Sabrina Korgut e Raul Veiga no Mirante do Pasmado: pose clássica
Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
RIO - Marchinhas, turbantes, Donald Trump, os rumos da política brasileira. A quantidade de temas que transformam redes sociais em campo de guerra não tem fim. A grita agora também gira em torno de “La la land: cantando estações”, que no próximo domingo concorre a nada menos que 14 estatuetas no Oscar — recorde antes alcançado por apenas dois filmes, “Titanic” (1997) e “A malvada” (1950). “Muito
white people
para o meu gosto. E um branco querendo reinventar o jazz?”, cravou alguém no Twitter, levantando a questão do racismo. “Sobre ‘La la land’: odiei e amei na mesma intensidade”, escreveu outro, ainda indeciso, mas que nem por isso deixou o extremismo de lado. Um fã confesso e apaixonado não teve vergonha de se declarar: “Socorro, quero casar com este filme”.
Quem não gosta diz que Emma Stone e Ryan Gosling — que interpretam os protagonistas Mia e Sebastian, um casal que se apaixona ao mesmo tempo em que persegue seus sonhos em Los Angeles — cantam mal e não sabem dançar. Que o filme não tem nada de marcante. Que o recorde de indicações é incompreensível. Neste grupo está o autor Aguinaldo Silva, que, pelo Facebook, comentou: “Se este foi o melhor filme produzido este ano, então o cinema acabou”. E continuou: “Dá para perceber que ensaiaram rigorosamente cada passo durante semanas até no mais mínimo gesto de dedos, mas ficaram a quilômetros da perfeição...”.
Autor e diretor de alguns dos principais musicais brasileiros, Claudio Botelho diz que quase todos os defeitos apontados no filme pelo público detrator são, para ele, qualidades.
— O charme é que os cantores cantam como a gente. Musical é lugar de voz, seja ela bonita ou feia, de gente que até desafina, mas conta uma história — analisa.
A atriz, coreógrafa e bailarina Paula Águas segue a mesma linha em relação aos números de dança. Não são bailarinos, diz ela, mas até isso acaba sendo encantador.
— É uma entrega bonita e eles fazem tudo com muita graça. Conseguiram lidar com a limitação dos dois atores em relação à dança de forma honesta — diz ela, acrescentando que o filme a surpreendeu, mas que o número de indicações foi uma surpresa também, pois talvez não fosse para tanto.
Guilherme Logullo e Alessandra Verney recriam uma das cenas de "La la land" no Planetário do Rio Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Seja lá como for, a identificação de qualquer artista com os personagens é imediata. Não à toa, quatro atores e atrizes cujas carreiras estão diretamente ligadas a musicais aceitaram de pronto o convite do GLOBO para recriar duas imagens do filme em cenários cariocas. Sabrina Korgut e Raul Veiga foram ao Mirante do Pasmado; Alessandra Verney e Guilherme Logullo, ao Planetário do Rio.
Assim como Mia, personagem de Emma Stone em “La la land: cantando estações”, Raul Veiga, que atuou em produções como “7 — O musical” e “Beatles num céu de diamantes”, tem muita história de audição frustrada para contar.
— Entrar na sala de teste e as pessoas nem olharem direito para você acontece mesmo. Fiz mais de 50 audições e houve um momento em que desisti de continuar assim — diz ele, que, também como Mia, resolveu empreender: atualmente, seu show “Simplesmente Sinatra”, que traz 26 dos maiores sucessos do cantor, está em campanha de financiamento coletivo.
Sebastian (Ryan Gosling) é pianista de jazz. As músicas que ele toca no filme foram gravadas por Randy Kerber, que já trabalhou com Michael Jackson, Leonard Cohen e Rod Stewart, mas na hora do vamos ver, foi Gosling que interpretou as canções, dispensando dublê. Para isso, passou três meses ensaiando duas horas por dia, cinco dias por semana.
Ryan Gosling, aliás, é músico
Essa não foi a primeira vez que o ator precisou aprender um instrumento no susto. Para gravar o disco de sua antiga banda, Dead Man’s Bones, ele precisou se virar no violoncelo depois que dois músicos contratados decepcionaram na atuação. Ele ainda canta, toca violão, baixo e já tocava piano antes de 'La la land'.
Cenas de dança
Foto: Dale Robinette / Divulgação
As coreografias foram criadas por Mandy Moore (não aquela Mandy Moore, mas uma homônima) e só a cena inicial envolveu 30 dançarinos, cem figurantes e 60 carros. Para treinar Emma Stone, Mandy usou músicas do Haim. Já com Ryan Gosling a inspiração foi Frank Sinatra. Os dois aprenderam o básico de dança de salão, sapateado e jazz.
Participação mais que especial
Foto: Reprodução
Uma participação especial meio discreta não escapou aos olhos mais atentos. O ator que interpreta o marido de Mia (Emma Stone) é Tom Everett Scott. E sua escalação não foi por acaso. Ele é protagonista de "The Wonders", filme cult de Tom Hanks sobre uma banda alçada ao estrelato nos anos 1960 – Damien Chazelle, Emma Stone e Ryan Gosling são fãs.
Longa parceria
Foto: Reprodução
Essa é a 3ª vez que Emma e Ryan atuam juntos. Além de "La La Land", os dois dividiram a cena em "Caça aos gângsteres" (2013) e "Amor à toda prova" (2011). Mas quase que isso não acontece novamente: o papel de Mia seria de outra Emma, a Watson, que largou o longa por "A Bela e a Fera". Já Gosling trocou "A Bela e a Fera" por "La La Land".
Pianista clássico, o músico John Legend, que também participa do filme, disse ter ficado com "ciúmes" da facilidade com que Ryan Gosling aprendeu seu instrumento do coração. Ele também precisou ter aulas para tocar guitarra no filme.
Antes de 'Whiplash'
"La la land" vinha sendo planejado desde a época em que Damien Chazelle estudava em Harvard — o roteiro estava pronto desde 2010. Depois de muitos 'nãos', o diretor só conseguiu fazer o filme exatamente do jeito que queria depois de "Whiplash", seu primeiro longa, ter feito o sucesso que fez: acabou indicado para cinco Oscars e venceu três.
Recorde no Globo de Ouro
Foto: Jordan Strauss / AP
"La la land" foi indicado a sete Globos de Ouro e bateu recorde ao vencer os sete, ultrapassando "Um estranho no ninho" (1975) e "O expresso da meia-noite" (1978), com seis estatuetas cada.
Quem é o compositor?
Foto: Alberto E. Rodriguez / AFP
Vencedor de dois Globos de Ouro – melhor canção original e melhor trilha sonora original – por "La la land", Justin Hurwitz só trabalhou com Damien Chazelle em sua carreira toda. Os dois fizeram juntos "Guy and Madeline on a park bench" (2009), "Whiplash" (2014) e agora "La la land".
Namorada de Damien Chazelle participa
Foto: Jordan Strauss / Jordan Strauss/Invision/AP
Sabe a consumidora que pede reembolso na cafeteria onde Mia (Emma Stone) trabalha, por ter comprado um salgado com glúten? É Olivia Hamilton, atriz, roteista, diretora e namorada de Damien Chazelle. Na vida real, assim como a personagem de Emma, Olivia busca seu lugar ao sol.
Considerado uma declaração de amor a Los Angeles, com tantos pontos turísticos e icônicos retratados com amor e deferência, o filme foi pensado originalmente para se passar em Boston. Chazelle mudou de ideia para refletir sua própria mudança para a Califórnia após a faculdade, em busca de um lugar ao sol em Hollywood.
Para Sabrina Korgut, que já fez 38 musicais e a partir do próximo mês estará no palco com Raul Veiga em “4 faces do amor”, a questão do preconceito do público em relação ao gênero também deve ser levada em conta, quando se fala de “La la land”.
— É comum ouvir aquele papo de que, se é musical, é chato. Há quem diga que tudo é clichê, essa história de ir atrás dos seus sonhos... Mas, gente, a vida é clichê mesmo — ri.
Foi exatamente essa história de seguir e realizar o sonho que fez com que a atriz Alessandra Verney chorasse copiosamente enquanto assistia ao filme. Ela, que já tem 25 anos de carreira, está no ar na novela “Rock story”, da TV Globo, e foi protagonista do musical “Kiss me Kate — O beijo da megera”, conta que se viu nos dois personagens, tanto Mia, a atriz, quanto Sebastian, o músico:
— Vários amigos já tinham vindo me dizer que eu tinha que assistir, que ia me acabar de chorar. Abrir mão do que for preciso para realizar um sonho é um pouco da história da minha vida. Saí de uma cidade do interior e fui desacreditada várias vezes quando dizia para as pessoas que queria viver de arte. Eu acabei me vendo em muitas e muitas cenas de “La la land”.
A abertura em que motoristas saem de seus carros em plena freeway foi inspirada no engarrafamento que abre “8 ½” (1963), de Fellini. O balé seguinte combina a energia de “Sete noivas para sete irmãos” (1954), de Stanley Donen, com os movimentos de “Duas garotas românticas” (1967) , de Jacques Demy, também entre automóveis.
“Epilogue”
Foto: Reprodução
As referências a outros musicais se sobrepõem umas às outras na última sequência. Há referências a cenários pintados de “Cantando na chuva” (1952), à valsa de Eleanor Powell e Fred Astaire contra um fundo estrelado em “Melodia da Broadway” (1940), e aos balões de gás de Audrey Hepburn em “Cinderela em Paris” (1957).
“Someone in the crowd”
Foto: Reprodução
O número em que as roommates de Mia a convencem a ir à festa começa em tom brincalhão, no apartamento, como em “I feel pretty”, de “Amor, sublime amor” (1961), de Robert Wise e Jerome Robbins. Na festa, convivas dançam passos “congelados” em torno da piscina, como em “Rich man’s frug”, de “Charity, meu amor” (1969), de Bob Fosse.
“Planetarium”
Foto: Reprodução
Boa parte das danças de Sebastian e Mia evoca filmes com Fred Astaire e Ginger Rogers. Isso fica evidente na cena dentro do Observatório Griffith em que os dois flutuam entre as estrelas do planetário, como sugerido em “Ritmo louco” (1936), de George Stevens.
“A lovely night”
Foto: LM Otero / AP
O meio giro de Sebastian no poste de luz é uma referência direta ao gesto de Gene Kelly em “Cantando na chuva” (1952), de Kelly e Stanley Donen, mas o número de sapateado da dupla é inspirado nos balés de Fred Astaire em “A roda da fortuna” (1953), de Vincente Minnelli, ou “Vamos dançar?” (1937), de Mark Sandrich, em dueto com Ginger Rogers.
A expectativa que já estava lá em cima depois que o filme foi o grande vencedor do Globo de Ouro, em janeiro, quando ganhou sete prêmios, talvez tenha feito o ator Guilherme Logullo ter uma opinião um pouco diferente da de Alessandra, com quem contracena na novela “Rock story”. Ele, que já fez parte do elenco de musicais como “Chicago”, “West Side story”, “Elis” e “Kiss me Kate”, acreditava que veria algo completamente novo, revolucionário. Mas não foi o que aconteceu.
— Não é exatamente novo, mas é um filme digno, muito bonito. A maneira como foi filmado, os planos-sequência, é muito corajoso fazer isso — analisa Logullo, que chegou a se decepcionar um pouco com as performances de Ryan Gosling e Emma Stone cantando e dançando. — De novo, eles fazem dignamente, mas acho que talvez seja pequeno. Você espera pelo momento em que a música vai crescer e isso não acontece.
No dia 27, o ator e diretor Miguel Falabella estará na TV Globo comentando a cerimônia do Oscar, mas não terá sido por “La la land” a sua torcida no dia anterior.
— Vi qualidades, claro, e não conheço quem odeie o filme. Mas muita gente, assim como eu, não ficou completamente empolgada. Acho que fiquei muito nas referências, naquela brincadeira de adivinhar as citações, só que a história não me pegou.
O musical de Damien Chazelle foi indicado em 14 categorias, igualando o recorde de "Titanic" (1997) e "A malvada" (1950). Além de concorrer a melhor filme, direção, roteiro original, atriz (Emma Stone), ator (Ryan Gosling) e trilha sonora, o longa ainda disputa duas vezes na categoria canção original.
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Damien Chazelle perto de fazer história
Foto: Jordan Strauss / AP
Sabemos que "La la land" já fez história pelo número de indicações. Mas o cineasta Damien Chazelle pode ainda derrubar um recorde de 1932 se vencer na categoria direção. No dia da premiação, ele terá 32 anos e 37 dias, e superaria Norman Taurog (32 anos e 260 dias) como diretor mais novo a levar a estatueta na categoria.
O terceiro em meia década?
Foto: Divulgação
De 88 Oscars de melhor filme dados até hoje, somente dez foram para musicais. O panorama piora quando o recorte conta os últimos 50 anos:
apenas "Oliver!" (1968) e "Chicago" (2002) levaram o prêmio
mais cobiçado da festa. Será que "La la land" volta a fazer o gênero triunfar?
Oscar menos white
Foto: Divulgação
Depois de toda a polêmica dos últimos anos, a Academia ampliou e deu maior diversidade a seu quadro de votantes. O resultado foi rápido: estão na disputa o ator coadjuvante Mahershala Ali e a atriz coadjuvante Naomie Harris (ambos de "Moonlight"); e o ator Denzel Washington e a atriz Viola Davis ("Um limite entre nós"), entre outros.
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Falando nisso...
Foto: MARIO ANZUONI / REUTERS
A categoria melhor atriz coadjuvante tem três atrizes negras: Viola Davis ("Um limite entre nós"), Naomie Harris ("Moonlight: Sob a luz do luar") e Octavia Spencer ("Estrelas além do tempo"). É a primeira vez que isso acontece em uma categoria de atuação desde que o Oscar foi criado.
O filme de animação "Kubo e as cordas mágicas" foi indicado a duas categorias no Oscar 2017: efeitos visuais e filme de animação. A lista, divulgada na manhã desta terça-feira, surpreendeu ao relacionar o longa em uma categoria visual,
feito raro na premiação
.
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'Manchester à beira-mar' e o triunfo do streaming
Foto: Divulgação
Indicado em seis categorias, "Manchester à beira-mar" também atingiu uma marca histórica. O drama de Kenneth Lonergan se tornou o primeiro filme produzido por um serviço de streaming, a Amazon, a concorrer à categoria de melhor filme no maior prêmio do cinema mundial. Ao todo, a Amazon acumula sete indicações.
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Holofotes para o caçula
Foto: Matt Sayles / AP
Astro de "Manchester à beira-mar", Casey Affleck é um dos grandes favoritos para levar o Oscar de melhor ator. Como o nome sugere, ele é irmão mais novo de Ben Affleck. O Batman da DC tem duas estatuetas em casa: melhor filme (por "Argo", de 2012) e melhor roteiro original ("Gênio indomável", de 1997). Ben, porém, nunca ganhou um Oscar de atuação.
O ator/diretor entrou numa espécie de lista negra de Hollywood por quase uma década após fazer comentários polêmicos, incluindo ofensas antissemitas. No entanto, tudo parece ter sido esquecido, já que "Até o último homem" recebeu seis indicações, incluindo a de melhor direção para Gibson.
A lista dos esnobados pela Academia em 2017 tem nomes como Amy Adams ("A chegada"), Tom Hanks ("Sully: O herói do rio Hudson"), Hugh Grant ("Florence: Quem é essa mulher?"), Annette Bening ("20th century women") e o diretor Clint Eastwood ("Sully"). Além de muitos outros, claro.
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Foto: Richard Shotwell / Richard Shotwell/Invision/AP
A 89ª edição do Oscar será realizada no dia 26 de fevereiro, também conhecido como domingo de carnaval no Brasil, no Dolby Theatre, em Los Angeles. Pela primeira vez, o comediante Jimmy Kimmel, apresentador do talk show "Jimmy Kimmel Live!", da ABC, será o mestre de cerimônia da festa. Ano passado, a responsabilidade foi de Chris Rock.
As referências sobre as quais fala Miguel são pequenas homenagens que “La la land” faz, relembrando outros grandes filmes como “Cantando na chuva”, “Cinderela em Paris” e “Os guarda-chuvas do amor”. Outro ponto destacado pelo ator e diretor é a Los Angeles real, que não se aproxima muito da cidade que o filme retrata:
— Todos os longas mostram uma América que a América não gosta de ver. E “La la land” mostra uma Los Angeles romanceada. Quem for para lá esperando encontrar o que está no filme vai se decepcionar — brinca.
Claudio Botelho, por outro lado, que normalmente tem preguiça para o Oscar, diz que este ano está disposto a acompanhar só para torcer pelo filme dirigido por Damien Chazelle:
— Assisto mais ao Tony (
maior prêmio de teatro dos Estados Unidos
). Só que no próximo domingo vou ver o Oscar inteiro. Quero mesmo que “La la land” ganhe logo as 14 estatuetas para que este gênero volte a acontecer.