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Por Lucas Salgado — Rio de Janeiro

Em 1968, aos 14 anos, portanto bem antes de iniciar sua trajetória como cineasta, Robert Guédiguian saiu às ruas de Paris para ajudar a recolher contribuições para a construção da sede do Partido Comunista Francês, um projeto desenvolvido pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012). Na última quarta, aos 68 anos, o agora já consolidado diretor e produtor de cinema francês apresentou seu novo filme no Reserva Cultural, sala de Niterói que fica em espaço projetado pelo próprio Niemeyer.

O filme é “Mali twist”, destaque do Festival do Rio, com sessões amanhã, em Botafogo, e no domingo, mais uma vez em Niterói. A trama acompanha o amor impossível entre Lara (Alice Da Luz), uma garota que tenta escapar de um casamento arranjado, e Samba (Stéphane Bak), um jovem socialista que ajuda a reconstruir o Mali nos anos 1960, pouco após a independência. Com visões modernas e apaixonado, o homem descobre que nem sempre o novo vem para romper definitivamente com as tradições mais enraizadas.

Também responsável pelo roteiro, em parceria com Gilles Taurand, Guédiguian conta que foi inspirado por uma exposição de Malick Sidibé (1936-2016), fotógrafo que ficou conhecido mundialmente como “olho de Bamako” por retratar a realidade do Mali. Na exposição, o cineasta teve acesso a imagens de jovens felizes, com roupas modernas e ao som do que parecia ser músicas de gêneros internacionais como o twist e o rock.

— Me perguntei por que esses jovens estavam tão felizes, tão sensuais, tão empolgados. Pesquisando, percebi que essas fotografias traduziam esse momento extraordinário de uma revolução — diz Guédiguian, lembrando que o Mali passou não apenas por um processo de independência com relação à França, mas também buscou adotar um regime socialista.

Diretor francês Robert Guédiguian — Foto: Divulgação
Diretor francês Robert Guédiguian — Foto: Divulgação

Decepcionado com o ressurgimento da extrema-direita na Europa, como demonstraram eleições recentes na França e na Itália, o cineasta considera ser importante relembrar momentos históricos de revolução social.

— Acredito que vivemos numa época horrível de regressão e penso que a missão do cinema e das artes é resgatar os grandes momentos da nossa História em que se buscava mais liberdade, mais igualdade, os momentos de revolução, para que possamos estudá-los e nos apropriamos deles — comenta o diretor, que ficou conhecido no Brasil por filmes como “As neves do Kilimanjaro” (2011) e “Uma casa à beira-mar” (2017). — A razão essencial para esta progressão de vontades ditatoriais está ligada ao desaparecimento de todos os sonhos de esquerda.

Guédiguian, que defende a necessidade de se resgatar as grandes ideias do movimento operário, descreve as filmagens de “Mali twist” no Senegal, com equipe e elenco majoritariamente local, como a melhor experiência profissional de sua vida. Ele conta que a falta de segurança e a instabilidade política no Mali impediram que o filme fosse rodado lá. Apaixonado pela cultura e pela força do povo africano, o diretor acredita que a Europa ainda não prestou contas da colonização, que afetou as Américas, mas foi mais brutal com o continente africano.

— A África inteira pertenceu à Europa, que deveria fazer o balanço de sua história e admitir que o colonialismo foi um crime contra a Humanidade — afirma.

O diretor reforça que usa seu cinema para abordar temas relevantes social e politicamente, mas que isso não significa que deixe de lado suas histórias. Ela aponta para a importância de criar personagens empáticos que possam causar a identificação com o público.

Guédiguian se diz “assustado” com o atual momento no Brasil e lembra de quando esteve aqui, em 2001.

— Há 20 anos, estive no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e o Brasil era um exemplo para a esquerda mundial. A democracia participativa e a união de força de esquerda me pareciam muito promissoras. E até hoje me inspiram. Fico me perguntando: como chegamos aqui? — questiona. — Talvez as reformas não tenham sido feitas suficientemente rápido. Talvez o poder tenha corrompido algumas pessoas. Mas também não podemos esquecer de algo presente na História, a contrarrevolução, que é poderosa.

Nas ruas

O cineasta argumenta que “independentemente dos erros, não podemos rejeitar as doutrinas, que seguem boas” (“Não é porque uma ideia não foi bem aplicada que ela não é uma boa ideia”, diz).

Passadas cinco décadas desde que era um mero adolescente leitor de Karl Marx, Guédiguian ainda se considera um comunista, especialmente por acreditar na divisão de riquezas acima de tudo. Ele também acredita na liberdade como algo preponderante, seja a de imprensa, seja de a população se manifestar.

— Na França, nos manifestamos muito — brinca. — E tem que ser assim em todo lugar.

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