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Marina Lima: 'Eu achava que o Rio queria me enquadrar’

Protagonista de documentário de Candé Salles, que estreia quinta-feira, a artista sinônimo de carioquice fala dos motivos pelos quais prefere morar em São Paulo
Cena do documentário "Uma garota chamada Marina", de Marina Lima e Candé Salles, que tem a cantora como protagonista Foto: Divulgação
Cena do documentário "Uma garota chamada Marina", de Marina Lima e Candé Salles, que tem a cantora como protagonista Foto: Divulgação

RIO - A artista que dá aula de música, que atua em ONG ajudando crianças, que ama os bichos e trocou a terapia pela cabala. Essa é a Marina Lima que aparece no documentário “Uma garota chamada Marina”, de Candé Salles, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas.

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Amigos há duas décadas, ela e o diretor assinam o roteiro do filme, produzido em parceria com o canal Curta! (estreia  no canal dia 27/1), e que tem como ponto de partida a mudança da cantora, carioca da gema, para a capital paulista, em 2009. Candé Salles é um dos poucos homens que Marina namorou na vida, e resolveu mostrá-la em sua intimidade.

O documentário também destaca três discos da artista: “Clímax” (2011), “No osso” (2016) e “Novas famílias” (2018), além de turnês e outros shows pelo Brasil, como o espetáculo “Dois Irmãos”, que Marina produziu ao lado do irmão, o poeta e filósofo Antonio Cicero, com quem compõe desde o início da carreira. E também foca em situações mais delicadas, como o problema de depressão que a cantora teve logo depois do lançamento de “Abrigo” (1995). Na época, a artista vivia o seu auge profissional e chegou a perder a voz, tendo que cancelar mais de 60 shows. Assuntos que a própria Marina comenta na entrevista a seguir.

De namorados a grandes amigos. Qual espaço Candé Salles ocupa em sua vida?

Ele é um dos meus maiores amigos de todos os tempos. Fernanda Montenegro fez 90 anos e vem falando muito de nomes como Sergio Britto e Ítalo Rossi como seus cúmplices. O Candé tem esta importância para mim. Com este filme, ele quis contar nosso pacto de amor e amizade. Ele conta a nossa história, a intimidade que temos um com um outro, uma felicidade enorme.

Gostou do resultado do filme?

Sou uma pessoa introspectiva, acho que o mundo precisa de muita graça. Se você não ri, não vale a pena. Eu rio com pouca gente, mas rio muito. O Candé mostra um lado muito engraçado da minha vida, e acho que as partes de estúdio em que eu falo sobre música com meus músicos são muito impactantes para mim.

Você é supervirginiana, detalhista. As pessoas te acham chata?

Depois dos 60, isto não importa mais. Eu cobro de mim um acabamento estético na minha música, e isto pode estar tanto numa lambada, como a que gravei agora, como no restante da minha musicalidade, que é louca.

No documentário, Candé explora momentos como a depressão que levou você a perder a voz, tendo que cancelar shows. De onde tirou forças para superar isto?

Eu tinha uma turnê de 60 shows do disco “Abrigo” (1995). Mas tive a depressão, estava mal, afetou minha voz. Antes eu tinha feito o disco “O chamado”, que era todo para dentro, e achei que as pessoas não iam gostar, mas fez o maior sucesso. Me vi como uma cantora interpretando sucessos, com banda grande, estava no auge, era A cantora pop. Pensei que queriam me “lavar” para eu parecer mais normal. Eu não aguento, não sou assim. Pensei muito, mas não teve jeito. Tive que cancelar. Superei a depressão com muita análise e depois cabala. A análise é muito bom para você saber quem você é. Mas chegou uma hora em que eu já sabia quem eu era. Aí quis ser melhor com os outros e fui fazer cabala.

Cena do documentário "Uma garota chamada Marina", de Marina Lima e Candé Salles, que tem a cantora como protagonista Foto: Divulgação
Cena do documentário "Uma garota chamada Marina", de Marina Lima e Candé Salles, que tem a cantora como protagonista Foto: Divulgação

Como você foi parar nua na capa da Playboy (em 1999)?

Teve uma época que eu estava sem grana. E fazia análise com Arnaldo Goldenberg. Ele me disse: “Marina, você nunca parou de malhar. Não teve uma época que surgiu um convite para posar nua?” Fiquei sem reação, mas ele falou que era “prescrição médica”. Aí posei aos 45 anos.

Você considera Letrux, com quem compôs a música “Mãe Gentil” (2018), a sua “filha musical”. Por quê?

Faz 10 anos que saí do Rio para morar em São Paulo, e eu saí feliz da vida, estava de saco cheio do lugar que eu amo, que é minha cidade, então eu posso falar sobre isto. A parceria com a Letrux é uma alegria, o reencontro com o Rio que mais amo, e não estou falando de um Rio óbvio no sentido de ser banal, mas do Rio de Vila Isabel. Não é só do samba, mas o Rio de pessoas loucas como eu, que surgem com esta mistura toda e fazem tudo com mais emoção. Minha parceria com ela tem este lugar da admiração que eu sei que é recíproco.

Por muito tempo morou com seu irmão, o poeta Antonio Cícero. Tanta intimidade ajudou ou atrapalhou?

Começamos a compor juntos, irmãos. São quase 200 músicas juntos. Mas uma hora acho que ele enjoou de mim. No começo achei estranho. Mas depois percebi que ele não queria ficar sempre ligado a mim. Eu era Marina, ele era compositor, poeta, escritor. Ele queria compor com outros parceiros. Depois eu percebi que foi bom para mim também. Comecei a compor sozinha , encontrei outros parceiros.

E como foi o reencontro?

No filme tem o show que marcou nosso reencontro, em Porto Alegre. Foi lindo, eu e meu irmão relembrando nossa vida e carreira musical. Aí eu e ele percebemos que estávamos com saudade um do outro. E já estamos com saudade há 15 anos. A gente sempre tentou traduzir o nosso mundo nas músicas. Vira-latas talentosos querendo mudar o mundo pelo desejo.

Você começou a compor com ele?

Morávamos em Washington e achei um poema dele no chão chamado “Alma caiada”, que foi gravado pela Bethânia, e musiquei. Gravei uma fita que mandei para a gravadora e fiz um teste com meu violão. Assinei contrato. Foi assim que começamos.

Sempre soube que queria ser cantora?

Eu fui estudar música para ser maestro. Não queria ser cantora. Aí me juntei com Cícero e comecei a cantar. Porque você pode ter mil ideias, mas quando encontra pessoas da mesma tribo a coisa vira, tenho 22 discos.

O público que foi ao seu show em 2019 no Circo pediu para você voltar a morar no Rio. Bateu vontade?

Ainda não.

Sua música é tão carioca, por que continuar vivendo em São Paulo?

Eu achava que o Rio queria me enquadrar. Tem o Corcovado, o Cristo, a Marina Lima. Aí eu pensei: estou viva, cheia de ideias. Não vou ficar aqui não. Quero um lugar onde as pessoas se interessem pelo que estou pensando agora. O Rio tem isso sempre de “Qual o último grito? Qual a turma?” E parecia que eu não tinha mais isso.

Você se renova na música e fora dela? Atualmente, está trabalhando em algum projeto?

Estou fazendo muitos shows pelo Brasil do álbum “Novas Famílias”, indo, quando consigo, às sessões do filme “Uma garota chamada Marina”, e também preparo o meu songbook.

Onde ainda pretende chegar?

Pretendo viver a minha vida plenamente, isto inclui música e prosa.