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Cultura

Filmes contam duas versões do caso Richthofen para público tirar suas conclusões; Suzane processa produtora

Com estreia marcada para o dia 2 de abril, com sessões alternadas nos cinemas, longas são motivos de ação movida por detenta, que perdeu na Justiça
Carla Diaz e Leonardo Bittencourt interpretam Suzane von Richthofen e Daniel Cravinhos em filme Foto: Divulgação/ Stella Carvalho
Carla Diaz e Leonardo Bittencourt interpretam Suzane von Richthofen e Daniel Cravinhos em filme Foto: Divulgação/ Stella Carvalho

Ré confessa e condenada a 39 anos de prisão pela morte dos pais, Suzane von Richthofen foi à Justiça. Motivo? Processou a produtora Santa Rita, responsável por dois filmes que contarão a história do assassinato. O caso, que correu em segredo na Comarca de Angatuba (SP), foi julgado improcedente — mas o receio de Suzane dá uma medida do quanto o crime que chocou o Brasil em 2002 ainda ecoa.

Os dois longas seguem uma estratégia inovadora: rodados simultaneamente, com mesmo diretor (Maurício Eça), equipe e elenco, chegam juntos aos cinemas em 2 de abril — cada um com uma visão da trama.

Carla Diaz como Suzane von Richthofen em filme Foto: Divulgação / Stella Carvalho
Carla Diaz como Suzane von Richthofen em filme Foto: Divulgação / Stella Carvalho

“O menino que matou meu pais” é a versão de Suzane ( Carla Diaz , que despontou como a menina Khadija na novela “O clone”). Ela joga a culpa no então namorado, Daniel Cravinhos (Leonardo Bittencourt), dizendo que foi influenciada por ele. Já em “A menina que matou os pais” , Daniel joga a culpa em Suzane, dizendo que foi induzido, junto com o irmão, Cristian (Allan Souza Lima), a executar Manfred e Marísia von Richthofen ( Leonardo Medeiros e Vera Zimmermann), enquanto dormiam, numa mansão no Campo Belo, bairro nobre de São Paulo.

A maioria das passagens é exclusiva de um ou de outro filme, mas há também cenas-espelho. Elas acontecem no mesmo contexto e cenário, apresentando os fatos de dois pontos de vista. Exemplo: no filme de Suzane, ela diz no tribunal: “Achava que ele ( Daniel ) queria matar meus pais por amor, mas hoje sei que é pelo que o dinheiro pode dar”. Já no de Daniel, ele afirma no julgamento: “Ela sempre me dizia que pensava e planejava a morte dos pais”.

Cena de filme sobre caso Richthofen Foto: Divulgação/ Stella Carvalho
Cena de filme sobre caso Richthofen Foto: Divulgação/ Stella Carvalho

Os filmes são amparados pela decisão do Superior Tribunal Federal (STF) de 2015, que liberou a criação de biografias sem autorização prévia. Baseados nos autos do processo que condenou Suzane e os Cravinhos, os longas tiveram advogados acompanhando cada etapa — incluindo as palavra usadas pela equipe em entrevistas como esta.

— Seguimos à risca os detalhes do processo. O jurídico nos orientou sobre até onde podíamos ir — conta o produtor Marcelo Braga.

O menino que matou meus pais conta a versão do crime por Suzane Foto: reprodução
O menino que matou meus pais conta a versão do crime por Suzane Foto: reprodução

Recentemente, a detenta, que vive em regime semiaberto na Penitenciária Feminina de Tremembé (SP), também tentou proibir o livro “Suzane: Assassina e manipuladora”, de Ulisses Campbell. Mas o STF liberou a obra, que vendeu mais de 20 mil exemplares desde janeiro. Procurada, a advogada de Suzane, Jaqueline Beatriz Domingues, preferiu não dar declarações.

‘The affair’ foi referência

Roteirista dos longas ao lado do escritor Raphael Montes , a criminóloga Ilana Casoy afirma que não há “sequer um evento inventado”.

— Criamos cenas para ilustrar o que foi dito por Suzane e Daniel — diz Ilana, que participou da reconstituição do crime, foi a única civil no julgamento e é autora do livro “Casos de família: Arquivos Richthofen”. —Não usamos fofoca, “ouvi dizer”. É difícil ganhar ação contra a gente, vão alegar o quê?

Foi ao ler o processo, que apontou pontos divergentes nos relatos do ex-casal, que decidiu-se criar roteiros para dois filmes distintos.

— Levei dez anos para perceber que havia duas histórias ali. Mas o Raphael, que tinha 12 anos quando o crime aconteceu e era um papel em branco neste caso, nos fez entender isso — afirma Ilana.

A menina que matou os pais conta a versão do crime por Daniel Cravinhos Foto: reprodução
A menina que matou os pais conta a versão do crime por Daniel Cravinhos Foto: reprodução

O escritor diz que, ao ler os depoimentos, viu “duas grandes fábulas” e buscou referências como a série “The affair” e o filme “Bem me quer mal me quer”, que exploram versões divergentes. Para o autor de romances policiais, era importante começar pelos bastidores que antecederam ao crime, perguntando: como eram essas famílias?

— O que me interessa é o lado humano dos personagens transformados em monstros. Procurei ter empatia. Não concordar, mas compreender a lógica — conta o roteirista.

Nos filmes, o espectador acompanha a relação de Suzane com os pais, o irmão, Andreas (Kauan Ceglio), e Daniel, além do dia do assassinato e o julgamento. O que é verdade e o que é mentira?

— O que aconteceu de fato só os envolvidos sabem. Na versão da Suzane, a Carla tem interpretação de vítima; na de Daniel, o oposto — diz o diretor, Mauricio. — Optamos pelo recorte do julgamento.

Carla Diaz como Suzane von Richthofen Foto: Divulgação Stella Carvalho
Carla Diaz como Suzane von Richthofen Foto: Divulgação Stella Carvalho

Estratégia inédita

O espectador poderá tirar suas conclusões assistindo às duas versões (sem ordem recomendada), de 80 minutos cada. A estratégia de lançamento simultâneo, da Galeria Distribuidora, é inédita mundialmente.

Os filmes serão exibidos nas mesmas (600) salas de cinema, em sessões alternadas. Do próximo dia 19 até 1º de abril, haverá pré-estreias com ingressos valendo para sessões duplas. A partir da estreia, pode-se comprar um combo para os dois longas, pagando meia no segundo ingresso. Não precisará ser no mesmo dia. Quem optar por comprar ingresso para um filme só não tem desconto.

Fake news

Quando o trailler foi divulgado, no mês passado, o assunto tomou as redes sociais. Figurou entre os mais comentados no Twitter. A Galeria Distribuidora lançou, então, posts batizados de “10 dez fatos sobre os filmes” para desmentir boatos. Neles, explicam que Suzane e Cravinhos não lucrarão com as produções. Dizem ainda que as obras foram financiadas por recursos privados (da ordem de R$ 8 milhões), sem verba pública. Sobre a crítica de que o projeto glamouriza o crime, o diretor dá sua versão.

O produtor Marcelo Braga e o diretor Maurício Eça Foto: Divugalção Stella Carvalho
O produtor Marcelo Braga e o diretor Maurício Eça Foto: Divugalção Stella Carvalho

— Não glamourizamos, defendemos ou justificamos. Histórias precisam ser contadas para que não sejam repetidas. É importante discutir a fixação que o brasileiro tem por casos como este — diz Maurício. — Os longas são thrillers psicológicos, gênero pouco explorado no país e muito consumido. Precisamos ocupar esse espaço, que hoje é dos filmes estrangeiros.