VENEZA — A amizade entre um menino de 11 anos e um cão de briga está no centro do drama turco “Sivas”, de Kaan Müjdeci, que fez sua estreia na competição do 71º Festival de Veneza nesta quarta-feira (3). Mas nem todos entenderam muito bem a relação entre a história de amadurecimento de um garoto do interior da Turquia, um mundo dominado pela figura masculina, e inúmeras rinhas de cães que pontuam a trama: alguns jornalistas, irritados, vaiaram o filme ao fim da sessão para a imprensa.
“Sivas” apresenta uma cidade rural da Anatólia, no lado oriental da Turquia, dominada por pastores e casas humildes. É nesse cenário que o pequeno Aslan (Dogan Izci), criado pelo irmão mais velho e o pai idoso, enfrenta as primeiras decepções de sua curta vida: o papel de príncipe numa peça da escola vai para o rival, e a menina de quem ele gosta, escolhida para interpretar a princesa, o ignora. O garoto tenta impressioná-los com o seu novo amigo: Sivas, um cão de briga resgatado de uma derrota quase fatal, que os adultos agora cobiçam como estrela das rinhas da região.
Proibida em diversos países, inclusive na Turquia, a prática foi explorada pelo diretor no documentário “Babalar ve ogullari” (“Pais e filhos”, em tradução livre). Aqui, as rinhas funcionam como elemento dramático de um filme sobre o momento decisivo de um garoto, que se prepara para entrar na adolescência.
— Estamos em 2014. Nem todos os filmes precisam ter uma mensagem. O que eu queria mostrar em “Sivas” é esse menino cheio de inocência e de vida interior, suas experiências na escola e na vila onde mora, que o levam a um outro estágio de seu crescimento — explicou o diretor, estreante na ficção. — Em sua inocência, Aslan não entende a lógica das rinhas; na verdade, ele nem quer que seu cão participe das brigas, mas acaba cedendo porque deseja ser aceito pelos outros de alguma forma, inclusive os adultos.
*Carlos Helí de Almeida está hospedado em Veneza a convite do festival.