeira vem minguando cada vez mais. Vai haver um momento em que não será possível manter o trabalho da forma em que está. Teremos que reestruturar, talvez vender nossa sede. Por enquanto, conseguimos levar. Eu não sei dizer se estamos no meio ou no fim. Mas certamente não estamos no começo. Trabalharei no dicionário enquanto tiver forças — e, neste momento, eu tenho bastante.

* Em depoimento a Mariana Rosário

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