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Cinema brasileiro tem presença recorde em Berlim, mas sem ajuda do governo

Com programa da Ancine suspenso, pela primeira vez cinema nacional não terá apoio oficial no festival alemão
Workers lay the red carpet for the upcoming Berlinale Film Festival in Berlin, Germany February 18, 2020. REUTERS/ Michele Tantussi Foto: REUTERS
Workers lay the red carpet for the upcoming Berlinale Film Festival in Berlin, Germany February 18, 2020. REUTERS/ Michele Tantussi Foto: REUTERS

BERLIM — A 70ª edição da Berlinale começa nesta quinta-feira com duas situações inéditas para o Brasil. Além da presença recorde de filmes brasileiros — 19, no total — é a primeira vez que não há apoio financeiro do governo federal às produções nacionais que chegam a Berlim.

Desde que foi criada em 2001, a Ancine costumava apoiar, mediante edital, mais do que a presença dos profissionais em quase cem festivais e laboratórios pelo mundo, mas também a confecção de material gráfico e cópias legendadas, o transporte das cópias para o exterior, seu armazenamento e conservação, além das despesas com a exportação.

Concedido até ano passado, o apoio financeiro para festivais variava entre R$ 2.300, para eventos na América do Sul, R$ 4.600, para viagens à Europa, e R$ 5.750 para Oceania, Ásia e África. Os valores incluíam passagem e estadia. Em setembro, contudo, a diretoria da agência anunciou a suspensão do programa de apoio internacional, alegando falta de recursos.

— Todos os meus filmes, como diretora e produtora, tiveram apoio da Ancine — diz Caru Alves, diretora de “Meu nome é Bagdá”, que estreia na mostra Generation.

Além da Ancine, os filmes brasileiros também contavam com financiamento do Cinema do Brasil, um programa de exportação e fomento implementado pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) e pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). O apoio chegava a US$ 15 mil por produção. No ano passado, contudo, a então diretora de Negócios da Apex, Letícia Catelani, filiada ao PSL, interrompeu a distribuição dos recursos.

— Este ano, nenhum desses órgãos puderam apoiar os filmes que estão indo a Berlim — diz Caru Alves. — É um efeito cascata com consequências gravíssimas. Nesses eventos costuram-se apoios para outros filmes no futuro. É uma política injustificável de desmonte do audiovisual brasileiro.

A Ancine, em nota, alega que o Programa de Apoio a Festivais foi “temporariamente” cortado “devido ao contingenciamento orçamentário determinado pelo Governo Federal”. O comunicado lembra ainda que a diretoria colegiada foi recomposta em janeiro de 2020, e só então “voltou a deliberar sobre as pautas represadas durante a vacância de diretores”. Por isso, o programa “ainda não pôde ser reavaliado”.

Ajuda externa

Matias Mariani, diretor de “Cidade Pássaro”, que este ano estreia na mostra Panorama em Berlim, diz que esse corte vai prejudicar a divulgação do cinema brasileiro no exterior, mesmo com a participação recorde no festival:

— Era possível contar com a Ancine todo ano. Também havia dinheiro do Cinema do Brasil para cuidar da divulgação lá fora. Tudo isso foi cancelado. Os filmes vão ter uma repercussão muito menor do que teriam.

Sem esses recursos, Mariani e as equipes de oito dos 19 filmes brasileiros que chegam este ano à Berlinale conseguiram ajuda financeira do Instituto Olga Rabinovich, uma associação civil sem fins lucrativos de São Paulo.

— A presença é estratégica e o apoio inclui passagens, relações públicas, estadia, anúncios, traduções... — diz Joséphine Bourgois, diretora-executiva do instituto. — Percebemos que esse apoio poderia ficar mais frágil com o novo governo e decidimos ajudar.

Ela nega, contudo, que esteja preenchendo um papel antes desempenhado pela Ancine:

— O que fazemos é cosmético.

Para o cineasta Eduardo Valente, que foi assessor internacional da Ancine entre 2011 e 2016, além da retirada de apoio ao cinema nacional, falta preocupação em dar explicações ao mercado.

— A Ancine tem usado como método o silêncio. Eles não se posicionam e se recusam a responder dúvidas de cineastas. O apoio internacional é um programa de décadas. A Ancine diz que não há recurso. Isso nunca aconteceu antes. Mesmo em vários momentos de crise orçamentária no passado, o máximo que aconteceu foi atrasar o pagamento, e o reembolso ser feito mais adiante.