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Cultura

Exoneração mantém Funarte no centro da turbulenta política cultural do governo Bolsonaro

Presidente da fundação desde fevereiro, Miguel Proença foi arrastado para confusões após nomeação de Roberto Alvim
Miguel Proença também foi diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro Foto: Infoglobo
Miguel Proença também foi diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro Foto: Infoglobo

RIO — A turbulenta política cultural do governo Jair Bolsonaro teve mais um capítulo nesta segunda-feira, com a exoneração do presidente da Fundação Nacional de Artes ( Funarte ), Miguel Proença . A Funarte está no centro das atenções desde a indicação do dramaturgo Roberto Alvim como diretor de artes cênicas da fundação. Por enquanto, quem assume o cargo interinamente é Leônidas de Oliveira, que atuava como diretor executivo.

Nomeado em julho, Alvim havia chamado atenção da classe artística um mês antes, ao lançar em suas redes sociais uma convocação para 'artistas conservadores' criarem uma 'máquina de guerra cultural' . O dramaturgo afirmava ter sido perseguido por defender Bolsonaro e acabou se aproximando do governo — recebendo ligações telefônicas do próprio presidente.

Importante nome das artes cênicas no Brasil, Alvim encenou peças como "Triptico Samuel Becket", "Caesar" e "Leite derramado" — esta última uma montagem do livro de Chico Buarque, de quem era amigo pessoal até iniciar sua guinada bolsonarista. Também foi professor de dramaturgia no Sesi de Curitiba e desde 2007 realizava oficinas e espetáculos no Club Noir, em São Paulo.

Ofensa a Fernanda Montenegro

Quando assumiu o cargo, Alvim deu uma entrevista exclusiva ao GLOBO , na qual denunciou o marxismo cultural, alinhando-se a ideologia do governo Bolsonaro, e defendeu que sua missão seria "promover o renascimento do teatro brasileiro".

— Tudo o que eu faço é para a glória de Deus. Minha luta se relaciona com as Cruzadas na medida em que os guerreiros cristãos lutaram no passado para impedir a destruição de nossa civilização por invasões muçulmanas. De modo análogo, eu luto hoje pela preservação dos princípios, valores e conquistas da civilização judaico-cristã, contra o satânico progressismo cultural. — disse.

A maior turbulência viria quando Alvim ofendeu abertamente Fernanda Montenegro, chamando a atriz de 89 anos (na época) de "sórdida" em suas redes sociais. O ataque veio após a atriz posar para a revista literária "Quatro cinco um" vestida como uma bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira com livros.

Na ocasião, a classe artística reagiu indignada e Miguel Proença afirmou estar "completamente chocado" com as ofensas de Alvim. Um dos pianistas brasileiros de maior renome internacional, Proença estava a frente do órgão ligado ao Ministério da Cidadania desde fevereiro deste ano. Ele substituiu o ator e político Stepan Nercessian. Antes de assumir a Funarte, Proença atuava como diretor da Sala Cecília Meireles , no Rio de Janeiro.

Turbulências na Funarte

Em resposta a esses ataques, ele pediu uma audiência com o ministro da Cidadania, Osmar Terra, para que alguma providência fosse tomada. Proença tentou ainda fazer contato com Roberto Alvim, porém não teve sucesso.

Roberto Alvim Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Roberto Alvim Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

Na sequência desse episódio, o ministro Osmar Terra demitiu, de uma tacada, 19 funcionários do Ceacen , sem qualquer comunicação prévia ao então presidente da Funarte e a Alvim. Porém, Terra voltou atrás da decisão dias depois, no que foi interpretado como uma disputa por poder dentro da pasta com Roberto Alvim.

Entre os servidores da Funarte, o clima é de incerteza e apreensão em relação ao futuro do órgão. É o que atesta um funcionário da fundação, que falou com O GLOBO com a condição de anonimato:

— Desde o governo Temer, estamos passando por mudanças sucessivas na presidência e direção, é impossível dar continuidade a qualquer projeto desta forma. A possibilidade de o Alvim assumir a Funarte também preocupa boa parte do corpo funcional, já que a instituição vem sendo exposta de forma negativa desde a sua chegada, como no caso das ofensas a Fernanda Montenegro.

Problemas no audiovisual

A exoneração é o último capítulo das turbulências criadas pelo governo Bolsonaro na política cultural do país. No começo do ano, o Planalto extinguiu o ministério da Cultura, transformando a pasta em uma secretaria vinculada ao ministério da Cidadania chefiado por Osmar Terra.

Outro grande foco de repetidos incêndios na área são as políticas voltadas para o audiovisual no Brasil. Já tiveram ameaças de extinguir a Ancine , sugestão de criar "filtros" para as produções nacionais e a suspensão de um edital por conter obras LGBT's (que só foi retomado com decisão judicial ).

A Funarte é uma das fundações mais importantes de fomento à arte no Brasil através de prêmios e editais. Ela também mantém espaços culturais como o Palácio Gustavo Capanema e o Teatro Cacilda Becker no Rio de Janeiro, o Teatro Plínio Marcos em Brasília, a Sala Guiomar Novaes em São Paulo, entre outros.

Natural de Quaraí (RS), Miguel Proença tem 79 anos e foi ainda diretor da Escola de Música Villa-Lobos, diretor artístico do Teatro do SESI-RS e secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.

A exoneração de Proença, assinada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda.O presidente exonerado Miguel Proença, o Ministério da Cidadania e a Casa Civil ainda não retornaram aos pedidos da reportagem. Procurado pelo GLOBO, Roberto Alvim não quis comentar a demissão na Funarte.