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Cultura Filmes

Filme 'Favela é moda' expõe sonhos de sucesso da juventude periférica carioca

Em novo documentário, Emilio Domingos, diretor de 'A batalha do passinho', admite: 'O que os personagens falam ali é realmente o que eu quero dizer'
Cena do documentário "Favela é moda", do diretor Emilio Domingos Foto: Francisco Van Steen Proner Ramos / Divulgação
Cena do documentário "Favela é moda", do diretor Emilio Domingos Foto: Francisco Van Steen Proner Ramos / Divulgação

RIO - Julio Cesar Lima, criador da Jacaré Moda, agência de modelos da Favela do Jacarezinho, ensina: “Ninguém é feio, ninguém é bonito, cada um tem o seu perfil”. Ex-porteiro em Copacabana que se fascinou pela cultura fashion ao folhear as revistas que encontrava no lixo, ele é um dos muitos personagens de “Favela é moda”, documentário de Emilio Domingos que será exibido no Festival do Rio, com sessões de hoje a domingo, e que estreia ano que vem no canal Curta!.

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O filme fecha a "Trilogia do corpo" de Emilio, centrada em jovens da periferia e favelas cariocas, que ele iniciou com “A batalha do passinho” (de 2012, sobre os dançarinos nos bailes funk, premiado na Mostra Paralela Novos Rumos do Festival) e continuou com "Deixa na régua" (de 2016, acerca dos barbeiros especializados em cortes artísticos).

Desta vez, a cena é ocupada por garotos como Caio, Marcela e Natália, que buscam na Jacaré Moda o acesso a carreira de modelo para assim conquistarem a fama, a fortuna e o glamour — mas, acima de tudo, para poderem orgulhar-se de ter penetrado em uma cultura que por muitos anos tratou de mantê-los invisíveis.

— Quando eu comecei a filmar o "Passinho", não pensei que ia fazer uma trilogia — confessa Emilio. — O  "Favela é moda" nasceu de um acaso meio absurdo, típico do Rio: uma grife de moda me ligou para fazer um casting de modelos. Eles queriam pessoas negras, como as que tinham visto nos meus filmes. O que, para mim, era estranho, porque a maioria da população é negra e, teoricamente, todo mundo tem acesso a essas pessoas. De certa maneira isso me apresentava um problema, que é a ausência de representatividade do negro e das periferias na moda, na imagem e do marketing.

No contato com Julio Cesar, Emilio ficou sabendo então que aconteceria uma seleção de modelos no Jacarezinho. Ele recomendou que o cineasta fosse assistir e que levasse a sua câmera. Era 12 de abril de 2015 — e, sem que soubesse, começava ali a nascer um filme.

— Era um momento que não se repetiria e foi muito bom ter filmado aquilo, porque foi catártico, muitas coisas aconteceram. O Julio é um orador incrível, tem um carisma absurdo — elogia Emilio, que ali acabou conhecendo alguns dos meninos e meninas que acompanharia ao longo de quatro anos de filmagem, ouvindo suas queixas e sonhos, e acompanhando a transformação deles em modelos profissionais. — Eles não estão em busca dessa moda padronizada global, mas de pessoas no mundo que sejam semelhantes a eles, que tenham amor pela moda e uma afinidade com o que eles fazem aqui no Rio.

Emilio Domingos, diretor do documentário "Favela é moda" Foto: Divulgação
Emilio Domingos, diretor do documentário "Favela é moda" Foto: Divulgação

A partir dos encontros registrados pela câmera, acabou se construindo o filme mais político da "Trilogia do corpo".

— Essa é a geração da favela e das periferias que chegou à universidade e começou a refletir sobre a própria existência, sobre as questões que a afligem no cotidiano. Eles são articulados, é a geração que usa a internet em busca de informação, que se organiza, que tem uma atuação política — analisa o diretor. — Para algumas das pessoas ali, andar pela rua é um ato político, de enfrentamento das muitas questões de uma sociedade que tem se mostrado muito conservadora e agressiva com quem é diferente.

Ressaltando que os casos de homofobia e de racismo explodiram no país ao longo dos quatro anos em que o filme foi feito ("e os personagens sofreram muito com isso"), Emilio admite que "Favela é moda" não tem tanto do humor e dos papos saborosos e espontâneos que lotam seus outros filmes — as mensagens são mais duras. Desta vez, além de meramente observar os objetos dos seus documentários, ele partiu para entrevistas individuais com 13 dos candidatos a modelos, para aprofundar questões levantadas nos encontros:

— Esse filme é, de certa forma, uma resposta a algumas coisas que eu ouvi no "Passinho" e no "Deixa na régua”. Muitas vezes fui atacado porque as pessoas interpretavam o que os personagens falavam como algo que, na verdade, era eu que queria dizer. Pois nesse filme muito do que os personagens falam é realmente o que eu quero dizer!

“Favela é moda”

Hoje: Estação Net Gávea, 19h.

Sáb.: Cine Odeon, 13h.

Dom.: Kinoplex São Luiz 1, 19h.

Classificação: 10 anos.