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Cultura Filmes

Investimento, cota de tela, visão estratégica: os segredos por trás da 'onda coreana'

Orçamento de 2020 para o fundo de incentivo ao mercado cinematográfico do país é de US$ 85 milhões
O diretor Bong Joon-ho (centro), o roteirista Han Jin-won, a produtora Kwak Sin-ae e as estatuetas conquistadas em quatro categorias no Oscar Foto: VALERIE MACON / AFP
O diretor Bong Joon-ho (centro), o roteirista Han Jin-won, a produtora Kwak Sin-ae e as estatuetas conquistadas em quatro categorias no Oscar Foto: VALERIE MACON / AFP

RIO — As estatuetas de quatro categorias recebidas na 92ª edição do Oscar por “Parasita”, de Bong Joon-ho , coroaram uma temporada que começou com a Palma de Ouro em Cannes, em novembro, e seguiu por importantes premiações da indústria, como o Globo de Ouro, Bafta, Critics' Choice e Independent Spirit. O fato de uma produção sul-coreana ser a primeira em língua não-inglesa a vencer o Oscar de melhor filme é a consagração não apenas de seu diretor, que virou o novo queridinho de Hollywood, mas de uma estratégia de investimentos culturais do país asiático nas últimas décadas, responsável pelo sucesso de sua centenária indústria audiovisual e por fenômenos como o K-Pop.

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Vencedeor de três das principais categorias da Academia (filme, direção e roteiro) além da de filme internacional (entrando para a História como o primeiro longa a levar as duas estatuetas), "Parasita" sintetiza décadas de investimentos públicos no mercado audiovisual, que desde os anos 1990 passou a ser visto pela Coreia do Sul como um setor estratégico para o desenvolvimento do país e a conquista de novos mercados.

Bong Joon-ho segue a trilha de outros cineastas do país, a exemplo de Park Chan Wook ("Oldboy"), Hong Sang Soo ("Certo agora, errado antes") e Lee Chang Dong ("Em chamas"), que contaram com uma estrutura voltada à produção e promoção das obras internamente e no exterior.

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Desde 1973, o setor conta com o Korean Film Council (KOFIC), um conselho subordinado ao Ministério da Cultura, Esporte e Turismo do país, responsável para elaborar políticas de apoio ao mercado audiovisual coreano, através de investimentos, pesquisa e capacitação, além da promoção dos filmes no mercado interno e no exterior. Em 2013, toda a estrutura do Conselho foi transferida da capital Seul para Busan, cidade que sedia o maior festival de cinema da Ásia.

O KOFIC administra um projeto de incentivo e desenvolvimento da indústria, que arrecada 3% do valor dos ingressos. Em 2020, o orçamento para o fundo de incentivo ao mercado cinematográfico da Coreia é de US$ 85 milhões, segundo informações do Centro Cultural Coreano no Brasil, que tem sede em São Paulo. Este fundo é utilizado para investimento a produção de filme, a distribuição e a educação aos profissionais da área.

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A audiência dos filmes nacionais foi beneficiada por políticas de cotas de tela adotadas desde a década de 1960, período em que o país vivia sob uma ditadura, com um controle rigoroso sobre produtos estrangeiros exibidos no país. Em 1967, os cinemas tinham de exibir obras locais durante 146 dias por ano, número que caiu para 73 dias em 2006. Em 2019, 611 filmes nacionais foram produzidos e 1.144 filmes estrangeiros foram distribuídos na Coreia. Em média os filmes nacionais ocupam cerca de 30% do mercado. Para efeito de comparação, o Brasil regulamentou no ano passado as regras para a reserva de mercado para filmes nacionais , na qual o período varia  de acordo com o tamanho das empresas exibidoras: empresas com apenas uma sala são obrigadas a exibir filmes brasileiros por 27 dias, enquanto as que tenham a partir de 201 salas devem dedicar 57 dias de sua programação ao cinema nacional.

A proteção ao mercado local e o investimento fizeram com que a indústria cinematográfica sul-coreana se tornasse a quinta maior do mundo, com um faturamento de  R$ 6,7 bilhões. As cerca de três mil salas de cinema do país, das quais 80% estão em multiplexes, acumularam 216 milhões de espectadores no ano passado.

Além dos prêmios, "Parasita" acumula, até o momento,  uma bilheteria global superior a US$ 175 milhões (US$ 35,5 milhões domésticos e US$ 139 milhões no resto do mundo) o recorde de arrecadação no país. Em relação ao número de espectadores, contudo, ele ocupa a 19ª posição entre os filmes mais vistos,  com cerca de 10 milhões de ingressos vendidos — o recordista é "O almirante: correntes furiosas" (2014), drama de guerra de Kim Han-min, que levou 17,6 milhões de pessoas aos cinemas.

— A premiação de "Parasita" foi uma glória não só para Coreia, mas para todo o mercado cinematográfico dos países da Asia. Por outro lado, isso traz um novo desafio para o cinema coreano. O mercado está se deparando com grandes mudanças, com o surgimento de plataformas como Netflix, os webdramas etc — ressalta Young Sang Kwon, cônsul e adido cultural do Centro Cultural Coreano no Brasil. —  Para que os filmes coreanos possam se tornar o centro deste novo cenário, precisam se adaptar ao novo mercado de conteúdos culturais inovadores.