Cultura

Fabio Assunção: 'Estou no controle da minha vida'

Em entrevista feita com drone, ator afirma que envelhecer é 'ótimo' e diz que corpo sarado, alimentação saudável e iniciação em religião africana deixaram sua mente tranquila: 'Me sinto mais leve com as questões que deixei pra trás'
Fabio Assunção na varanda de sua casa, na Barra Foto: Brenno Carvalho
Fabio Assunção na varanda de sua casa, na Barra Foto: Brenno Carvalho

Não é exagero dizer que surgirá um novo Fabio Assunção pós-quarentena. Ou melhor, ele já está entre nós, vendendo saúde e com 27 quilos a menos. A  mudança no estilo de vida do ator de 48 anos começou com exercício e dieta rigorosa como preparação para a série "Fim", interrompida por causa da pandemia. Mas refletiu na realidade dele, que parou de beber e transformou os hábitos alimentares. O resultado é um corpaço que virou assunto nas redes sociais. No Twitter, internautas fizeram campanha para que a imagem do ator "sóbrio e sarado" viralizasse, e o assunto chegou a ficar entre o mais comentados da rede. No entanto, a maior transformação foi interna, segundo ele.

— Minha cabeça está melhor, penso com mais clareza e me sinto mais leve com as questões que deixei para trás. Estou em paz e no controle da minha vida — diz ele, que se iniciou no ifismo (filosofia religiosa africana, baseada na leitura do Ifá e no culto aos orixás) e aproveita a quarentena para estudar iorubá, direitos humanos e história da política brasileira.

No ar na reprise da novela "Totalmente demais" (e na série "Tapas & beijos" a partir do dia 4), Fabio participou da "Entrevista na janela", série em vídeo produzida pelo GLOBO para esse período em que se recomenda o distanciamento social. O humorista Fábio Porchat , os atores Antonio Fagundes , Maitê Proença , Deborah Secco , Jonathan Azevedo e Babu Santana , os cantores Anitta , Lulu Santos e Zeca Pagodinho além do chef de cozinha Claude Troisgros foram outros convidados. A conversa foi feita por telefone pela reportagem e gravada com um drone.

O ator Fabio Assunção diz que é um novo homem após o período de preparação para a série 'Fim', do Globoplay, e o período de isolamento social por causa da pandemia de coronavírus. Após perder 27 kg para fazer o papel, ele faz questão de frisar que o emagrecimento foi só com alimentação e exercícios. Mais um participante da série Entrevista na Janela, gravada pelo Jornal O GLOBO
O ator Fabio Assunção diz que é um novo homem após o período de preparação para a série 'Fim', do Globoplay, e o período de isolamento social por causa da pandemia de coronavírus. Após perder 27 kg para fazer o papel, ele faz questão de frisar que o emagrecimento foi só com alimentação e exercícios. Mais um participante da série Entrevista na Janela, gravada pelo Jornal O GLOBO

Essa transformação, que começou por conta de um trabalho, foi bem-vinda na sua vida pessoal, né?

É interessante como tudo foi casando. Mas preciso fazer um aparte: Tem gente que acha que tomei bomba, anabolizante. Isso é mentira! Foi um trabalho coordenado pelo Chico Salgado para a série "Fim". Eu tinha que ir de 97 quilos para 78. Aí cheguei nos 69kg. Perdi 27kg sem química, só com alimentação.

Foram cinco meses de um trabalho natural e disciplinado. Começou com exercício aeróbico e alimentação cuidada. Só de desintoxicação carbogênica foram 38 dias. À noite, só tomo uma sopa. Neste momento, trabalho o ganho de massa muscular, como o dobro que estava comendo. Isso me trouxe leveza corporal. A minha relação com o alimento mudou. Abri mão de pão, pizza, de muita coisa gostosa. Mas acabei pegando gosto pelos alimentos verdes.

Podemos dizer que surge um novo Fabio pós-quarentena?

Sem dúvida. Meus hábitos e meus horários mudaram. Essa leveza acelerou meu metabolismo, estou pensando com mais clareza. Esse Fabio está percebendo coisas que não apreciava antes. Estou voltado para o que está acontecendo hoje, sorridente, pensando "eu existo", estou em paz, no controle da minha vida e vendo para onde o mundo está indo. São tantas notícias contraditórias.

Estou neste momento de observação, conquistado com muita alegria, seguindo o fluxo do mundo.  Me sinto bem, aproveito o momento pelo lado positivo e tento acreditar que os ganhos dessa paralisação serão maiores e mais relevantes do que uma vacina nova.

A cultura também está tendo que se reinventar. Que transformações definitivas enxerga?

O Brasil está com a cultura desestruturada. Os esforços feitos pelo legislativo, fundos emergenciais e artistas se reinventando com lives, além de cursos on line são as coisas mais incríveis. Não sei o que virá, mas admiro como a arte sobrevive através da história, se adaptando aos obstáculos, às dificuldades, no meio da política. A gente já teve fases de censura, de uma economia ruim, agora estamos na pandemia. E ela sempre encontra uma forma de trocar com as pessoas, ela se adapta. Vejo colegas encontrando novas possibilidades e se realizando.

Como está sendo a convivência com os filhos, João e Ella, na quarentena?

Minha filha veio algumas vezes, e meu filho está aqui há um mês. João sempre vinha com uma data de retorno para São Paulo, onde mora com a mãe. Desta vez, veio sem prazo de validade. Eu sempre me preocupava em criar uma programação, aí a gente descobriu que apenas conviver, com independência e liberdade, já é uma grande expressão de amor. Posso estar na sala lendo um livro ou tocando violão, e ele está jogando videogame. A gente se achou convivendo dessa forma pela primeira vez.

O que a novela "Totalmente demais" te proporcionou de mais interessante no trabalho?

Eram várias gerações convivendo. Desde Glória Menezes e Reginaldo Faria e Giovana Rispoli, que tinha 11 anos. Foi uma interseção geracional interessante. Ficamos unidos e nos divertimos fazendo. É uma fábula, com momentos ótimos de comédia romântica. Agora, com a reprise, chega 19h30 e minha filha diz: "Pai, preciso ver a minha novela”.

Você também está na série inédita “Onde está meu coração”, como o pai de uma dependente química (Leticia Colin). Qual a importância de levar esse assunto à TV e que questões a série traz para o debate?

A série trata o asssunto de forma adulta . Acho essencial mostrar essas questões às famílias brasileiras, pois muita gente vive isso em casa e vai se identificar. A série propõe uma discussão familiar e não um tratamento humorístico, debochado, equivocado. Sem falar que há todo um capricho, a Luisa Lima dirigindo, um elenco incrível...

Há um respeito enorme pelo tema. A direção e a produção pesquisaram muito. Na nossa preparação, trouxemos pessoas, eu sugeri gente engajada no tema, que trabalha com redução de danos e outras políticas. Espero que gere discussões entre gestores públicos de saúde. Há situações de tortura, violência sexual e até uso de drogas em algumas dessas clínicas. Acho que vai provocar uma reflexão sobre internação compulsória e sobre como a sociedade precisa discutir o tema de forma respeitosa.

A Letícia Colin me disse que ter passado pela depressão a fez olhar com mais empatia para a personagem dela. Em que a sua experiência de vida contribuiu para esse trabalho?

Já convivi com todo tipo de gente. Já tive momentos extraordinários na profissão, como também compartilhei com pessoas que estavam com suas vidas fragmentadas. Me incluo nisso. Não vejo problema em temos nossas dificuldades. Temos que encontrar caminhos para vencê-las, e a sociedade deve apoiar e não jogar para baixo. O que carrego de coisas pessoais para a série é a compreensão que tenho hoje.

Fiz parte de um grupo que estava montando um programa de gestão pública de saúde, junto com psiquiatras, médicos,  gestores. Estava lá dando algum tipo de contribuição. Trago a compreensão diferente de quem nunca viveu ou que vive e nega por medo de ser julgado, criticado, apedrejado. Trago a verdade do meu personagem, que eu pude ver em mim e em outras pessoas.

Aos 48 anos, qual é o maior aprendizado que a maturidade te trouxe?

Não sei. Esse é um ano que vem sendo construído há um tempo. Essa parada do mundo me deu tempo também para olhar dentro de mim. Juntar saúde, alimentação, espiritualidade, uma cabeça mais tranquila. Trouxe silêncio, paz. Não no sentido de estagnação. Tem uma música da Bethânia chamada “Carta de amor”, que fala: “Eu sou haste fina que se enverga com o vento, mas que nem o machado corta”. Acho isso lindo, porque eu me sinto muito flexível. Me sinto preparado para o que vem por aí e estou vivendo o presente.

Você sempre foi muito bonito. Como lida com o envelhecimento?

Acho ótimo. Às vezes, quando querem me elogiar, falam: “Nossa, mas você não envelhece com o tempo”. Penso o contrário, acho a velhice uma conquista. Quem não quer ter 90? Só quem quer morrer agora... Vamos saudar os velhos do Brasil, eles têm sabedoria. Tem o lado estético, mas eu acho lindo as marcas do tempo no rosto da gente.

Muitas atrizes reclamam que, à medida em que envelhecem, os bons papeis rareiam. Isso também acontece com os atores?

É uma questão de roteiristas escreverem obras para as pessoas mais velhas. No  teatro, por exemplo... “Quem tem medo de Virgínia Woolf” não pode ser feito por um ator de 30 anos. Existem personagens para pessoas mais jovens e para pessoas mais velhas.

Em relação às atrizes, acha que o aumento de mulheres nas funções de roteirista e diretora tem ajudado a transformar o cenário?

Evoluir é isso. Não dá para consumir apenas produtos culturais de pessoas que acabaram de aparecer e estão fazendo sucesso. Tem que respeitar quem está chegando, mas isso não anula a experiência de um ator de 70, 90, anos. Nossa maior atriz é a Fernanda Montenegro, com sua integridade, dignidade, lutando politicamente pela cultura, brilhando a cada trabalho. Há outros atores dessa geração que estão invisíveis. Precisa haver uma conscientização da sociedade de não só valorizar o pop, o que está na moda, o novo, mas a nossa história.

Em meio à quarta onda feminista que vivemos, qual é o papel do homem contemporâneo?

Escutar. Sou da teoria de que a mulher tem que tomar o poder. E governar esse mundo, porque a gente fracassou completamente. Brinco que quero obedecer, receber ordens. Quero que as mulheres se apropriem. Inclusive, há uma estatística que mostra que os países liderados por mulheres tiveram maior avanço contra a pandemia. Então...